A técnica de superovulação é um dos passos fundamentais no programa de transferência de embriões em bovinos. Tem como objetivo estimular, através de administração de hormônios, o desenvolvimento de um grande número de folículos até o estágio no qual possam ovular. Estes folículos a mais que se tornam “ovulatórios”, pertencem a uma onda de desenvolvimento, e normalmente sofreriam atresia. Com a indução hormonal, fornecemos a estes folículos também a condição de ovular. Desta forma, a afirmação que ocorre um desgaste reprodutivo da doadora, não é verdade. Geralmente não se utiliza hormônio visando a ovulação direta dos folículos. A onda pré-ovulatória de LH, que provocaria a ovulação de um folículo único no caso de um ciclo normal, geralmente é suficiente para induzir a ovulação de todos que possuam condições para tal, após um processo de indução hormonal. A utilização de análogos do GnRH para melhorar a taxa de ovulação apresenta resultados discordantes na literatura, porém pode ser alternativa para melhorar os resultados de determinados animais.
É a etapa menos previsível dentro da técnica de TE. São vários os fatores que influenciam os resultados, como será discutido posteriormente, e mesmo quando praticamente não ocorreu nenhuma alteração de uma superovulação para outra, em um mesmo animal, os resultados podem ser diferentes (figura 1).
Figura 1: Resposta ovariana e produção de embriões de vacas submetidas aos processos de superovulação e coleta de embriões (Donaldson, 1984).
A variação dos resultados da superovulação é o principal fator limitante à grande contribuição que a técnica de transferência de embriões (TE) pode fornecer ao melhoramento genético. Trata-se de um elemento chave que, passados mais de 40 anos do nascimento do primeiro bovino oriundo da técnica de TE, poucas mudanças significativas ocorreram nos protocolos de superovulação. A grande variação na resposta aos tratamentos hoje praticados causa sérios transtornos, ao técnico e ao proprietário, devido à impossibilidade de se prever seguramente os resultados. É necessário um controle rígido das variáveis possíveis, para que o processo de superovulação possa ser uma etapa mais previsível dentro do contexto da TE.
O objetivo principal da superovulação é produzir um grande número de ovulações e obter um número correspondente de embriões viáveis, que resultem em uma elevada taxa de gestação nas receptoras. As alterações hormonais que podem ser provocadas pelo processo de superovulação são citadas como potencialmente responsáveis pela redução na qualidade dos embriões que, às vezes, são recuperados no dia da colheita. O que se pretende com o processo é induzir o maior número possível de ovulações e de embriões viáveis (figura 2)
Três mecanismos de ação são sugeridos para o processo de superovulação por aplicação de gonadotrofinas exógenas: (1) Alguns folículos que estão em estágio inicial de atresia poderiam ser “resgatados”, presumidamente pela estimulação hormonal que induziria uma reativação dos mecanismos normais, resultando na esteroidogênese normal e também num maior índice de mitose. (2) Grupos de pequenos folículos, às vezes de diferentes classificações morfológicas e funcionais, seriam estimulados em conjunto, num ritmo de desenvolvimento superior ao normal, atingindo simultaneamente um mesmo estágio de desenvolvimento num curto período. (3) O processo de atresia folicular poderia ser reduzido, ou seja, um número menor de folículos destinar-se-ia a este processo.
Figura 2: Resultado final de um bom programa de superovulação. Embriões em quantidade e com qualidade.
O número de folículos presentes nos ovários e o estágio da onda de crescimento folicular no momento em que se inicia o tratamento superovulatório, pode afetar a resposta a esta estimulação. Além disto nem sempre é descrita uma correlação entre o número de folículos, presentes nos ovários no dia do início da superovulação, que potencialmente tem condições de desenvolver-se, e o número que chega a ovular. Vários trabalhos relatam uma correlação positiva entre a população folicular presente no dia do início da estimulação com FSH e o número de corpos lúteos no dia da colheita, indicando que o número de folículos presentes ao início da superovulação pode ser usado para estimar os resultados do processo.
A população folicular, tanto no início como durante a superovulação, parece ser um fator de grande importância na variação da resposta individual ao tratamento superovulatório. Sua utilização como parâmetro de avaliação, somente tornou-se possível com o desenvolvimento e utilização da técnica de ultra-sonografia na abordagem semiológica do sistema genital de bovinos.
