Após quatro anos e meio da publicação da primeira normativa do Sisbov (Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina) e sucessivas alterações, a norma foi reeditada e publicada na última sexta-feira sob o nome de Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos. A nova norma operacional foi exaustivamente debatida entre os elos da cadeia produtiva e setor público, representados por instituições como Acerta, CNA, Abiec e Mapa, até que se chegasse a um modelo que preencha uma série de deficiências. Estas lacunas já foram sucessivamente apontadas pela UE e colocavam a confiabilidade do sistema em uma situação delicada, pondo em risco a manutenção de importantes mercados, como a União Européia.
Vantuil Carneiro Sobrinho, atual presidente da Acerta (Associação Brasileira das Empresas de Rastreabilidade e Certificação Agropecuária), explicou que com o novo Sisbov, o Brasil terá uma norma mais moderna e flexível que, além de tornar o sistema mais confiável do ponto de vista sanitário, sua estrutura possibilitará eventuais alterações que possam ser necessárias. Desta forma, será evitado que a norma seja sucessivamente reeditada, criando uma “colcha de retalhos”, repleta de interpretações e conflitos.
O coordenador geral do fórum permanente da pecuária de corte, Antenor Nogueira, considerou que, além da consolidação de uma norma definitiva, as exigências da União Européia foram contempladas pela norma. “Foi um avanço grande. Estamos atendendo às exigências, dando mais visibilidade e condições de auditoria”, afirmou.
O diretor executivo da Abiec, Antonio Camardelli, salientou a importância de termos regras bem definidas a partir deste momento, de forma que seja possível ao setor estabelecer um ambiente saudável para o crescimento. “A Abiec está elaborando uma cartilha bastante didática para divulgar as normas para os produtores. Antes, isso não era possível porque as regras mudavam constantemente”, afirmou.
Fabio Dias, diretor executivo da Assocon (Associação Nacional dos Confinadores), mostrou-se bastante otimista com a estrutura da norma. Segundo ele, os prazos e procedimentos exigidos pela norma são perfeitamente factíveis.
O Estabelecimento Rural Aprovado Sisbov
A mudança mais significativa da norma do ponto de vista conceitual, é a instituição do Estabelecimento Rural Aprovado Sisbov. Esta regra define que a fazenda que produz animais rastreados destinado a mercados que exigem a rastreabilidade não poderá ter nenhum bovino ou bubalino fora da BND (Base Nacional de Dados). A norma estabelece ainda que as propriedades produtoras deverão ser vistoriadas, no máximo, a cada 180 dias pelas certificadoras. No caso de confinamentos, a cada 60 dias.
Os animais nascidos na propriedade devem ser identificados até a desmama ou até o prazo máximo de 10 meses de idade. No caso de aquisições de estabelecimentos não aprovados, a identificação deve ser solicitada logo na entrada, e os animais de toda a propriedade devem cumprir o prazo de 90 dias na propriedade, conforme explicou Vantuil. A norma prevê que a partir de 1o de janeiro de 2009, somente animais identificados poderão ingressar em estabelecimentos aprovados.
No caso de confinamentos, somente será permitido o ingresso de animais rastreados, e mesmo que sejam identificados por várias certificadoras, o confinamento só poderá ser assistido por uma. O mesmo vale para outras fazendas.
Na opinião de Vantuil, este conceito “é um avanço fantástico”. Para ele, a possibilidade de o produtor ter animais oriundos de regiões de risco elevado para epizootias, torna hoje o sistema pouco confiável do ponto de vista sanitário. Camardelli explicou que este conceito deverá fortalecer a rastreabilidade do rebanho nacional. Muitos dos problemas apontados pela UE serão sanados com a nova regra.
Definição de procedimentos internos
De acordo com a norma, o produtor deverá definir um “manual de qualidade” para o manejo na fazenda, que é o protocolo declaratório de produção para que se credencie como estabelecimento aprovado. Além disso, a propriedade deverá manter registros de eventos sanitários e controle dos insumos utilizados na produção.
“Basicamente é uma declaração de como você produz em sua fazenda. Você deve manter documentos que comprovem que produziu em conformidade com o que está descrito”, afirmou Fabio Dias.
