Por Louis Pascal de Geer1
Sobre vacas atoladas e a soja pendurada, cana abençoada e a agropecuária ameaçada, o que você quer mais?
Ver uma vaca atolada no brejo da fazenda é uma coisa deprimente porque, apesar de uma força de vontade enorme de sobrevivência, cada movimento faz com que o animal só se afunda mais na lama.
Uma vez descoberta em tempo hábil, a fazenda mobiliza seus recursos e tenta de qualquer maneira salvar a vaca e reforçar os cuidados para evitar que o fato se repita.
O brejo não vai mudar de lugar, mas podemos mudar o pasto do lugar para longe do brejo? Cercar tudo é caro e aí tem que fazer uma análise custo-benefício. Geralmente optamos pela vigilância, principalmente nas épocas mais perigosas, como a forma de administrar este problema.
Também perguntamos porque a vaca está indo para o brejo e muitas vezes conseguimos achar a resposta, pode ser falta de água e/ou comida disponível no pasto, ou um capim mais verde e gostoso a ser consumido.
O que importa são as ações de socorro, análise e prevenção no curto, médio e longo prazo. Não ficamos parados assistindo a tragédia e lamentando os prejuízos e culpando uma convergência fatal de vários fatores negativos no mesmo tempo.
O Ministério da Agricultura pode ter suas grandes limitações em poder influenciar a política do governo tanto na parte econômica como, pelo que parece, também até na parte operacional, mas o que deve ser visível no país inteiro de maneira clara e transparente é a visão dos dirigentes sobre o rumo que a agropecuária e os agronegócios devem tomar e quais as metas a serem atingidas e como fazer isto.
Alguém com uma visão clara e transparente na frente do Ministério, certamente será mais notado, comentado, escutado e até temido pelas forças cortadores de asas e verbas de plantão em Brasília quais parecem ter a missão de deixar a agropecuária boiando, atolando, porém com o cuidado de não deixar ela afogar e morrer, porque um desastre agrícola vai afetar o país inteiro. A agropecuária continua ser a ancora econômica e do Fome Zero.
No primeiro sinal forte de união e protesto dos agricultores com tratores nas estradas, de repente aparece um pacote e o dinheiro que na realidade é mais uma ofensa e afronta para quem leva a agropecuária à sério, porque aí vem a inevitável pergunta “Tem dinheiro? Porque não fez nada antes que a vaca fosse para o brejo?”.
Queremos soluções em vez de alertas, é muito preocupante como grandes organizações tentam jogar as responsabilidades nas costas do poder público com alertas feitas em horário nobre na televisão, porém sem efetivamente propor como sair do pântano.
É uma vergonha que agora vai ter uma Comissão mista que vai ouvir as sugestões das entidades de classe, sindicatos e cooperativas; será até hoje ninguém foi atrás disto e que somente agora as dores e mazelas do setor mobilizarem a bancada ruralista (alguém já ouviu alguma coisa boa desta turma) em Brasília? Somos os incapazes, que precisam de tutela de uma Comissão mista?
Onde estão a CNA, as cooperativas, os sindicatos rurais, as câmaras setoriais, e quais foram às contribuições que elas deram para realmente dar perspectivas para o setor?
Temos muito a aprender com a FIESP que realmente representa e luta pelos interesses das indústrias sob a liderança dinâmica do Paulo Scaff, que hoje é uma referência nacional e atravessa as fronteiras das indústrias contribuindo com o pensamento nacional sobre assuntos críticos para a nação brasileira.
O câmbio
É fácil falar que tem que mudar a taxa de câmbio, mas é muito difícil fazer isto porque no meu ver as possibilidades que o Banco Central Brasileiro tem em fazer uma efetiva intervenção são extremamente limitadas. O poder de fogo cambial está, e vai ficar cada vez mais, lá fora.
Na realidade a combinação de juros altos e exportações recordes só poderão resultar em uma valorização do real e quando o dólar cai lá fora então é mais difícil ainda desvalorizar o real. Sem dúvida a âncora agropecuária está segurando a inflação e baixando o custo de alimentação básica.
A única maneira de desvalorizar o real frente o US$ é de reduzir drasticamente os juros e assim provocar a saída de dinheiro “fácil” e de especulação ficando somente com os investimentos estrangeiros em produção e/ou serviços, que na realidade é o único dinheiro de fora que é hoje interessante para o país.
Os preços
É muito ruim que até hoje o agricultor não sabia que preço ia obter na safra seguinte antes do plantio, às vezes este ano vai ser melhor com os leilões do PROP (Prêmio de Risco de Opção Privada) planejados para serem feitos em julho e agosto, portanto antes do plantio da safra 2006/2007, mas de qualquer maneira isto não se equivalem a clareza e transparência dos preços mínimos garantidas pelo governo sem qualquer risco adicional para o produtor.
