Síntese Agropecuária BM&F – 28/11/02
28 de novembro de 2002
Brasil retoma importação de carne paraguaia
2 de dezembro de 2002

Sugestões para aumentar a rentabilidade da cadeia da carne

Por Miguel da Rocha Cavalcanti1

A cadeia da carne, juntamente com outros segmentos do agronegócio brasileiro, tem sustentado as exportações brasileiras, segurado a inflação e contribuído de maneira significativa para o PIB do país nos últimos anos. No entanto, ainda enfrentamos muitos problemas como fortes barreiras comerciais, falta de diferenciação de produtos e sucessiva diminuição de margens de lucro.

Percebe-se um descontentamento e coloca-se a culpa no governo e em outros elos da cadeia. Produtores reclamam dos frigoríficos, que reclamam do varejo e por aí vai… Uma seqüência de fatores vem achatando o lucro do produtor nos últimos anos, mas não cabe aqui tentar enumerá-los. O objetivo desse comentário é chamar a atenção para um problema (e oportunidade) que a cadeia da carne terá que enfrentar para conseguir ao menos manter sua rentabilidade.

Devemos aumentar o valor percebido pelos consumidores e também aumentar o valor recebido pelos produtores. Apesar de muito discutido, temos conseguido poucos progressos nessa área.

Ainda não existem muitos programas que remuneram melhor o produtor. Os poucos programas existentes ainda abatem um número não significativo de animais. Também não existem marcas fortes de carne ou produtos que tenham como principal ingrediente a carne bovina. Criar um selo ou um logo é relativamente simples, mas fazer com que esse logo signifique, para a dona de casa, que o produto que está dentro daquela embalagem tem qualidade superior, é padronizado, etc, é realmente difícil. Estamos caminhando nesse sentido, mas não temos nenhum exemplo já estabelecido como em outros países, como nos EUA (Certified Angus Beef) e na França (Charal)

A imagem de nossa carne no exterior ainda deixa muito a desejar. Há pouco tempo começamos um trabalho de divulgação, o Brazilian Beef, mas quando oferecemos o mesmo produto e o mesmo preço que os argentinos e uruguaios, a opção tem sido Argentina e Uruguai. Chega-se a pagar de 100 a 500 dólares a mais por tonelada de carne argentina do que pela brasileira (dentro do mesmo padrão de qualidade). Existem inúmeros restaurantes na Europa especializados em carne argentina e uruguaia, que muitas vezes vendem carne brasileira… Infelizmente não conheço nenhum especializado em carne brasileira.

Como fazer para aumentar o valor percebido e recebido pelo nosso produto? Recentemente tive a oportunidade de conhecer um trabalho apresentado na United Nations Conference on Trade and Development sobre estratégias para diversificação e adição de valor para produtos agrícolas exportados por países em desenvolvimento.

O trabalho trata de frutas tropicais in natura, vegetais e frutas processadas e café. Mostra como conseguir aumentar a remuneração de empresas processadoras, com um enfoque em exemplos bem sucedidos do Brasil e outros países da América latina e África, além de forte embasamento teórico.

Podíamos ter um trabalho desse para a carne brasileira… mas, lendo o artigo, percebe-se grandes similaridades entre as necessidades de aperfeiçoamento dessas cadeias com a cadeia da carne bovina brasileira.

Alguns pontos desse trabalho se adaptam muito bem à realidade e a necessidade atual da cadeia da carne no Brasil. Os autores afirmam que para adicionar valor aos produtos agrícolas é preciso ir além de melhorar (ou modernizar) a produção e processamento, mas principalmente produzir de acordo com especificações do mercado consumidor, colocar seu produto nos canais de distribuição corretos, oferecer produtos Premium e desenvolver uma marca de seu produto.

Isso também é verdade na cadeia da carne. Temos hoje plantas frigoríficas comparáveis com as melhores do mundo, temos produtores altamente tecnificados e eficientes, podendo se adequar de maneira muito rápida a qualquer especificação de mercado (como idade, peso, grau de acabamento, raça) a um custo muito competitivo.

Precisamos desenvolver uma maior aproximação com o consumidor final, aqui e no exterior. Essa maior aproximação e compreensão do consumidor final são difíceis e trabalhosas, mas podem garantir uma rentabilidade bem acima da alcançada hoje. Para se ter uma idéia desse potencial, Brasil exporta carne in natura para a Europa com preços em torno de US$ 1.500 dólares por tonelada (é claro que alguns cortes mais nobres alcançam valores bem superiores). O canal de distribuição dessa carne na Europa trabalha com uma expectativa de rentabilidade em torno de US$ 1.000 por tonelada.

O mesmo corte que sai do porto brasileiro por US$1,50/kg chega no consumidor final europeu com um valor acima de US$ 4,50/kg. A pergunta é: será que vale mais a pena criar a vaca e o bezerro, recriar e engordar e receber $ 1,50/kg ou receber dentro de um contêiner refrigerado e providenciar a comercialização e logística tendo um lucro de $ 1,00/kg?

Esse é só um exemplo, mas podemos atacar em muitas outras frentes. Hoje com toda a tecnologia de processamento e conservação de alimentos existente é possível preparar aqui pratos semi-prontos e vender na Europa, como já faz a Sadia em pequena escala. É possível oferecer steaks embalados individualmente para redes de restaurantes, seguindo padrões como peso do bife específico para cada empresa. Aumentaríamos a receita e criariam-se novos empregos.

Para termos nossa carne reconhecida, confiável e bem remunerada é preciso ter, além de tudo, canais de distribuição bem desenvolvidos e eficientes. Porque os carros Audi não são comercializados em revendas da Volkswagen? Porque um produto diferenciado precisa de um canal de distribuição mais especializado.

Se quisermos vender nossa carne como diferenciada e de alta qualidade, provavelmente teremos de desenvolver canais que consigam ligar melhor o cliente final com a produção. Assim será possível adequar de forma mais eficiente nosso tipo de oferta com o que a dona de casa está demandando. A pecuária de corte tem sido especialmente lenta em entender as mudanças do consumidor aqui e no exterior.

A necessidade de melhor posicionamento e maior fortalecimento da carne brasileira é evidente. A propaganda, que é sempre lembrada e muitas vezes vista como única ferramenta de marketing (o que não é verdade), deve ser trabalhada de forma inteligente, pois os recursos tem sido escassos, para melhorar a percepção de nossa carne por restaurantes, supermercados e consumidores finais.

A busca por tornar a carne um produto menos comoditizado e com uma maior valorização é uma das saídas para proporcionar uma maior renda ao setor. Mas para isso devemos parar de pensar apenas como criadores de gado e mais como artesãos de um produto nobre e especial – a carne bovina brasileira.

_______________________________
1Miguel da Rocha Cavalcanti é Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP, pecuarista e coordenador do BeefPoint.

Os comentários estão encerrados.