Vantuil explicou que, para adequar o Sisbov às normas internacionais de acreditação, esses procedimentos devem ser elaborados pelo produtores e auditados pela certificadora, que não credenciará o produtor caso encontre inconformidades. Dessa forma, a certificadora não interfere mais no processo produtivo, que fica sob responsabilidade do produtor. “Quem vinha auditar as certificadoras não aceitava este trabalho de assessoria”, afirmou Vantuil.
Obrigatório para mercados que exigem rastreabilidade
O novo Sisbov é de adesão obrigatória apenas para exportação a mercados que exigem rastreabilidade na carne bovina, como Chile e UE. Segundo Vantuil, existem na verdade alguns mercados que impõem as mesmas exigências definidas pela UE para a importação, e que portanto, exigem rastreabilidade indiretamente. A norma do Sisbov define que será de responsabilidade do Mapa disponibilizar a relação dos mercados que exigem a rastreabilidade.
Nogueira considerou que essa mudança deverá favorecer o produtor. “Por que o produtor de um estado não habilitado pela UE tem que rastrear, se os mercados que importam não exigem?”, questionou. Camardelli, por outro lado, afirmou que a Abiec era contra essa decisão, e que seria importante que todo o rebanho fosse rastreado para fortalecer a competitividade do produto brasileiro nos mercados internacionais. Explicou que grande parte dos mercados não atingidos pelo Brasil exige a rastreabilidade, e a tendência é crescente.
A possibilidade de se exportar produtos não rastreados deverá ser limitada, de acordo com Vantuil. Embora muitos mercados não imponham essa barreira técnica, seria necessário criar formas de separar logisticamente a produção para os mercados que a exigem. “Para exportar para mercados que não exigem, o frigorífico deverá ter uma câmara especial, e não pode misturar com a UE. Vai ter que separar a matança, o curral, porque não pode misturar com outros”, afirmou.
Fabio Dias não acredita que essa delimitação trará grandes novidades. Dos mercados atingidos pelo produto brasileiro, os principais, se ainda não constam na lista dos que exigem, logo irão exigir. Em seu ponto de vista, será pouco provável que um animal inteiro seja destinado a um mercado que não exige rastreabilidade, justificando a produção de animais para exportação sem a rastreabilidade.
Rastreabilidade total
No processo de rastreabilidade, determinado produto final pode ser rastreado de jusante à montante ao longo da cadeia somente até o momento da identificação dos materiais envolvidos. Essa ferramenta oferece dois níveis: rastreabilidade total e rastreabilidade parcial.
Na rastreabilidade parcial, a identificação ocorre no meio do processo, impossibilitando a identificação da origem, o que é justamente o que a UE deseja conhecer e auditar, de acordo com Vantuil. Mesmo com o novo Sisbov, até que seja estabelecido que somente animais identificados podem ingressar nos estabelecimentos aprovados, o Brasil terá apenas a rastreabilidade parcial. Somente após janeiro de 2009, será possível identificar a origem até o nascimento do animal, e o sistema garantirá rastreabilidade total.
Formas de identificação
A norma estabelece algumas formas de identificação, entre as quais combinam-se a utilização dos brincos auriculares, bottom, tatuagem na orelha, marcas a fogo e dispositivo eletrônico na orelha, no estômago ou na prega umbilical. A dupla identificação não será mais obrigatória. No entanto, na identificação simples, caso ocorra perda do identificador, o animal deve ser re-identificado. “Agora, fica a cargo do produtor optar pela identificação simples ou dupla, de acordo com o manejo dele”, observou Fabio Dias.
Figura 1: brinco auricular de identificação
Apresentação obrigatória do DIA
Uma das queixas que foram apresentadas pela classe produtora é quanto a operacionalidade na fazenda na identificação e embarque dos animais. Foi discutida a proposta de se substituir a apresentação obrigatória do DIA (documento de identificação animal) pela leitura dos brincos na calha de abate dos frigoríficos. Nesse sistema, o produtor encaminharia o extrato de animais e as baixas seriam dadas pelos frigoríficos. No entanto essa proposta não foi aceita, e a apresentação obrigatória do DIA ficou mantida. Entretanto, a nova norma contempla uma forma alternativa ao DIA: a Planilha de Identificação Individual, que é uma relação de animais identificados individualmente.
