A poucos dias da entrada em vigor da tarifa de 50% dos Estados Unidos (EUA) sobre as exportações brasileiras — prevista para começar em 1º de agosto —, o setor de carne bovina segue calculando os impactos da medida.
Redirecionar o volume exportado ao segundo maior comprador de carne bovina brasileira não é tarefa simples. Só no primeiro semestre de 2025, os Estados Unidos adquiriram 156,5 mil toneladas — alta de 131,8% em relação ao mesmo período do ano passado. Porém, especialistas ouvidas pelo Agro Estadão, indicam que sim, há mercados alternativos.
Isabella Camargo, analista da HN Agro, esclarece que, se houver uma paralisação total das exportações aos EUA, a China — líder das importações do setor — surge como a principal alternativa para absorver parte do volume que iria ao mercado norte-americano.
Conforme observado em anos anteriores, os chineses costumam aumentar suas compras de carne bovina no segundo semestre. Esse movimento visa uma preparação para a comemoração do Ano Novo Chinês, que ocorre entre fevereiro e março do ano subsequente. “Na média dos últimos três anos, o volume enviado pelo Brasil à China, em agosto, é 8,3% maior, em torno de 9,0 mil toneladas quando comparado ao mês anterior. E de agosto para setembro o crescimento é de 14,7% ou 17,2 mil toneladas. O que já direcionaria parte ou um volume até maior do que seria destinado aos EUA”, afirma Camargo.
Segundo a analista, outros destinos relevantes no primeiro semestre de 2025 também não podem ser descartados, como México, Rússia e Chile, que aumentaram, respectivamente, as suas importações na comparação anual, em 176,2%, 25,1% e 20,4%.
Além da China, indicada pela HN Agro, a Agrifatto Consultoria adiciona nesta lista a Argélia. O país do norte da África figurou entre os 10 principais destinos da carne bovina in natura brasileira nos primeiro semestre deste ano.
“O Brasil deve buscar redirecionar seus volumes para mercados alternativos como Argélia, China e Chile. Internamente, a expectativa é de um excedente de produto no mercado doméstico, o que tende a pressionar os valores da arroba do boi gordo”, sinaliza o documento.
Esse movimento, segundo a consultoria, deve ser ainda mais intenso em estados como São Paulo e Goiás, que lideram as exportações brasileiras de carne bovina para os Estados Unidos — com participações de 21% e 22% no total exportado ao país, respectivamente, em 2025.
Além do impacto regional, a mudança tarifária também deve redesenhar o fluxo global das exportações de carne bovina. Conforme destaca a Agrifatto, como o comércio internacional de proteínas é um ‘jogo de soma zero’, a saída parcial do Brasil do mercado norte-americano tende a abrir espaço para outros fornecedores. Nesse contexto, Paraguai, Argentina e Austrália devem intensificar os embarques para os EUA.
A Austrália, no entanto, desponta como principal candidata a ocupar grande parte dessa lacuna. Somente no primeiro semestre de 2025, os australianos exportaram um total de 702 mil toneladas de carne bovina — alta de 16,8% frente ao mesmo período de 2024. Só para os EUA, os embarques australianos somaram 202,8 mil toneladas. Esse volume indica 47,4 mil toneladas a mais do que no ano anterior. Essa performance, conforme explica a Agrifatto, é sustentada, principalmente, pela produção em confinamento, que bateu recordes recentes impulsionada pela demanda global.
Para Isabella Camargo, esse reposicionamento da Austrália no mercado norte-americano pode abrir oportunidades para o Brasil em outros destinos antes abastecidos pelos australianos, como Coreia do Sul, Indonésia e Filipinas. “Com a maior concorrência entre países, pode haver um aumento no preço da tonelada. O que tornaria a carne brasileira mais competitiva em mercados como Filipinas e Indonésia”, sinaliza.
Essa elevação do preço da carne pode, ainda, estimular a abertura do mercado japonês à carne bovina do Brasil. “O japonês não está acostumado com inflação. Então, o aumento no preço da carne é um dos fatores que pode ajudar a aumentar a inflação, forçando eles [governo japonês] a procurar outro fornecedor. O que pode favorecer o Brasil”, explica.
Vale lembrar que, em junho, uma comitiva técnica do Japão veio ao Brasil conhecer o sistema sanitário agropecuário nacional. Na ocasião, os membros da missão visitaram frigoríficos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A expectativa da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes é que haja uma abertura do mercado japonês ainda em 2025, ainda mais, após o Brasil ter sido reconhecido internacionalmente como livre de aftosa sem vacinação.
Fonte: Estadão.