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Seleção para características de carcaça bovina pelo método da ultra-sonografia

Por: Marcos Jun Iti Yokoo1, Gabriela Zoccolaro Costa2, Lucia Galvão de Albuquerque3

A pecuária de corte é uma atividade fundamental para a economia e o desenvolvimento do Brasil, que recentemente alcançou a liderança na exportação mundial de carne. No primeiro trimestre de 2003 foram exportadas 312,5 mil toneladas de carne bovina totalizando US$ 319 milhões. No mesmo período de 2004 houve um aumento de 51% deste montante totalizando US$ 483 milhões. A estimativa é que para o final de 2004 o Brasil apresente 164.831.365 de cabeças de bovinos com o abate de 41.264.499 animais, aumentando a taxa de desfrute de 24,2% em 2003 para 25% em 2004 (ANUALPEC, 2004). Para referência, os EUA e a Austrália apresentam uma taxa de desfrute em torno de 35% e 32% , respectivamente.

A tendência mundial da indústria de gado de corte é a obtenção de um produto final consistente, de alta qualidade e de baixo custo, pois o mercado globalizado aumentará a homogeneidade na atitude dos consumidores (HARDWICK, 1998), que criam a demanda e direcionam o setor produtivo especialmente de produtos in natura.

Uma forma de avaliar a qualidade da carcaça, sem a necessidade de abate dos animais é o uso da técnica da ultra-sonografia. Ela é uma forma rápida de coleta de dados, não é invasiva e não deixa resíduos nocivos na carne dos animais avaliados (PERKINS et al., 1992a/b). É um método objetivo que fornece em tempo real, valor mensurado da musculosidade, espessura de gordura e marmorização da carcaça, sem que seja necessário abater os animais e atribuir escores visuais. Ajudando a controlar o grau de acabamento da carcaça, objetivando os pontos exatos de abate, diminuindo o custo de produção. Com os valores mensurados é possível predizer a composição corporal, rendimentos de cortes cárneos dos animais vivos e cálculos de DEPs (Diferença Esperada na Progênie).

Em geral, as características de carcaça, inclusive as medidas por ultra-sonografia, são quantitativas (poligênicas), isto é, são determinadas por vários pares de genes e sofrem influência do ambiente. O valor fenotípico de um animal para uma determinada característica é o resultado do seu valor genotípico, mais os fatores ambientais (não genéticos) e a interação genótipo e ambiente.

Para se fazer melhoramento genético animal sobre as características poligênicas, deve-se identificar e selecionar os animais com melhores valores genéticos, para serem pais da próxima geração, promovendo mudanças na constituição genética da população, isto é, alterando as freqüências gênicas no sentido desejável e conseqüentemente, promovendo um maior progresso genético.

Deve-se lembrar que os pais não transmitem seu genótipo aos descendentes, mas sim uma amostra aleatória da metade dos seus genes. O valor genético (VG) de um animal, o qual define seu valor como pai, não pode ser observado, devendo ser estimado por meio do desempenho próprio e de seus parentes, principalmente seus filhos. Para se estimar o VG dos animais, bem como para predizer o ganho genético, é necessário estimar alguns parâmetros, dentre eles a herdabilidade (h2).

A estimativa da herdabilidade indica quanto da superioridade de um animal selecionado será transmitido a sua progênie, ou seja, é uma associação existente entre o VG e o valor fenotípico. Este parâmetro varia de 0 a 1 e herdabilidades acima de 0,30 são consideradas altas. As características associadas à qualidade de carcaça possuem uma alta h2, deduzindo que o fenótipo do animal é um bom indicador do VG ou de sua DEP, sendo mais simples a identificação e a seleção dos animais.

Como pode-se observar na Tabela 1, as características de carcaça possuem estimativas de herdabilidade média à alta, variando de 0,11 à 0,62, pois a herdabilidade é um parâmetro característico de uma determinada população e pode sofrer alterações em conseqüência da seleção e mudanças no manejo.