Esquemas de tratamento utilizados para superovulação
Independente do tipo de hormônio a ser utilizado, quando se visa a estimulação de um grande número de folículos, deve-se ter em mente quando iniciar o tratamento, pois aqueles folículos que já entraram em atresia não podem ser mais estimulados a desenvolverem. Assim, os protocolos de superovulação devem iniciar numa fase da onda de desenvolvimento folicular onde o folículo dominante ainda não tenha provocado o início da atresia dos subordinados. As principais bases utilizadas são as seguintes:
1) ECG (ou PMSG):
Trata-se de um hormônio denominado Gonadotrofina Coriônica Eqüina. É obtido do soro de éguas entre o 40o e 100o dia de gestação. Possui ação semelhante ao FSH e LH na mesma molécula. Atualmente não é muito utilizado devido aos problemas de hiperestimulação (age por muito tempo devido a meia vida muito longa), e os efeitos indesejáveis do LH. Estes efeitos se traduzem por uma ação prematura de LH provocando luteinização dos folículos antes da ovulação, ou mesmo alteração na maturação do ovócito no interior do folículo.
A dose usual recomendada é de uma única aplicação, no 9o a 11o dia do ciclo e aplicação de prostaglandina (PGF) dois dias mais tarde.
Existe um protocolo de superovulação com ECG, onde se conseguiu minimizar os efeitos deletérios da hiperestimulação através da aplicação de anticorpos monoclonais contra o mesmo, dois dias após sua administração. Com isto melhoraram significativamente os resultados, porém o processo teve um custo adicional grande, devido à necessidade da aplicação do anticorpo. Hoje no mercado os produtos comerciais com esta base, podem ser encontrados com os nomes de Maturon , Novormon e Foligon (marcas registradas).
Trabalhos recentes mostram que a associação de pequenas doses de PMSG ao FSH para superovulação pode ser interessante para alguns animais que não respondem bem, aos protocolos convencionais.
2. FSH
É a preparação hormonal mais utilizada para a superovulação de bovinos. Em sua maioria, os produtos hoje disponíveis no mercado, tem origem suína ou ovina, sendo extraído da hipófise destas espécies, obtidas em matadouros. Algumas experiências têm sido feitas com hormônios sintetizados em laboratório por engenharia genética, porém nenhum produto comercial possui este tipo de preparação. Um dos maiores problemas enfrentados por quem trabalha a campo com produtos a base de FSH, é a variação existente entre as partidas do produto. Como se trata de um produto de extração, parece que os fabricantes ainda não conseguiram uma forma realmente eficiente de padronização da potência biológica dos mesmos. Felizmente este fator deverá ser solucionado quando a droga for produzida em laboratório.
Outro problema neste tipo de preparação comercial é que sempre junto com o FSH, existe uma “contaminação” do produto com LH, já que este é produzido também pela hipófise do suíno ou ovino, de onde é extraído, e possui uma semelhança estrutural com o FSH, o que dificulta a separação de ambos. Um excesso de LH é considerado prejudicial, pois pode provocar a luteinização dos folículos antes da ovulação, prejudicando a maturação e/ou não ocorrendo a liberação do ovócito, transformando o folículo em um corpo lúteo ou mesmo num cisto. A literatura considera que a relação máxima permitida entre FSH e LH seja de 5:1.
A dose utilizada varia de acordo com o produto comercial. Cabe ao técnico adequar a dose e o produto a cada animal em questão, infelizmente, de forma totalmente empírica. Não existem hoje, padrões de qual seja o produto e a dose ideal para ser utilizada nesta ou naquela raça.
Existem vários protocolos de superovulação propostos para produtos a base de FSH. Porém todos devem levar em consideração o estágio no qual se encontra a onda de crescimento folicular no início do tratamento. Melhores resultados ocorrem quando se começa a superovulação no início da onda de crescimento. Traduzindo isto para os dias do ciclo, em animais com duas ondas por ciclo, o tratamento deveria começar por volta do dia 2 (primeira onda), ou por volta do dia 10 (segunda onda). O problema de se utilizar a primeira onda, é a dificuldade de induzir a luteólise antes do sexto dia pós-ovulação.
Utilizam-se geralmente 8 aplicações, intervaladas de 12 horas. Alguns autores utilizam doses iguais, porém a maioria prefere doses decrescentes, como descrito na TABELA 1. Considera-se uma dose total (100%) e divide-se a mesma em oito doses menores, em regime decrescente. Este esquema pode ser usado para qualquer produto a base de FSH.
