A função do indicador é a de ser um informativo de preços.
É ser uma ferramenta de análise de mercado, de tendências, de sazonalidade.
Sua razão de existir é a de ser usado na bolsa no último dia útil de cada vencimento como preço de ajuste do contrato futuro que expira.
Não há pecuária hoje no Brasil sem o Indicador Cepea. Ficaríamos cegos, dependendo dos compradores de frigoríficos e dos grupos de telegram/whatsapp para, de forma ineficiente, tentar em vão achar o valor justo ou correto do mercado do dia para cada praça, cada estado e cada região.
A informação para ser útil e transparente tem que ser centralizada em um único local.
O indicador tem que ser valorizado pelo que ele é: um ambiente sem viés que centraliza e publica diariamente um espelho do que aconteceu em vários locais.
Uma ferramenta que usada com a devida interpretação te ajuda a fazer a decisão mais importante que se há de fazer em comercialização de gado: vendo agora ou espero mais uns dias? Só o estudo do indicador te dá esse tipo de resposta.
Pessoalmente, abro o jogo: não há série de preços que eu tenha mais intimidade do que as bases de dados do boi e bezerro do Cepea. Estudo e uso o indicador há vinte anos.
Sou pecuarista também. Nosso primeiro negócio de boi na bolsa ocorreu há dezenove anos atrás. Uso também os indicadores Cepea boi magro, vaca, milho e soja. Nossas compras e vendas de gado são totalmente influenciadas pelos dados do Cepea e BMFBovespa.
São excelentes os dados. Faço extensivamente testes nas bases de dados para checar se não há distorções. Busco vestígios de manipulação dos preços “dentro das regras.” Não achei evidência.
Essa confiança nos dados os levaram a ser a espinha dorsal dos 412 gráficos e análises de mercado que publicamos diariamente, semanalmente, mensalmente e semestralmente na Carta Pecuária para frigoríficos, tradings, universidades, cooperativas, bancos, fundos de investimento, corretoras, pecuaristas, criadores, curiosos e especuladores em bolsa que são os assinantes da publicação.
Essas informações e os dados devidamente tabulados e analisados passam a expectativa de alguma forma melhorar a comercialização de gado dos participantes. O intuito é nivelar o jogo, retirar a assimetria da negociação, as partes negociarem como iguais.
O indicador, entretanto, não é perfeito. Acredito que toda a base de dados das amostras dos negócios deveria ser publicada em D-1, assim como as referências das porcentagens de abates regionais das macrorregiões que proporcionam os preços dos dados coletados. Acredito que o sistema de desvio padrão para retirar amostras do resultado deveria ser aprimorado.
Acredito acima de tudo que o mercado está pronto para isso. Acredito que a transparência total é uma alternativa viável para fortalecer e engajar ainda mais os pecuaristas no uso dos dados e se tornarem ainda mais colaboradores do Cepea.
De qualquer forma, o resumo é: o indicador é bom. É útil. É válido. É neutro. É confiável.
Por essas e por outras qualidades e vantagens alguns negócios reais de compra e venda de gado foram fechados usando o indicador como referência.
Quando isso ocorria nas poucas vezes e nos poucos negócios fechados com ele isso não gerava nenhum problema.
Porém, o próprio sucesso do indicador como referência de preços retroalimentou a escolha de usá-lo ainda mais em negócios reais.
Não só em São Paulo, mas negócios com os indicadores regionais pipocaram no Brasil inteiro.
Aí, sim, isso gerou um problema. Ao usar o preço do indicador isso gera uma referência circular (não dá para usar o indicador como amostra de preço do próprio indicador) que inevitavelmente excluem esses negócios da base de dados.
Resultado? Em outras palavras, se você vende usando o indicador você não está na realidade vendendo seu gado.
Você está dependendo da bondade dos outros pecuaristas e frigoríficos que fecham outros negócios com animais que provavelmente não são tão gordos e bons quanto os seus para aí balizar o seu lote. Você não faz seu preço.
Isso tem gerado constantemente uma fonte enorme de insatisfação por parte de quem vende o gado usando o indicador.
O que fazer?
A indústria poderia ajudar se parasse de oferecer contratos a termo usando o indicador como referência.
Usasse ao invés disso outras três modalidades disponíveis para o produtor:
1) Preço fixo futuro.
Como o nome diz é um preço fixo hoje para o futuro. Ou seja, se você quiser preço para outubro-2017, por exemplo, a indústria te passaria, vai, hipoteticamente, R$ 160,00/@ para você na sua região. Limpo. Simples. E é isso. O pecuarista que se vire para saber se esse valor é bom ou não para ele.
2) O próprio contrato futuro e diferencial de base como balizador dos seus negócios na modalidade “a fixar”.