RITCHIE (2001) encontrou herdabilidades superiores da área de olho de lombo (AOL) e espessura de gordura subcutânea (EG) mensurada por ultra-som, quando comparadas com medidas diretamente na carcaça. Provavelmente essa diferença se deve à esfola, que acaba tirando um pouco da gordura subcutânea retida no couro, como também o encurtamento das fibras musculares no resfriamento da carcaça, o qual pode diminuir a AOL, alterando a variabilidade genética destas medidas.

Na Tabela 1, se podem observar diversos autores que estimaram herdabilidades para as principais características de carcaça, demonstrando que estas características e as predições de rendimentos de cortes cárneos em percentagem (RCC%) têm variabilidade genética, concluindo-se que a seleção baseada nas avaliações genéticas pode levar a progressos genéticos na carcaça.

Tabela 1. Estimativas de herdabilidades (h2) das características de carcaça segundo vários autores.


AOL = Área de olho de lombo; EG = Espessura de gordura subcutânea entre a 12a e a 13a costelas; EGP8 = Espessura de gordura subcutânea medida na garupa; GM% = Gordura de marmoreio em percentagem; RCC% = Rendimentos de cortes cárneos em percentagem.

Quando se faz seleção para uma característica, podem ocorrer mudanças nas freqüências gênicas de outras características ao mesmo tempo, inclusive daquelas que não são objetos de seleção, com conseqüente alteração nas médias destas (ALBUQUERQUE & EL FARO, 2002). Isto acontece porque existe uma correlação genética entre as características e este coeficiente de correlação genética estabelece o grau de relacionamento de uma característica com a outra, ou seja, são determinadas em parte ou totalmente pelo mesmo conjunto de genes. A correlação genética varia de -1 a 1 e correlações acima de 0,70 são consideradas altas.

Na Tabela 2, observa-se que medidas de ultra-som na carcaça apresentam alta correlação genética com as características obtidas diretamente na carcaça após o abate, sugerindo o uso mais intensivo deste procedimento.

Tabela 2. Estimativas de correlações genéticas das principais características da carcaça quando medidas diretamente na carcaça e por ultra-sonografia.


AOL = Área de olho de lombo; EG = Espessura de gordura subcutânea entre a 12a e a 13a costelas e GM = Gordura de marmoreio

Já na Tabela 3 são apresentadas estimativas de correlações genéticas entre as principais características de carcaça medida pela ultra-sonografia com o peso aos 390 dias de idade (Peso) e o RCC%. A moderada correlação entre AOL e RCC%, a correlação negativa entre Peso e GM%, a alta correlação entre EGP8 e GS, entre outras, indica como se deve proceder a seleção e como as características responderam, aumentando ou diminuindo, dependendo das estimativas de correlações, pois a seleção para uma característica, indiretamente pode trazer ganhos genéticos para outras.

Tabela 3. Estimativas de correlações genéticas em novilhas da raça Angus, ajustada para 390 dias de idade.


A técnica da ultra-sonografia é uma importante ferramenta para seleção, gerando medidas fenotípicas importantes que processadas estatisticamente fornecem as estimativas dos valores genéticos necessárias na seleção dos reprodutores, no melhoramento genético e para o desenvolvimento da pecuária de gado corte.