A prostaglandina é aplicada simultaneamente a 7a e/ou 8a dose de FSH, e visa a regressão do corpo lúteo formado no dia 0 (cio base), levando a redução na taxa de progesterona, removendo o bloqueio na secreção de GnRH, dando início a um novo ciclo. Quando ocorrer a onda de LH, esta teoricamente encontrará uma série de folículos em condições de ovular, devido à indução hormonal.
A aplicação de prostaglandina no terceiro dia de superovulação, como executada por alguns profissionais, às vezes faz com que o animal manifeste cio antes de receber a última dose de FSH, que neste caso, não teria mais efeito.
Tabela 1: Exemplo de Esquema de Tratamento Superovulatório com Produtos a Base de FSH, em Doses Decrescentes, de Acordo com o Dia do Ciclo Estral.
Bibliografia consultada
ADAMS, G.P. Control of ovarian follicular wave dynamics in cattle: implications for synchronization and superstimulation Theriogenology. v.41, p.19-24, 1994.
ARMSTRONG, D.T. Recent advances in superovulation of cattle. Theriogenology. Woburn, MA, v.39, p.7-24, 1993.
BÓ, G.A. Dinâmica folicular ovárica em el bovino. São Paulo – SP, 2000 In: Simpósio de Controle Farmacológico do Ciclo Estral em Ruminantes. Anais… Departamento de Reprodução Animal FMVZ-USP, p.11-34, 2000.
BOLAND, M.P. & ROCHE, J.F. A study of factors affecting the response to superovulation in cattle. VII Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Transferência de Embriões – SBTE. Anais…, Jaboticabal, SP, p.5-22, 1995
DONALDSON, L.E. Superovulation on trial. Ausa International Inc. Tyler, Texas, 1992.
D’OCCHIO, M.J.; G., JILLELLA, D.; LINDSEY, B.R. Factors that influence follicle recruitment, growth and ovulation during ovarian superstimulation in heifers: opportunities to increase ovulation rate and embryo recovery by delaying the exposure of follicles to LH. Theriogenology. v.51, p.9-35, 1999.
DRIANCOURT, M.A. Dynamics fo ovarian follicular development in cattle during the estrous cycle, early pregnancy and in response to PMSG. Domestic Animal Endocrinology, v.8, p.209-21, 1991.
FERNANDES, C.A.C. Efeito do tratamento com hormônio folículo estimulante (FSH) sobre a taxa de gestação de novilhas mestiças usadas como receptoras de embrião. Viçosa – MG UFV 1994. 63p,(tese M.S.).
FINDLAY, J.K. Peripheral and local regulators of folliculogenesis. Reproduction Fertility Dev., v.6, p.127-139, 1994.
GINTHER,O.J.: KOT, K; KULIC L.J.; WILTBANK MC. Emergence and deviation of follicles during the development of follicular waves in cattle. Theriogenology. v.48, n.75-87, 1997.
GONZALEZ, A.; LUSSIER, J.G. et al. Superovulation of beef heifers with Folltropin: A new FSH preparation contaning reduced LH activity. Theriogenology. Woburn, MA, v.33, n.2, p.519-529.
GOUDING, D.; WILLIANS, D.H. et al. Superoluvation in heifers given FSH initiated either at Day 2 or Day 10 of the estrous cycle. . Theriogenology. Woburn, MA, v.34, p.767-78, 1990)
HAFEZ, E. S. E Reproduction in Farm Animas. 5ª edition, Lea & Febiger, Philadelphia, 1987, 720p.
HASLER, J.F. Current status and potential of embryo transfer and reproductive technology in dairy cattle. Journal of Dairy Science, Champaign. v.75, 2857-79, 1992.
SIEDEL Jr, G.E. Superovulation and embryo transfer in cattle. Science, v.211, n.23, p.351-58, 1981.
TAKAHASHI, Y. Transcervical bovine embryo transfer with Japanese metal AI instrument. Theriogenology., v.16, n.6, p.631-39, 1981.
VIANA, J.H.M. Avaliação ultra-sonográfica de estruturas ovarianas em doadoras e receptoras de embrião. Viçosa – MG. Departamento de Zootecnia – UFV, 1996. 120p. Dissertação (Mestrado em Zootecnia).
VIANA, J.H.M; FERREIRA, A.M.;FERNANDES, C.A.C. Dinâmica folicular no período pré-ovulatório, estro e momento de ovulação em vacas Gir. Revista Brasileira de Reprodução Animal, v.23, 159-160, 1999.
ZELEZNIK, A.J. ; KUBIC, C.J. Ovarian responses to pulsatile sensitivity of the maturing follicle to FSH. Endocrinology, Sprinsfield, v.119, p.2025-32, 1986.