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Sustentabilidade da bovinocultura de corte

Por Alexandre Carvalho1

Primeiramente é preciso entender a definição de: “sustentável” para que se possa desenvolver um raciocínio a respeito do assunto. Pesquisando-se em diversos dicionários, pôde-se verificar que sustentável significa: Que se pode sustentar; Impedir que caia; Alimentar; Defender com argumentos; Resistir ao inimigo; Contornar as dificuldades; Sobreviver; Animar; Impedir a ruína, Conservar; Capaz de se manter estável por longo período; Pelejar.

É muito fácil inserir no discurso a palavra sustentável, porém, na prática, desenvolver uma atividade realmente sustentável, com crescimento econômico satisfatório e mínimo impacto ambiental e social, torna-se extremamente complexo.

Não adianta propor tecnologias “ditas sustentáveis” mas que, na verdade, dependem de recursos não renováveis. Nesse contexto, vale a pena ressaltar a insustentabilidade do uso intensivo das pastagens que dependem de fertilizantes nitrogenados, derivados do petróleo.

A verdadeira sustentabilidade deve estar apoiada em 4 aspectos. A omissão de um desses quatro, colocará em total risco, qualquer proposta sugerida. São eles:

Econômico; Social; Ambiental e Tecnológico.

Econômico

Não adianta ficar “sonhando” com preços da arroba (em dólar) atingindo valores em torno de US$ 25,00. É preciso encarar a realidade e focar a redução dos custos de produção. Ao invés de adotar uma tecnologia de produtos, é fundamental focar na tecnologia de processos (procedimentos que irão reduzir a utilização de insumos e aumentar a lucratividade).

Para não mascarar os resultados econômicos, é preciso definitivamente, adotar uma metodologia específica de avaliação econômico – financeira. No momento de se efetuar essa análise do Agronegócio não se deve misturar os dois negócios completamente distintos: negócio imobiliário e negócios produtivos (agricultura, bovinocultura de corte, bovinocultura de leite, máquinas & implementos, etc.).

Ao se fazer essa separação, é possível verificar o desempenho do empresário rural como investidor e como produtor. Mediante essa separação, ficam evidenciadas várias dúvidas, como por exemplo:

– as vantagens ou desvantagens da terceirização de máquinas e implementos;
– se é melhor alugar os pastos para terceiros ou para o rebanho próprio;
– se é melhor intensificar ou agregar valor ao rebanho e a ambiência das pastagens;
– etc.

A primeira consideração a se fazer é que, realmente, adotar um sistema pecuário extensivo (máximo 1 UA/ha), principalmente em terras caras e nobres, gerarão uma menor lucratividade para o negócio produtivo pois, o aluguel de pasto nessas regiões, tem preços elevados.

Por outro lado, adotar um sistema intensivo com suportes mais elevados (acima de 2 UA/ha) implica em aumentar a produtividade, o que não quer dizer que a lucratividade será aumentada na mesma proporção pois, certamente, os custos totais irão aumentar expressivamente com as adubações pesadas e com mais animais pagando um aluguel de pasto caro. Isso é bom para o negócio imobiliário que irá aumentar a sua receita mensal.

Fazendo-se a análise do negócio produtivo separado do imobiliário, o pecuarista verá que sistemas intermediários (1,4 a 2 UA/ha) são mais rentáveis do que sistemas extensivos (extrativista) e mais do que o intensivo (tecnologia de produtos). É importante deixar claro que nesses sistemas intermediários, a critério do técnico, poderão ser utilizados o calcário e fontes de fósforo parcialmente solúveis, em momentos oportunos. Mas sempre lembrando que, a prioridade é fechar os espaços vazios entre as touceiras de capim e aprofundar as raízes das forrageiras, aproveitando-se melhor o perfil do solo e nutrientes já existentes na propriedade, porém sub-utilizados.

Outro ponto importante é que nesse sistema intermediário (caminho entre o convencional e o orgânico), no momento oportuno, a propriedade poderá ser convertida por uma certificadora como “sistema orgânico”. Esse mercado de orgânicos ainda é insipiente, porém é crescente, principalmente na Europa. Os preços da arroba de animais orgânicos são mais atrativos.

Já no sistema intensivo das pastagens, esse mercado orgânico (tendência inevitável do mercado no futuro) jamais poderá ser explorado, já que em sistemas orgânicos, não se admite suporte acima de 2 UA/ha, adubos nitrogenados, herbicidas, hormônios, vermífugos injetáveis e outros insumos agressivos ao meio ambiente a ao consumidor da carne bovina.

Toda que vez que se intensifica um sistema com argumento de que haverá aumento da receita mensal para o produtor, é um equívoco, pois esse acréscimo é às custas de menores rentabilidades e lucratividades, devido os maiores custos de produção.