Nogueira explicou que, de acordo com a proposta de leitura na calha de abate, o sistema não oferece a garantia desejada pela UE de que os animais são oriundos de área habilitada para o abate, uma vez que a leitura não é realizada no embarque. “A UE exige que os animais cumpram o prazo de 40 dias na fazenda de origem dos animais e 90 dias em área habilitada para abate”, afirmou.
Dispositivo eletrônico: desburocratização
O que a norma aborda, e que deve melhorar a operacionalidade se colocado em prática, é o sistema eletrônico de identificação. Neste sistema, o dispositivo eletrônico deverá atender às normas do sistema da qualidade, excelência técnica e normas específicas de padrão ISO 11.784 e 11.785 ou equivalentes. Isso significa que a indústria fabricante desses dispositivos deverá se adequar aos padrões elevados de qualidade para que o sistema seja colocado em prática.
Uma das vantagens oferecidas pelo sistema eletrônico é que a apresentação do DIA é dispensada se o sistema atender às condições estabelecidas pela norma. Além da adequação com os padrões de qualidade, para que o sistema seja colocado em prática, deverão existir leitores na propriedade, na certificadora, nas agências de atenção veterinárias (no caso de transferências interestaduais) e nos frigoríficos. Desta forma, o sistema ganha agilidade e confiabilidade. “Com o sistema eletrônico, é possível fazer a leitura no momento em que entra no caminhão. Depois, ele já passa diretamente para a certificadora, para as agências e para o frigorífico”, afirmou Vantuil. Além disso, evita as sucessivas leituras e digitações que propagam a probabilidade de erro. Fabio Dias lembra que será necessário o produtor ter o processo de gestão bem estruturado para que se possa adotar o sistema eletrônico.
Camardelli enfatizou que a Abiec está realizando um grande esforço para que o sistema seja colocado em prática nos frigoríficos. Logisticamente, a desburocratização e a agilidade que o sistema eletrônico oferece à operação de embarque e desembarque minimiza o manejo nos currais. “Muitos animais chegam com lesões nos cortes nobres, o que representa perdas para todos”, afirmou.
Entretanto, uma série de limitações irá se traduzir em desafios para que o sistema ocorra na prática. A primeira delas é que o dispositivo eletrônico, que provavelmente utilizará a tecnologia RFID, vem com um código pré-gravado. Como não existe ainda uma norma para estabelecer a equivalência do código do elemento eletrônico com código do Sisbov no sistema, a legislação ainda deverá se adaptar a essa tecnologia, e demandará uma série de discussões. De acordo com Nogueira, ainda será preciso desenvolver uma metodologia junto às indústrias dessa tecnologia.
Outra limitação é a necessidade de adequação de todos os agentes envolvidos, inclusive as agências de atenção veterinária, que ainda não são informatizadas. “Para isso, é preciso, além de recursos, de vontade política”, afirmou Vantuil. Vale lembrar que todas as movimentações devem ser comunicadas a esses órgãos.
Nogueira lembrou que este processo de informatização das agências estaduais já está em curso, especialmente nos estados habilitados para exportação pela UE. Em relação à viabilização da tecnologia, ele afirmou que está sendo realizado um esforço conjunto com os frigoríficos para colocá-la em prática.
Outra barreira à adoção da tecnologia é o custo. Segundo Nogueira, o Brasil não tem capacidade de fabricação do chip, havendo necessidade de importação. O Governo terá um papel importante, formulando políticas que tornem o custo viável ao usuário.
Desafios
Vantuil criticou a falta de laboratórios para análises soroepidemiológicas disponíveis nas regiões produtoras. Segundo o Mapa, o Lanagro possui atualmente laboratórios em MG, SP, RS, PE, PA, GO, SC, RJ e PR. Caso a certificadora suspeite da existência doenças infectocontagiosas na propriedade, o produtor necessita de exames laboratoriais para confirmar ou não este estado sanitário.