Na verdade a agropecuária no mundo inteiro é considerada “de fato” como uma atividade de segurança nacional e recebe ajuda e incentivos de diversas maneiras, e é uma utopia pensar que um dia isto vai acabar.
Sendo assim precisamos aqui ter o mesmo raciocínio dando aos produtores a garantia de preços que cobrem os custos de produção e deixam uma margem de lucro adequada em condições normais e um sistema de seguro agrícola que cubra os prejuízos em anos de anormalidades.
Os custos
Na pecuária, o preço de reposição forma o custo principal e por isto é muitas vezes mais importante que o preço da arroba para abate, tanto é que o setor consegue conviver com as altas e baixas muito melhor do que os agricultores.
Na composição dos custos agrícolas os insumos, maquinaria, fretes são sujeitos as trovoadas do mercado nacional e internacional, como também são majorados caso a receita prevista para os agricultores vá além do que o quase cartel dos insumos agrícolas ache justo, mistura a isto o risco cambial e temos as condições de hoje e nem falamos ainda dos empréstimos de capital e juros os quais devem ser pagos um dia, com ou sem pacote.
Uma simples planilha de custos teria sido o suficiente para convencer o poder econômico sobre os grandes problemas que os agricultores iam enfrentar nesta safra, porém nada visível foi elaborado, divulgado ou discutido. E o assunto não foi além de reclamações sobre a taxa de câmbio.
Os juros
Em geral, os pecuaristas fogem dos financiamentos bancários como o diabo da cruz, muito menos querem ouvir a palavra juros. Pagar juros, então, nem se fala.
Numa economia com a inflação sob controle em níveis baixos, qualquer juro é um adicional quase líquido no custo financeiro. Falar em juros subsidiados em níveis de 8,5% ao ano é uma inverdade e pior, este taxa é simplesmente quase impagável em qualquer atividade. Está na hora de acordar e rever e re-inventar o capitulo dos empréstimos e parar de falar em juros subsidiados.
Para a agropecuária e agroindústria a taxa de juros devia estar em 0% ao ano e para o comércio e indústria em geral não passar de 2% ao ano e olhe lá. Obviamente o dinheiro deve ser usado para os fins para qual foi contratado, e abusos deverão ser severamente punidos.
Os impostos
Através da cobrança de impostos e taxas, o governo tem o queijo e faca na mão para induzir o mercado tomar o caminho desejado e desestimular rumos contrarias ao interesse nacional.
O Brasil é campeão em carga tributária, mas parece ser super-atrasado em utilizar estes instrumentos para implementar políticas contundentes nas áreas de agro-negócios, comércio, indústria e serviços.
A chamada tributação inteligente não existe ou pelo menos quase não é usada como ferramenta política. Imagine você, uma isenção total de impostos sobre matéria prima produzida no campo, um imposto significativo sobre exportação destas matérias primas, e uma tributação nos moldes de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) a partir da industrialização. Certamente muitos problemas no campo seriam amenizados.
As lições
O setor sucro-alcooleiro é hoje um exemplo em como uma atividade agrícola verticalizado e integrado traz grandes benefícios para os elos da cadeia. O planejamento agrícola obedece às necessidades da indústria, o fornecedor recebe pela qualidade da cana e tem um forte e necessário vínculo entre a parte agrícola e industrial, porque ambos descobriram a interdependência; o rendimento industrial depende em grande parte da qualidade da cana fornecida.
Quem arrenda as terras para uma indústria, recebe o dinheiro do arrendamento geralmente em parcelas mensais o que permite uma previsão de fluxo de caixa tanto para a indústria, como para quem arrenda.
É curioso que os pecuaristas de repente abrem mão da prepotência, onipresente quando o assunto é gado (só eu sei fazer o melhor), quando mudam para a cana.
O patamar de tecnologia e gestão sofre um verdadeiro choque elétrico altamente positivo, o que mostra claramente que é sim possível mudar as coisas na fazenda e no campo, é só mudar a atitude.
Esta integração com a indústria também deve ser possível na cadeia de carne bovina, onde o produtor vai produzir de acordo com as necessidades dos frigoríficos e recebe através de classificação de carcaça pela qualidade do gado abatido.
– Sabia que são tiradas amostras do caminhão de cana e a qualidade paga tendo como base a análise destas amostras?
– Sabia que cada caminhão de cana tem um romaneio com o nome da fazenda, setor, talão e variedade, dia, hora e carregador?
– Sabia que tem fiscalização da própria indústria sobre o corte, carregamento, apontamento e transporte da cana?
– Sabia que a indústria fornece um feedback completo sobre dados de produção e qualidade entregue?
