Por Liliane Suguisawa1
A crescente competitividade do processo de produção de carne no país vem tornando a eficiência econômica cada vez mais importante para os criadores. Todo e qualquer fator que interfira com o processo produtivo, seja este oriundo do manejo, reprodução, nutrição e genética, deve ser conhecido e explorado ou sanado. Assim, existe um grande interesse do mercado nas tecnologias que proporcionem melhorias no rendimento econômico de cada sistema de produção existente, seja este extensivo, intensivo ou semi-intensivo.
Um dos mais antigos problemas do rebanho nacional e que atinge qualquer sistema de produção, é a presença do carrapato Boophilus microplus. Este parasita, comumente encontrado em regiões intertropicais (cerca de 74% da América Latina e ao redor de 96% dos municípios brasileiros) causa perdas de grande vulto à pecuária brasileira e à de outros países do mundo. Os danos causados abrangem desde o custo com medicamentos anti-parasitários, equipamentos e mão de obra; a queda no desempenho dos animais, que normalmente perdem peso, apresentam menores índices de fertilidade, diminuem a produção de leite e em alguns casos morrem (principalmente no caso de bezerros), até a diminuição da qualidade dos subprodutos, tais como o couro (70% do couro brasileiro é de 2a e 3a categoria forçando o país com o maior rebanho comercial do mundo a importar este subproduto). Este parasita é ainda transmissor dos agentes Anaplasma e Babésia, tornando-se fundamental no aparecimento da Tristeza Parasitária Bovina nos rebanhos.
Apesar das dificuldades em mensurar os prejuízos causados por este parasita, estima-se que se gaste mais de 1.000.000,00 de dólares/ano, ou cerca de 8 dólares/cabeca/ano no Brasil, compreendendo desde gastos com controle químico, prejuízos no desempenho e até mortalidade, em casos mais graves, de animais do rebanho. Estudos realizados na Austrália demonstraram que um animal pode morrer se permanecer infestado com mais de 200 carrapatos por um período maior que seis semanas (Frisch et al., 2000).
Existem basicamente três alternativas para o controle do carrapato; a utilização de produtos químicos, o consórcio de pastagens e a seleção de animais resistentes. Infelizmente a simples utilização de controle químico não aparece como uma alternativa eficaz no controle deste parasita, uma vez que o uso indiscriminado destes produtos faz com que surjam cepas resistentes do carrapato a todas as classes de compostos químicos comercialmente utilizados. Além disto, a utilização de produtos químicos apresenta um alto custo, tanto na aquisição do produto e equipamentos, como na disponibilização de mão-de-obra. Consórcio e rotação de pastagens específicas (capim Gordura, capim Elefante, Andropogon), implantação de lavouras por um período na área infestada, uso de pó de Neem (pecuária orgânica), e vacinas apresentam-se como alternativas eficazes somente em casos de baixa infestação de carrapatos. Desta forma, a seleção de animais resistentes ao carrapato apresenta-se como a alternativa que atualmente mais preenche os requisitos necessários para amenizar este problema em qualquer sistema de produção de bovinos de corte.
A resistência a carrapatos é definida como a habilidade de um animal em limitar o número de carrapatos que se tornem maduros sobre ele. Esta habilidade depende de fatores fisiológicos, comportamentais, imunológicos e anatômicos, que caracterizam as raças, e também de fatores ambientais. Está bem caracterizada na literatura a diferença entre animais taurinos e zebuínos no que se refere à susceptibilidade ao carrapato, sendo os europeus marcadamente mais susceptíveis a infestações deste parasita. A maior resistência dos zebuínos é atribuída a muitos fatores adaptativos, tais como características da pelagem (pelo curto, grosso e assentado), comportamento de auto-limpeza, capacidade de detecção de lugares de alta infestação e aspectos fisiológicos, como a liberação de maior quantidade de histamina como resposta a irritação causada pela picada do parasita (reação alérgica). A resistência ao carrapato talvez tenha sido um fator mais importante, embora com certeza não seja o único, para a disseminação e absoluta predominância das raças zebuínas no Brasil central pecuário, contribuindo decisivamente para que o país ocupe a posição de destaque em que hoje se encontra no cenário mundial de produção de carne. Entretanto, a evolução da pecuária de corte no sentido da intensificação dos processos produtivos requer a utilização de animais mais especializados para este tipo de sistema de produção. Algumas raças de taurinos, por terem sido selecionados em sistemas de produção intensivos, podem ser superiores quanto às características de desempenho e principalmente qualidade de carne neste tipo de ambiente e têm sido assim utilizadas em diversas regiões do país. Entretanto, grande parte das vantagens econômicas resultantes deste maior desempenho é consumida pelos gastos advindos da menor resistência ao carrapato.
No entanto, programas de seleção de raças da Austrália (Belmont Adaptado e Shorthorn Australiano) mostraram que a herdabilidade da resistência ao carrapato é alta (h2=0,48), o que demonstra que esta característica, quando selecionada, pode ser passada para a progênie. Em um programa de seleção, desenvolvido por cerca de 15 anos foi verificado que quando foram selecionados animais resistentes ao carrapato, houve uma diminuição linear do número de carrapatos/animal, sendo que a média observada no início do programa (1983) era de 275 carrapatos/animal e passou a 40 carrapatos/animal no final do projeto (1998). Também foi demonstrado que a seleção para resistência aos carrapatos traz como conseqüência aumento no peso vivo dos animais, embora esta melhoria nas características de crescimento seja inferior àquelas obtidas nos programas de melhoramento genético estabelecidos para com este objetivo específico. Estes resultados, confirmados em outros trabalhos com raças diversas, indicam que a seleção de reprodutores resistentes ao carrapato Boophilus microplus, independente da raça enfocada, pode ser uma alternativa mais eficiente para redução dos custos com o controle químico e desta forma contribuir para o aumento dos índices de produtividade do rebanho nacional, e consequentemente do retorno econômico da atividade pecuária.
Referências bibliográficas
ANDRADE, A. B. F. Análise genética da infestação de fêmeas da raça Caracu por carrapato (Boophilus microplus) e mosca-dos-chifres (Haematobia irritans). Tese – UNESP/Jaboticabal. 104 p. Fevereiro/2001.
CARDOSO, V. Avaliação de diferentes métodos de determinação da resistência genética ao carrapato Boophilus microplus em bovinos de corte. Dissertação – UNESP/Jaboticabal. 108 p. Junho/2000.
FRISCH, J. E.; O´ NEILL, C. J.; KELLY, M. J. Using genetics to control cattle parasites – the Rockhampton experience. International Journal for Parasitology, 30 : 253-264, 2000.
______________________
1Liliane Suguisawa é doutoranda em Nutrição e Produção Animal – UNESP/Botucatu