A cana-de-açúcar, pelo fato de possuir alta produtividade e estar madura durante o período de inverno, pode ser uma excelente alternativa como recurso forrageiro, já que devido ao grande acúmulo de açúcar nos colmos não perde significativamente o seu valor nutritivo durante o período de seu uso na alimentação animal. Precisa ser obrigatoriamente suplementada com pelo menos uma fonte protéica pois o seu valor protéico é praticamente nulo. Pode ser armazenada na forma de silagem ou feno, com algumas restrições.
Desde o início dos trabalhos desenvolvidos pelas instituições de pesquisa (Embrapa, Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo e universidades paulistas), a recomendação de cana para fins forrageiros ou alimentação animal tem sido feita pelas variedades industriais disponíveis na região, normalmente mais produtivas, resistentes às principais pragas e doenças e com alto teor de sacarose, já que havia sido determinado, pelas mesmas instituições, que a busca por uma cana forrageira com alto valor protéico e baixo teor de sacarose não estava resultando em ganhos de digestibilidade e, portanto infrutífera. Concluiu-se nesse período que o teor de açúcar da cana estava diretamente correlacionado com a qualidade nutritiva da mesma. Portanto, as canas industriais poderiam ser tranqüilamente recomendadas e utilizadas.
A técnica da ensilagem
É uma técnica que consiste em preservar forragens, normalmente produzidas no verão, através de uma fermentação anaeróbia obtida pela picagem, compactação e vedação da planta forrageira em silos (diversos formatos e tamanhos). O produto final dessa fermentação, denominado silagem, é obtido pela ação de bactérias lácticas sobre açúcares presentes nas plantas, abaixando-se o pH até valores próximos de 4,0. Usualmente são utilizados culturas de milho, sorgo, girassol, milheto e sobras de pastagens de gramíneas tropicais em sistemas de pastejo rotacionado. A cana apresenta teores de açúcar para a fermentação em quantidades adequadas, o que possibilita substrato suficiente para o crescimento dos microrganismos, além do seu teor de matéria seca, quando madura, estar ao redor de 30%, também adequado ao processo de ensilagem, de 30 a 35%.
A ensilagem da cana-de-açúcar
Durante o período das chuvas, não só a confecção de silagem é mais problemática, como também, optando-se pela administração da cana fresca, reduz-se a capacidade de mecanização das operações de campo, dificultando o corte diário e conduzindo a irregularidades no fornecimento do alimento.
Atualmente, motivados por aumentar a eficiência da colheita, além da possibilidade de armazenamento da cana excedente, que muitas vezes não pôde ser colhida pela indústria, diversos grupos de trabalho, entre eles os de ANDRADE e colaboradores; VALVASORI e colaboradores, ambos do Instituto de Zootecnia/ APTA/SAA, e NUSSIO e colaboradores, da Esalq/USP, vêm desenvolvendo trabalhos de pesquisa na área de conservação da cana na forma de silagem, levantando problemas com o processo fermentativo (principalmente produção de álcool), colheita, armazenamento e desempenho animal (consumo de matéria seca, digestibilidade e produção de carne e leite). Momentaneamente, os resultados de desempenho animal com uso da silagem de cana são inferiores aos encontrados para a cana-de-açúcar in natura. Isso ocorre principalmente pela maior produção de ácido acético e álcool.
Por outro lado, há uma grande carência técnico-científica com o objetivo de definir os parâmetros agrícolas do cultivo da cana-de-açúcar para uso como planta forrageira, assim como trabalhos associando as características da cana-de-açúcar com o corte mecanizado e as necessidades nutricionais dos animais. A prática de ensilagem do excesso de produção do ano agrícola deve ser mais estudada, apesar dos primeiros dados publicados indicarem limitações significativas no processo fermentativo. Dessa forma, um grande problema de manejo da cana-de-açúcar estaria resolvido, que é o caso da cana “bis”.
Aditivos para melhoria do processo fermentativo ou valor nutricional
As principais limitações nutricionais da cana são:
a. Baixo teor de proteína (aminoácidos sulfurados são os mais limitantes);
b. Baixo teor de lipídeos (gordura);
c. Alto teor de carboidratos de rápida fermentação no rúmen e ausência de amido (degradação ruminal mais lenta e precursor de glicose);
d. Baixo teor de minerais (principalmente o fósforo);
e. Fibra de baixa digestibilidade;
f. Baixo consumo de matéria seca (fatores anteriores associados).
Na cana in natura, essas deficiências são corrigidas durante o balanceamento da ração com o uso de uréia, cama-de-frango, rolão de milho, farelo de arroz, farelo de algodão, farelo de soja, grãos de soja, grãos de milho moído, etc. Qualquer um desses aditivos pode ser colocado durante o processo de ensilagem com o objetivo de melhorar a qualidade nutricional da cana-de-açúcar, tanto quanto para a cana fresca, porém normalmente muito pouco contribuem para uma melhoria do padrão de fermentação.
O uso de aditivos microbiológicos à base de bactérias lácticas pode ser uma alternativa para limitar o crescimento de leveduras, e, consequentemente, o aumento da produção de álcool e redução de consumo, digestibilidade e desempenho animal com o uso dessa silagem. Devido ao alto custo desse aditivo e da falta de garantia de retorno financeiro, não temos recomendado o seu uso, porém, à medida que estes produtos sofrerem melhoria de qualidade e redução de preço e o processo de produção de silagem (todo o sistema, desde o plantio da cana até o manejo da desensilagem e alimentação) esteja otimizado.
Comentário BeefPoint: Uma visão mais ampla de negócio, ou seja, a visão de um sistema de produção de carne ou leite, ao invés de simplesmente avaliar o alimento volumoso individualmente, permitirá ao produtor decidir pela utilização da cana-de-açúcar na forma de silagem ou in natura, concluindo-se que a decisão pode ser mais acertada com qualquer uma, desde que outros parâmetros do sistema indiquem isso, principalmente com relação à disponibilidade da cana (excesso), disponibilidade e custo de mão-de-obra, disponibilidade de silos para armazenamento, disponibilidade de máquinas para colheita e ou picagem e até a terceirização da colheita. O que atualmente é uma verdade absoluta é que a qualidade da silagem é menor do que a cana in natura, tanto do ponto de vista de ingestão de matéria seca como da sua digestibilidade, porém ganhos em outros segmentos do sistema de produção podem compensar essa perda e até aumentar a lucratividade do produtor.
Fonte: Artigos técnicos publicados anteriormente neste site e comentários do próprio autor