“Estados produtores como MT ou MS dependem de fazer análises em Campinas, São Paulo, Belém, Recife. Acho isso um tremendo contra-senso”, criticou. “O governo deveria instalar laboratórios em GO, MS. E não pegar essas amostras e mandar para Belém, correndo o risco de se perder ou estragar”. Com as exigências impostas pelo novo sistema, a crescente demanda por análises laboratoriais irá cobrar uma postura do Mapa quanto à melhoria dessa infra-estrutura, conforme explicou Vantuil. Nogueira lembrou que, na antiga gestão, o Mapa fez grandes investimentos na modernização desses laboratórios.
A inclusão de propriedades que realizam as diversas etapas na pecuária no sistema será um grande desafio, na percepção de Fabio Dias. “Teremos que ter uma adequação de criadores e recriadores, pois daqui a um ano e meio todos terão que comprar no mesmo sistema”, concluiu.
Prazos
Os produtores já inscritos no Sisbov poderão incluir animais na BND sob a norma antiga até 1o de dezembro de 2006. Até 31 de dezembro de 2007, coexistirão os dois sistemas, sob a norma antiga e pela nova norma. Após essa data, a norma antiga perde validade. Na prática, apesar de o sistema antigo ter validade até o fim de 2007, os produtores que quiserem incluir animais a partir de 2 de dezembro desse ano, terão que o fazer sob o Estabelecimento Rural Aprovado Sisbov.
A partir de 1o de janeiro de 2009, apenas animais identificados poderão ingressar em propriedades aprovadas. Exceção para animais adquiridos apenas para fins de reprodução.
Otavio Negrelli, Equipe BeefPoint
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“Novo” SISBOV.
A Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) aprovou durante a Assembléia Geral de maio de 2006 os “Princípios Gerais para Identificação e Rastreabilidade de Animais Vivos”. O tema está incluido no Código Sanitário para Animais Terrestres como Anexo 3.5.1. Poderá ser lido no seguinte endereço internet: http://www.oie.int/esp/normes/actua2006_chap_3_5_1.pdf
As normas aprovadas pela OIE são a referência para a Organização Mundial do Comércio (OMC), constituindo o contraditório neste organismo.
As normas brasileiras recentemente publicadas não estão em consonância com as recomendações da OIE. Por exemplo, segundo a OIE a “identificação e a rastreabilidade animal são ferramentas destinadas à saúde animal (incluidas as zoonoses) e à segurança sanitária dos alimentos” e “deve estar sob a responsabilidade da Administração Veterinária”, o que não ocorre no Brasil.
Segundo a OIE “Administración Veterinaria, designa el Servicio Veterinario gubernamental que tiene competencia en todo el país para ejecutar las medidas zoosanitarias y los procedimientos de certificación veterinaria internacional que recomienda la OIE y para supervisar o verificar su aplicación”.
Bom dia, gostaria de parabenizar o senhor Otavio Negrelli representando a Equipe BeefPoint pela ótima matéria que, de forma tranqüila, sintetizou a nova Instrução Normativa.
Fazendo uma pequena observação quanto a identificação simples dos animais:
O animal com identificação simples quando perder o elemento identificador deverá receber uma nova identificação, outra numeração, e cumprir os prazos legais. Conforme descrito no CAP. III, Art. 7º, p V.
Art. 7º O animal será identificado de acordo com uma das seguintes opções:
I – um brinco auricular padrão Sisbov em uma das orelhas e um botton;
II – um brinco auricular ou um bottom padrão Sisbov em uma das orelhas e um dispositivo eletrônico colocado na orelha, no estômago ou na prega umbilical;
III – um brinco auricular padrão Sisbov em uma das orelhas e uma tatuagem na outra orelha, com o número de manejo Sisbov;
IV – um brinco auricular padrão Sisbov em uma das orelhas e o número de manejo Sisbov marcado a ferro quente, em uma das pernas traseiras, na região situada abaixo de uma linha imaginária ligando as articulações das patas dianteira e traseira, enquanto que os seis números de manejo Sisbov deverão ser marcados três a três, sendo os três primeiros números na linha imaginária e os outros três imediatamente abaixo;
V – um dispositivo eletrônico contendo identificação visível equivalente ao brinco aurícula padrão Sisbov ou um brinco auricular padrão Sisbov em uma das orelhas: nesta opção, a perda do identificador resultará que estes animais sejam submetidos a uma nova identificação cumprindo todos os procedimentos constantes da norma;
VI – outras formas de identificação aprovadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como Instância Central e Superior do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária.