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Sobre a missão brasileira na UE

Por Enio Antonio Marques Pereira1

Hoje é mais fácil negociar as relações de comércio com paises membros da OMC porque existem regras internacionais obrigatórias e ferramentas para evitar contenciosos.

Creio que os técnicos da Secretária de Defesa podem esclarecer as autoridades da União Européia sobre qualquer dúvida que por ventura tenham em relação a aplicação de medidas sanitárias pontuais.

Se o MAPA cumpre as normas internacionais, o nosso pessoal vai dar um baile nos europeus. É seguir nos temas sanitários o exemplo da área de política agrícola (Pedro Camargo), que fez o Brasil ganhar vários painéis na OMC simplesmente usando as normas internacionais.

A única questão que os técnicos da Secretaria de Defesa não podem resolver é a assimetria entre os modelos sanitários da UE e do Brasil. Nisso o Brasil perde de goleada.

O Brasil tem um modelo jurássico (anos 30, com alguns aperfeiçoamentos nos anos 50) que convenhamos já deu o que tinha que dar. A culpa dessa situação bizarra não é do corpo técnico do MAPA.

A culpa é do setor privado do agronegócio que não oferece prioridade às políticas públicas da defesa agropecuária. Os avanços que ocorrem são espasmódicos! Por pressões dos países importadores e dos supermercados.

Em contra partida, fruto das crises da vaca louca, dioxina, contaminação dos alimentos, a União Européia tem um modelo novo ajustado a defesa do consumidor e as normas internacionais, com base no conceito universal do alimento seguro da fazenda a mesa.
O regulamento europeu relativo ao quadro geral da legislação alimentar estabeleceu pela primeira vez os princípios gerais em matéria de segurança dos gêneros alimentícios e dos alimentos para os animais. Este regulamento responsabiliza claramente as empresas do setor alimentar pela segurança dos alimentos. A partir de janeiro de 2005 passaram a assegurar a rastreabilidade dos gêneros alimentícios, dos alimentos para os animais e dos respectivos ingredientes ao longo de toda a cadeia alimentar.

A legislação alimentar geral é complementada, respectivamente, por legislação específica relativa a um conjunto de questões relacionadas com a segurança dos alimentos, tais como a utilização de pesticidas, de suplementos alimentares, corantes, antibióticos e hormônios na produção de alimentos; por normas em matéria de higiene; e por procedimentos rigorosos relativos à liberação comercial, rotulagem e rastreabilidades e culturas e alimentos que contenham organismos geneticamente modificados.

A responsabilidade é extensível ao bem estar dos animais quer nas explorações, quer nos transportes. A Comissão Européia controla a aplicação das medidas com um sistema de alerta rápido, que suspende a comercialização de produtos de risco, decisões com fundamentos científicos sólidos, execução e controle das legislações. A adoção de atos legislativos não faz sentido se estes não forem executados.

O novo modelo europeu, adotado com o Regulamento 178 de 2002, além das normas gerais de segurança alimentar, separou as responsabilidades de fazer as normas, auditar a execução das normas e da inspeção das fazendas e das indústrias. Quem baixa normas é o parlamento, quem audita o cumprimento das normas e propõem normas é a Autoridade de Segurança Alimentar, quem inspeciona são os Serviços Oficiais dos países.

A cada visita de auditoria que a Autoridade de Segurança Alimentar faz ao Brasil fica mais clara a necessidade do ajuste do nosso modelo a essas práticas internacionais. O interessante é que o Poder Legislativo brasileiro já fez a sua parte reformando a Constituição de 1988, aprovando a Lei Agrícola, aprovando a Rodada Uruguai do GATT, criando a lei de Defesa do Consumidor, entre outros atos modernizantes.

A bola está com o Ministério da Agricultura que pensa muito sobre a produção e o abastecimento e muito pouco sobre a segurança dos alimentos! E, também, com as Comissões Técnicas da Câmara e do Senado que não fiscalizam o cumprimento das Leis.

Diferente do que muitos pensam a Defesa Agropecuária é assunto político e não técnico.

A agenda da defesa tem uma importância social e econômica estratégica para o país.

Há que separar:
i) a formulação das políticas;
ii) a auditoria do cumprimento das políticas;
iii) a execução dos serviços técnicos de defesa agropecuária.

Há que dar aos serviços de técnicos da defesa os meios para que possam cumprir seus papéis com qualidade, credibilidade e independência. Não entendo porque os serviços de defesa não podem ser qualificados, como aconteceu com a Receita Federal, por exemplo!

Leia a notícia que gerou esse artigo, clicando aqui.

________________________
1Enio Antonio Marques Pereira é médico veterinário formado pela USP, trabalhou durante 30 anos no Mapa, onde foi Secretário de produção, Secretario de Defesa, Ministro Interino, foi diretor-executivo da Abiec. Atualmente é consultor da MP Consultoria.

0 Comments

  1. Otávio Hermont Cançado disse:

    Dr. Ênio Marques,

    Já nos conhecemos há algum tempo e, portanto, tanto o Senhor quanto eu conhecemos o posicionamento de cada um sobre a questão da sanidade (defesa agropecuária) no Brasil.

