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Subsídios agrícolas – aceitar ou contestar as regras?

O sistema multilateral de comércio levou 50 anos para produzir um conjunto mínimo de regras para a agricultura. Em sete rodadas do GATT, as tarifas industriais despencaram e os subsídios à exportação foram literalmente proibidos. Enquanto isso, a agricultura era tratada como área de “exceção”: os países aplicavam, ao arrepio das regras gerais, tarifas altíssimas, restrições quantitativas, barreiras técnicas e toda sorte de subsídios domésticos e de exportação. A Rodada Uruguai do GATT trouxe o primeiro acordo sobre a agricultura, cujo esboço final foi desenhado a portas fechadas por EUA e União Européia (UE) na famosa reunião de Blair House em 1993.

O acordo produziu regras multilaterais em duas áreas: acesso a mercados e subsídios. Em acesso, a presença de restrições sanitárias incabíveis, as concessões preferenciais para países pequenos e a manutenção das quotas de importação em detrimento de países maiores e mais competitivos “condenam” o Brasil a ter de sentar-se a todas as mesas de negociação, na busca por regras de comércio mais justas.

Se o cenário é difícil em acesso, ele é ainda mais complicado em subsídios domésticos e de exportação. Nessa área, Blair House produziu a repartição dos subsídios em três “caixas”. Os países colocam na chamada “caixa verde” todos os subsídios permitidos, que não distorcem o comércio, como pesquisa, infra-estrutura, reforma agrária, cestas básicas, etc. Na “caixa azul” estão os subsídios que distorcem o comércio, mas que ficaram isentos de disciplinas porque estão atrelados a medidas de controle de oferta. Na “caixa amarela” estão os subsídios que distorcem o comércio, sujeitos a disciplinas e tetos máximos por país. São esses, portanto, os únicos subsídios monitorados, dos quais os países signatários do acordo podem reclamar se os limites forem ultrapassados.

A tabela abaixo mostra a evolução das notificações dos subsídios monitorados da caixa amarela na Organização Mundial do Comércio (OMC). Para fins de comparação, coloquei também a estimativa não-oficial de subsídios agrícolas totais elaborada anualmente pela OCDE, uma organização que reúne os países mais ricos do mundo e desde os anos 1980 calcula as transferências globais de contribuintes e consumidores para produtores agrícolas, usando metodologia consagrada na literatura. A tabela mostra que, enquanto os subsídios à agricultura crescem no mundo real, a ficção montada nas três caixas do acordo agrícola produz a ilusão de que os subsídios danosos estariam em queda acentuada. Apesar de se tratar de metodologias diferentes, o sentido oposto da evolução dos subsídios indica que os países tendem a “escapar” do controle na OMC, jogando subsídios claramente distorsivos para as caixas “isentas”, verde e azul. Para isso basta, por exemplo, o governo mudar pagamento por kg de milho produzido na safra atual para pagamento por hectare de milho plantado na safra passada. O produtor continua recebendo o mesmo cheque polpudo, mas a política passa da caixa amarela (sujeita a limites) para a caixa verde (sem limites ou disciplinas). Foi isso que os EUA fizeram na Lei Agrícola de 1996, já que naquele país não falta gente especializada em identificar esses loopholes.

Em 1998, o governo do Japão deixou de comprar arroz, mas os preços garantidos ao produtor – seis vezes superiores aos do mercado mundial – não caíram, porque o governo manteve as altíssimas proteções de fronteira. No entanto, essa decisão bastou para que o Japão notificasse os seus subsídios de “caixa amarela” em apenas US$ 6 bilhões em 1998, enquanto em 1997 foram US$ 26 bilhões. Com o isso o Japão ganhou uma sobra de US$ 20 bilhões para serem gastos à vontade em novos subsídios predatórios, e o arroz japonês continua hoje tão protegido quanto era antes. Um absurdo! Isso sem contar que os países costumam levar de três a quatro anos para notificar as suas engenhosidades agrícolas na OMC. No momento, só dispomos de notificações até 1999. Ou seja, a manter-se esse ritmo, a nova lei agrícola dos EUA só vai ser notificada em 2005, quando os estragos já estiverem avançados.

É por isso que o Brasil deve lutar pela melhoria das regras do jogo na agricultura, tentando trazer o setor para as mesmas disciplinas que regem outras áreas. Depois de ter feito a lição de casa com o fim dos subsídios e proteções no agronegócio, o País depara-se com a oportunidade única de negociar simultaneamente em várias frentes. O Brasil deve ser hoje o país que mais teria a ganhar, na agricultura, com a eliminação dos subsídios e proteções.

Portanto, é chegada a hora de transformar a tão falada prioridade agrícola nas negociações em ações mais concretas. A reunião do grupo negociador da agricultura na OMC em 23-27 de setembro próximo vai discutir a “metodologia das caixas” para medir subsídios. A grande maioria dos países do mundo está satisfeita com ela. Se nada for proposto em setembro, só restará ao Brasil uma infindável negociação para reduzir a caixa amarela tal como ela é, repleta de escapes. Dizendo com todas as letras: do jeito que o acordo agrícola foi construído, o Brasil corre o risco de passar anos lutando para reduzir os subsídios domésticos (caixa amarela) e de exportação para, ao final, não levar quase nada. Isso por conta de métodos propostos por países pouco interessados em disciplinas, onde as exceções são mais numerosas do que as regras.

É esse precisamente o cenário de fundo que cerca os contenciosos comerciais que o Brasil pretende conduzir nos casos da soja, do açúcar e do algodão. Contenciosos que, no meu entender, teriam grande influência na necessária melhoria das “regras do jogo” da agricultura no longo prazo, mas cujo lançamento vem sendo postergado pelo governo pelas fragilidades da conjuntura econômica e política de curto prazo. Acho que o Brasil deveria ocupar uma posição ativa de líder natural do comércio agrícola. O País viveu 40 anos de economia fechada e dez anos de abertura unilateral. É chegada a hora de buscar a justa “eqüidade” no acesso aos mercados e nas regras de comércio, e os contenciosos agrícolas são parte fundamental do processo.

Organização, um bom goleiro, um ataque eficiente e pouca enrolação no meio do campo foram a receita de sucesso do Felipão. Quem sabe isso não se aplica a outras partidas de que o Brasil está participando.

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