Referências Bibliográficas

ALBUQUERQUE, L.G. & EL FARO, L. Conseqüências da correlação genética entre características. Anais do 5o Congresso Brasileiro das Raças Zebuínas – Os Mitos e a Realidade da Carne Bovina. V.5, p.269-270, 2002.
ANUALPEC 2004- FNP. Anuário estatístico da produção animal. São Paulo. FNP,2004.
HARDWICK, P. A. Anais do 3o Congresso Brasileiro das raças zebuinas. P.188. 1998.
PERKINS, T.L.; GREEN, R.D.; HAMLIN, K.E. Evaluation of ultrasonic estimates of carcass fat thickness and longissimus muscle area in beef cattle. Journal of Animal Science. V.70, p.1002-1010, 1992a.
PERKINS, T.L.; GREEN, R.D.; HAMLIN, K.E.; et al. Ultrasonic prediction of carcass merit in beef cattle: evaluation of technican effects on ultrasonic estimates of carcass fat thickness and longissimus muscle area. Journal of Animal Science. V.70, p.2758-2765, 1992b.
RITCHIE, H. “Available Technology Tools to Produce and Deliver Final Products”. 2002 ASAS Western Section Meeting – Montana. 2001.
ROBINSON, D.L. HAMMOND, K.; McDONALD, C .A. Live animal measurement of carcass traits: estimation of genetic parameters for beef cattle. Journal of Animal Science, v.71, p.1128-1135, 1993.
SAINZ, R.D.; ARAUJO, F.R.C.; MANICARDI, F.; RAMOS J.R.H.; MAGNABOSCO, C.U.; BEZERRA, L.A.F.; LÔBO, R.B.; Melhoramento Genético da Carcaça em Gado Zebuíno, In: 12o SEMINÁRIO NACIONAL DE CRIADORES E PESQUISADORES, MELHORAMENTO GENÉTICO E PLANEJAMENTO PECUÁRIO, 5 e 6 de agosto de 2003 – Ribeirão Preto SP.
SHEPPARD, H.H.; GREEN, R.D.; GOLDEN, B.L.; HAMLIN, K.E.; PERKINS, T.L.; DILES, J.B. Genetic Parameter estimates of live animal ultrasonic measures of retail yield indicators in yearling breeding cattle. Journal of Animal Science. V.74, p.761-768, 1996.
STOUFFER, J.R.; WALLENTINE, M.V.; WELLINGTON, G.H.; DIEKMANN, A. New techniques for real time ultrasonic evaluations of beef cattle. Journal of Animal Science. V.67, p.121, 1989.
WILSON, D.E.; ROUSE G. H.; HAYS C. L. Carcass EPDs from Angus Heifer Real-time Ultrasound Scans – Beef Research Report – Iowa State University – A.S. Leaflet R1736, 2001a.
WILSON, D.E.; ROUSE G. H.; HAYS C. L; Genetic Relationship between Live Animal Ultrasound Measures and Scrotal Circumference in Yearling Angus Bulls – Beef Research Report – Iowa State University – A.S. Leaflet R1737, 2001b.
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1Zootecnista – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento Animal da FCAV – Unesp / Jaboticabal-SP; Bolsista do CNPq-Brasil; e-mail: mjyokoo@aval-online.com.br
2Zootecnista – Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento Animal da FCAV – Unesp / Jaboticabal-SP; e-mail: gabizcosta@yahoo.com.br
3 Professora Adjunto – DZ – MGA – FCAV – Unesp; Pesquisadora do CNPq-Brasil; e-mail: lgalb@fcav.unesp.br

0 Comments

  1. Humberto de Freitas Tavares disse:

    Coincidentemente ouvi dizer que o técnico Danie Bosman fará em breve palestra sobre a experiência sul-africana sobre o assunto no dia de campo Mariópolis:

    https://beefpoint.com.br/bn/patrocinadores/artigo.asp?nv=1&idPatrocinador=20325

    Raças selecionadas para aumento de fertilidade a campo, como o Beefmaster e Bonsmara pelo homem e o Caracu pela natureza, apresentam exacerbação dos caracteres de masculinidade (conformação leonina nos machos) e feminilidade (conformação em tripla cunha nas fêmeas), com a consequente diminuiçao tanto da musculatura traseira como possivelmente da cutability.

    No caminho inverso, seleção para aumento da musculatura pode resultar em futuros prejuízos na esfera reprodutiva, como aponta o prof. Don Hargrove em

    http://www.animal.ufl.edu/extension/beef/documents/SHORT89/HARGROVE.HTM