Embora tenha um dos maiores rebanhos bovinos do mundo, de 170 milhões de cabeças, o Brasil ainda é deficiente na produção de couro bovino de qualidade, cujo índice não ultrapassa os 30% do total de peles extraídas.
Em 2003, foram abatidas 35,5 milhões de cabeças de gado e o faturamento da cadeia do couro superou US$ 4,1 bilhões. “Se o equivalente em couro fosse transformado em sapatos e exportado, as divisas poderiam alcançar pelo menos US$ 6 bilhões”, projeta o vice-presidente de Marketing do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), Walter Luís Lene. “Ao mesmo tempo, o setor abriria 570 mil novos postos de trabalho”.
Ele diz, porém, que a oferta de matéria-prima tem aumentado. O setor fechou o balanço de 2003 com exportações de US$ 3,3 bilhões. No mesmo período, diz Lene, a China, que é o maior exportador de produtos de couro, faturou US$ 16 bilhões, um aumento de US$ 3,6 bilhões no ano. De acordo com o CICB, o setor couro-calçadista brasileiro tem potencial para alcançar US$ 12 bilhões anuais em exportações.
O fato de a China ter se tornado produtor de calçados de baixo valor agregado levou os fabricantes brasileiros a lançarem produtos mais sofisticados, com alto valor agregado. “Com isso, surgiu um novo mercado no País”, diz Leme. O mercado interno também cresceu, graças às novas tecnologias de processamento e transformação, que reduziram os custos de produção e aumentaram a utilização de couro para estofamento mobiliário e automotivo. Hoje, a demanda interna é de 20% da produção.
Mesmo assim, o produto brasileiro ainda tem muito para melhorar. “A maioria dos problemas encontrados no couro brasileiro é resultado do manejo inadequado do animal, do nascimento até a esfola”, diz o diretor de Pecuária da Secretaria da Agricultura do Estado da Bahia, Plínio Moura, que se empenha em divulgar o Programa Melhoria da Qualidade do Couro Cru no Estado.
Para Leme, esses problemas são de fácil solução e dependem apenas de simples mudanças de comportamento. Conforme diz, o produtor pode contribuir para melhorar a qualidade do couro evitando marcas de fogo em locais inadequados, cercas de arame farpado e o uso de cães para tocar o rebanho. No transporte dos animais, ele recomenda ter cuidado com parafusos nas carrocerias e, no frigorífico, utilizar corretamente as ferramentas e adotar formas de manejo menos agressivas.
De acordo com o presidente do Sindicato das Indústrias de Curtimento de Couros e de Peles no Estado da Bahia (Sindicouro), Murilo Xavier, os curtumes também são alvo do programa, pois são definitivos na extração do couro. “O pecuarista também é remunerado quando maneja adequadamente o seu gado, assim como o dono do frigorífico, quando age corretamente na extração da pele”, diz. Cuidar bem do couro é uma vantagem: “O couro participa com 12% do preço da arroba do boi vivo”, diz.
Barreiras
O Brasil tem procurado melhorar a qualidade do couro, porém está encontrando barreiras de mercado para exportar sua produção. Uma delas é a sobretaxa, cobrada por parte dos importadores, de 6,5% a 17%, para produtos de alto valor agregado, do couro semi-acabado ao sapato. Há uma proposta do CICB no governo, de tratamento recíproco em relação à saída de matéria-prima básica do Brasil, segundo Lene. Na Argentina, o imposto para exportação de wet blue é de cerca de 25% sobre o preço FOB argentino. Na Índia, a taxação varia de 15% a 60%, conforme o estágio do produto. Ou seja, ambos os países desestimulam a exportação de matéria-prima, favorecendo a exportação de produtos de alto valor agregado.
Além da sobretaxa dos importadores para produtos de alto valor agregado, o Brasil enfrenta um problema de política interna: a redução gradativa do imposto de exportação do wet blue, que estimula a venda para o exterior desse couro semi-acabado em detrimento de produtos de maior valor agregado.
De dezembro de 2002 a dezembro de 2003, o imposto de exportação do wet blue brasileiro era de 9%. Em janeiro de 2004, caiu para 7%, em 2005, deve baixar para 4%, até zerar, em 2006.
Na contramão de medidas governamentais, entre 2000 e 2003, o preço médio do couro cresceu 31% comparado aos três anos anteriores à cobrança do imposto. “Ninguém perdeu, nem o frigorífico nem o pecuarista”, diz. “No período, as exportações com valor agregado cresceram de US$ 632 milhões para US$ 660 milhões, sem reduzir a exportação do wet blue“. Além disso, Lene diz que o setor ofereceu dez mil novos postos de trabalho.
A indústria, porém, está receosa, inclusive suspendendo investimento de US$ 1 bilhão em projetos de agregação de valor, tanto por parte de empresas brasileiras como joint ventures entre companhias do Brasil, China e Itália.
“Corre-se o risco de esses investimentos serem transferidos para a China, caso a Camex mantenha a decisão de rebaixar a alíquota”, acredita Lene. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Antonio Furlan, prometeu reavaliar a posição brasileira em função do exercício de 2004.
Queda
O preço de exportação do wet blue vem caindo. Este ano, o preço do wet blue está cotado em US$ 26,80 a unidade, enquanto o custo de produção está na faixa de US$ 40, segundo Lene.
“Queremos estabelecer um preço mínimo de US$ 45 por couro e manter a taxação de 9% sobre esse valor”, reivindica, lembrando que a Argentina trabalha com 15% sobre o preço do wet blue na Bolsa de Chicago. Os maiores exportadores no Brasil de wet blue são os grandes frigoríficos. “Queremos que eles ganhem, mas não em detrimento da indústria de manufatura”, defende Lene. “A expectativa é a de que a Camex reverta a posição e estimule a geração de emprego com a agregação de valor”. A proposta, observa, é que os recursos obtidos com a taxação retornem para a pecuária, via projetos nos quais a Embrapa seria a gestora.
Fonte: O Estado de S.Paulo/Suplemento Agrícola (por Beth Melo), adaptado por Equipe BeefPoint