Está cada dia mais claro que vamos ter que aderir e fazer o SISBOV funcionar, e as indústrias e certificadores podiam dar muito mais assistência para os fornecedores de gado, como o governo podia fiscalizar muito mais e melhor as indústrias, certificadores e pecuaristas.
A fidelização dos fornecedores/clientes é ainda muito precária porque grandes prejuízos ocorrerem nas várias ocasiões de concordata ou falência das indústrias frigoríficas, mas isto não quer dizer que podemos esquecer a única maneira de juntar as forças e desfrutar as indiscutíveis vantagens que uma ligação mais forte tem como já é provado pelas várias alianças e cooperativas hoje em pleno funcionamento.
As principais razões para os protestos contra a certificação de propriedades e sistemas de produção tem, no meu ver, como raiz o fato que infelizmente ainda uma grande parte da pecuária e frigoríficos operam nas margens fiscais e temem qualquer ação que pode expor isto.
Vale a pena perguntar em que patamar os preços de carne estariam com o país livre de aftosa, em regime de vacinação, e tendo um SISBOV funcionando direito atendendo assim a demanda para uma rastreabilidade de carne feita pelos importadores, principalmente da EU?
Não tenho a resposta, mas o achômetro indica possibilidades de acima de 35% a mais por arroba no mínimo. É importante apurar qual seria o dado real.
O Biodiesel
Estamos na véspera de uma nova revolução verde com o biodiesel entrando no cenário nacional, mas infelizmente os rumos deste projeto são falhos, mas como estamos no início ainda tem tempo e oportunidade de corrigir os erros.
O biodiesel não é só um óleo diesel com aditivos de óleos vegetais ou animais que vai reduzir a importação e a dependência do petróleo, mas a principal característica é que o biodiesel é muito menos poluente de que o diesel convencional, e chegando a B-100 (100% de óleos naturais) não teremos mais uma poluição significativa.
Este é o grande valor agregado para a saúde humana e meio ambiente, com previsíveis reduções enormes em custos de saúde nas grandes centros urbanos, praticamente eliminando os efeitos malignos das tão temidas inversões térmicas.
Eu considero este valor agregado primordial para a saúde pública no Brasil e me arrepio quando ouço falar em exportação do biodiesel já antes de termos o produto.
O governo deve considerar este assunto de segurança nacional e estimular as pesquisas que vão indicar quais são as fontes melhores e mais baratas para a produção deste biodiesel.
O BNDES deverá encomendar um estudo junto a Instituto Agronômico De Campinas (IAC) para estudar uma das fontes mais promissor que é o pinhão manso (Jatropha curcas).
Em curto prazo a soja poderá ser usada para que atingimos B-2 (2% bio-óleo no diesel) rapidamente, mas lembrando que a soja só tem escala, mas somente uma produção prevista de 600 litros/Ha/Ano, comparado com os possíveis 6000-8000 litros ha/ano do pinhão manso.
A verdadeira revolução verde e fixação de homem no campo nas regiões pobres e semi-áridas pode começar com o pinhão manso e outras fontes, menos a hoje tão propagada mamona.
Vamos nos mobilizar e tirar as vacas do brejo e afastar e superar de vez as ameaças que tentam deformar a nossa agropecuária, agronegócio e principalmente a nossa democracia.
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1Louis Pascal de Geer é consultor, trabalhou durante 28 anos para Agropecuária CFM Ltda, se aposentando como vice-presidente da empresa
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Venho parabenizar o autor deste artigo pela exposição que apresentou as armadilhas em que o produtor está sujeito, mesmo antes de efetuar o plantio e enfrentar todos os riscos que se apresentam, juntamente com a manutenção do câmbio baixo, juros oficiais e privados fora da realidade do setor, insumos sem equivalência justa de preço com a produção, novas doenças, obrigando o produtor a desembolsar ou se comprometer em dívidas com a compra de insumos que não estavam previstos no seu orçamento, grandes compradores muitas vezes não repassando parte das margens que seriam do produtor.
Poderíamos enumerar outras dezenas de entraves que o honrado e bravo agricultor brasileiro encara a cada ano. Mesmo com sua competência reconhecida, não vai avançar caso não seja rigorosamente cobrada pelos agricultores e pecuaristas que sejam apresentadas por parte dos órgãos oficiais que regulamentam créditos, seguros, um conjunto de medidas mais claras que venham dar o mínimo de garantia a quem inunda o país e o mundo com comida barata e de boa qualidade, ficando o agricultor apenas a ver navios, literalmente no porto. Quem ganha os créditos são políticos e governos que visam apenas apresentar números e nunca encaram de frente tal situação, com certeza podem estar matando a galinha dos ovos de ouro, porém equivocadamente.
Alvaro Henrique dos Santos – Médico Veterinário e Pequeno agropecuarista por 25 anos em Inaciolândia-GO.