O diferencial de base é fixo, negociado hoje, mas a origem do preço, ou seja, o valor pelo qual o diferencial será descontado é o próprio contrato da bolsa que naturalmente oscila. Cabe o pecuarista usar análise de mercado ou contar com a orientação de profissionais nesse sentido para lhes ajudar a fechar negócio. O raciocínio é o mesmo, entretanto: você tem que saber os custos dos seus animais. A vantagem é que você é o responsável por fazer seu preço usando e interpretando as variações da bolsa.
3) Preço fixo + 50% do que vier acima do combinado.
Gosto desse. Tem a vantagem do preço fixo, ou seja, de saber com transparência por quanto venderá o animal no futuro com a vantagem de que, se o mercado subir, você não vai ficar chupando o dedo. Vai ter metade da alta no seu bolso.
A indústria poderia fazer até uma combinação das três coisas, se quisesse.
Para os grupos e associações de classe que usam o indicador também há o mesmo problema. A chiadeira é parecida.
Sugiro repensar a coisa oferecendo para os associados as estratégias acima ou, melhor ainda, pegar as fazendas “modais” ou “referências superiores e inferiores” dos seus associados e fazer um trabalho de descobrimento dos seus próprios preços, seus próprios custos, e daí com seus próprios custos na mão negociarem seus animais.
É importante lembrar:
Quanto maior a utilização da bolsa como ambiente dos negócios de gado, maior é a importância do indicador como ferramenta informativa.
Quanto mais preços são fechados fora do indicador, mais qualidade dos dados e mais robusta fica a informação que o indicador publica.
Pensem nisso.
Entendo que isso é um debate em aberto e as parcas e grosseiras ruminações acima possam servir para ajudar no entendimento geral do nosso mercado.
Fonte: Carta Pecuária.
6 Comments
Aleluia! O artigo deixa claro, em linguagem simples, a loucura que é o produtor vender boi futuro atrelado ao preço CEPEA + / – um ágio. Na verdade esta retroalimentação não faz sentido para o produtor apenas para o frigorífico. O produtor não garante o preço de venda dos seus bois mas garante a escala de abate do frigorífico. Que com parte da escala garantida pode forçar a baixa do preço balcão, que será utilizado para comprar os demais animais do abate do dia e será usado para fixar o índice CEPEA, que no final irá remunerar o produtor que fechou o contrato atrelado ao CEPEA. Tremendo tiro no pé. O produtor ajuda na queda de preços. Por favor reflitam melhor antes de fecharem contratos nesta modalidade. Eu particularmente sou defensor de venda futura a preço fixo. Quando o preço atende a ambas as partes o contrato é celebrado e sim de conversa. Lógico que na hora do abate alguém vai ganhar e alguém vai perder em relação ao preço do dia. Mas tenho ganho muito mais que perdido.
Excelente texto. Parabéns!
Bom dia, depois do artigo , acende a luz e na negociação que hora foi feita para resguardar
o preço justo , observa-se ainda que seja minima que possue alguém interessado no índice que não condiz com a realidade do mercado físico. A dica de preço DO PREÇO FIXO e variante resguardada do preço futuro e o mesmo reajustado em 50% do que ultrapassasse o PREÇO FIXO HORA PACTUADO e uma proposta justa para ambos lados.
Excelente reflexão proposta pelo Sr. Rogério Goulart.
As colocações feitas a respeito do Índice CEPEA são pertinentes, já que o indicador se tornou base, por justamente estar acompanhando por muitos anos as cotações pecuárias. No entanto, precisamos avançar, como o próprio Sr. Rogério propõe.
Nesse sentido, o nosso Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (LAE/FMVZ/USP) está desenvolvendo ferramenta de cálculo de custo de produção para bovinos de corte em confinamento. Ou seja, uma planilha será disponibilizada aos produtores para calcularem os custos de produção. Ao mesmo que, o projeto referente à dissertação de mestrado, está se elaborando um indicador de custo de produção de bovinos em confinamento para os Estados de São Paulo e Goiás.
Desta forma, além do produtor contar com ferramenta apropriada para calcular os seus custos e tomar decisões, de forma padronizada, poderá tomar por base um indicador de custo, de divulgação periódica — mensal —, por esta renomada instituição de ensino e extensão.
A proposta da planilha de cálculo e do indicador de custos têm sido, dentre outras aplicações, servir de ferramenta para negociações transparentes entre a indústria e o confinador, além de permitir a comparação de custos entre os produtores.
Por fim, esperamos que desta forma, possamos avançar em direção ao modo que os produtores negociam o seu produto final — quilos de carcaça —, mesmo sabendo que o mercado é quem rege os preços.
Atenciosamente,
Gustavo Lineu Sartorello.
muito bom mesmo, gostei demais.
Excelente texto, o que os pecuaristas precisam é estarem atentos mesmo, saírem de sua zona de conforto e começarem a usar ferramentas para melhorias na comercialização de seu gado. A dica de PREÇO FIXO e variante resguardada do preço futuro e o mesmo reajustado em 50% do que ultrapassasse o PREÇO FIXO, foi muito bem colocada, acho que seria o mais justo tbem.
Grande abraço a todos.