    Dessa forma, e com todo o respeito me sinto à vontade para comentar alguns pontos do seu belo artigo, publicado no Beefpoint.

    Discordo do Senhor quando remete às eventuais facilidades que negociações no âmbito multilateral (no caso a Organização Mundial do Comércio – OMC) oferecem em detrimento das bilaterais, pelo o que entendi, serem mais vulneráveis.

    Concordaria com o Senhor nesse sentido se, caso os resultados obtidos na última reunião Ministerial da OMC, realizada em Hong Kong tivessem sido mais concretos e reais dos que os alcançados. Inclusive, no que toca as questões sanitárias e fitossanitárias, aquele fórum decidiu, infelizmente, por postergar – uma vez mais – o seu tratamento para outra reunião, ainda a ser definida pelo Diretor-Geral da OMC, Senhor Pascal Lamy.

    O Brasil, nem mesmo nenhum país membro da OMC deve ou pode ficar aguardando com parcimônia, decisões que levam anos a serem implementadas, e se é que de fato são.

    O mundo deve andar e o comércio e as relações internacionais não podem ficar a reboque de um organismo lento, e comandado por países desenvolvidos que tem escancaradamente demonstrado seu total isolacionismo, falta de coerência e respeito com os demais membros.

    Como é do conhecimento do Senhor as regras internacionais são constantemente violadas pelos países membros da OMC e que fazem parte, igualmente, do SPS. Não devemos nos esquecer que o novo nome do protecionismo é a sanidade agrícola.

    Estou certo de que o Brasil, representado pelo mais alto corpo técnico do Ministério da Agricultura pode, e é capaz de esclarecer às autoridades da UE qualquer dúvida sobre medidas sanitárias pontuais, conforme o Senhor bem colocou.

    Outro ponto que concordo com o Senhor é o de que a lição que o Dr. Pedro de Camargo Neto nos ensinou serve de base e deve ser implementada pelo Brasil na briga por um melhor e justo acesso a mercado em todo o mundo.

    No entanto, não devemos perder de vista as negociações bilaterais, que são as que tem, até hoje, garantido o sucesso do agronegócio nacional.

    No que se refere à assimetria entre os serviços técnicos brasileiro e europeu, discordo do Senhor quando afirma que o Brasil perde de goleada.

    O Brasil, como o Senhor, que já foi Secretário Nacional de Defesa Agropecuária, bem sabe que tem um dos melhores, senão o melhor do mundo. Não devemos confundir estrutura com condições de trabalho.

    Culpar o setor privado pelas incoerências e falta de agilidade inerentes do serviço público não é o caminho, é um erro, que aliás tem sido cometido por aqueles que não estão interados do assunto. O setor privado vem contribuindo de forma exemplar o seu papel de catalisador do comércio internacional e enriquecimento o Produto Interno Bruto do Brasil.

    Os europeus realmente aprenderam muito com dificuldades enfrentadas no passado, porém até o momento só souberam formular políticas públicas para terceiros países, como o Brasil e outros sem nem mesmo olharem para o seu próprio território. Temos que ter em mente que formular políticas públicas para os outros é fácil, no entanto, aplicá-las a nós mesmos é outra prosa.

    Os países desenvolvidos exigem de nós o que eles mesmos não cumprem em seu próprio território. Salvo engano, até hoje a rastreabilidade deles é capenga e casos de BSE continuam a pipocar incessantemente por lá.

    O modelo de defesa agropecuária, a meu ver, não deve ser revisto. O Estado sim deve dar mais atenção ao setor que mais lhe beneficiou nos últimos dez anos.

    No que se refere ao Legislativo, tenho acompanhado de perto, e não resta dúvidas de que ele vem cumprindo fielmente, por meio das suas Comissões de Agricultura da Câmara e do Senado, o mandato que o povo brasileiro lhes conferiu.

    Dr. Ênio Marques, fico triste em ver a sua afirmação de que “Defesa Agropecuária é assunto político e não técnico”.

    Concordo, por fim, com o Senhor que os únicos que não tem e não merecem a pecha de culpados são os técnicos veterinários do Ministério, profissionais a quem reputo da maior credibilidade, sensibilidade, seriedade e profissionalismo.

    Um abraço do,

    Otávio Cançado
    Presidente da MGRS – Consultoria

    Resposta do autor do artigo

    Caro Cançado,

    Eu desconhecia sua posição sobre as políticas públicas sanitárias e fitossanitárias.

    Obrigado pelos comentários e certamente não sou o dono da verdade.

    Procurei transmitir, frente a notícia, um sentimento que não é só meu.

    Aprender pelas diferenças é um bom exercício para o engrandecimento pessoal e isso eu me permito conceder permamenentemente.

    Enio Marques Pereira

    Resposta de Otávio Cançado

    Meu caro Dr. Enio,

    Poder compartilhar e debater com pessoa de tão alto nível como o Senhor, tenha a certeza, é para mim um enorme prazer e aprendizado.

    Vamos continuar a nos comunicar e manter este tipo de relação que só engrandece o debate e contribui para o aperfeiçoamento dos nossos pontos de vista, em parte convergentes.

    Um abraço do, Otávio Cançado