Social

Qualquer atividade que não tenha uma preocupação com os aspectos sociais está fadada ao fracasso. No caso específico da bovinocultura de corte, apesar da mão-de-obra estar entre os 3 maiores custos de produção, disputando com aluguel de pasto e suplementação mineral, ela não pode ser encarada como o vilão dessa história. Os salários devem ser dignos e a equipe de campo precisa participar da lucratividade da empresa rural.

Aliás, os pecuaristas deveriam apoiar e pressionar o aumento do salário mínimo, pois o preço da arroba do boi gordo está diretamente relacionado ao valor do salário mínimo já que, cerca de 88% de nossa produção é destinada ao mercado interno. Portanto, essa atitude por parte dos pecuaristas resultará em impactos positivos na lucratividade e rentabilidade da pecuária, mesmo que isso possa aumentar os custos totais da arroba. A pecuária é uma atividade cujo aumento no custo da mão-de-obra é altamente recompensado pelo benefício do aumento da receita, provocada pelo aumento no consumo de carne.

É preciso melhorar a qualidade de vida no campo, investir na educação ambiental e formação das crianças no meio rural. Capacitar a mão-de-obra, reduzir a rotatividade de vaqueiros na propriedade e conter o fluxo migratório para as cidades.

Apesar da bovinocultura de corte não empregar tanta mão de obra, a quantidade de propriedades, reunidas no Brasil que adotam essa modalidade do agronegócio, geram tanto emprego quanto as atividades industriais nos centros urbanos.

Nesse contexto, é preciso adotar técnicas que necessitem de trabalhos braçais e que irão gerar empregos no campo como as roçadas de pasto. A questão é que essas roçadas devem ser realizadas no início da seca para garantir a brotação tenra e induzir o ramoneio do rebanho durante o período de escassez de forragem, minimizando a utilização de sais proteinados, reduzindo custo de produção da arroba. A utilização abusiva de herbicidas ou arranquio com o enxadão da vegetação reincidente, com o tempo, irá alijar essa importante mão de obra no campo. É preciso aumentar a mão-de-obra no campo adotando-se as podas laterais (foice na vertical) da vegetação espontânea com porte arbóreo e o raleamento (foice na horizontal) da vegetação de porte arbustivo. Esse aumento da mão-de-obra é compensado pelo resgate da ambiência (arborização) e pela disponibilidade de alimento alternativo (folhas de arbustos recém-rebrotados) para a estiagem. Os lucros compensarão essa maior mão-de-obra.

Ambiental

Não adianta pensar no social se o ambiental não estiver bem incorporado no conceito teórico e principalmente, na prática.

Quando se fala em ecologia, muitos técnicos e pecuaristas pensam que isso é coisa de poeta ou de “ecochatos”. Na verdade, ecologia tem tudo a ver com economia. São intrínsecos.

Segundo o Economista PhD Charles Mueller, da Escola Neoclássica (economia da sobrevivência), tudo que é ecológico, também é econômico. E tudo que é econômico, é ecológico. São intrínsecos.

Portanto, quando o pecuarista adota um procedimento que tem âmbito ecológico, pode estar certo de que ele está no caminho lucrativo e sustentável. É por isso que as tecnologias de processos são tão respeitadas, pois além de minimizar a entrada de insumos na atividade (redução de custos), também existe uma preocupação ecológica e social.

Alguns técnicos afirmam que o uso intensivo das pastagens é ecológico, pois impedem o desmatamento das florestas, já que ocorrerá maior exploração das pastagens em regiões nobres. Essa afirmação é totalmente equivocada, pois o desmatamento da amazônia e do cerrado, infelizmente, irão continuar de uma forma desordenada, seja nas centenas de assentamentos já realizados e naqueles em andamento, seja pelos pecuaristas que já pagaram pela terra e vão querer explorá-la ao máximo permitido pela lei. Esse desmatamento desenfreado nas terras distantes e “baratas” irá ocorrer independentemente do pacote tecnológico adotado nas regiões de terras mais nobres e “caras”.

Na verdade, é preciso conscientizar os pecuaristas de que é mais econômico produzir em harmonia com o meio ambiente e que é possível formar o cerrado (num prazo de 90 dias) sem desmatá-lo. Já no cerradão é econômico e ecológico, formá-lo apenas raleando algumas árvores com o trator de esteira, gradeando no máximo a 10 cm de profundidade para não diluir a fertilidade no local. A brotação que irá aparecer após o desmatamento será importantíssima para garantir o ramoneio (hábito de pastar ramos) do rebanho durante o período de estiagem.

No caso da mata, é possível formá-la deixando-se faixas Norte -Sul que irão quebrar os ventos predominantes do leste. Além do mais, essas faixas irão sombrear parcialmente as pastagens, já que o sentido do caminhamento do sol é Leste-Oeste. Essas faixas arbóreas nas regiões de mata garantirão pastagens mais verdes e nutritivas durante o período de estiagem.

Nessa técnica, dispensa-se o enleiramento e a gradagem, os quais geram um grande impacto ambiental que é a diluição da fertilidade nos primeiros 10 cm superficiais, onde se encontram-se mais de 80% das raízes das forrageiras.

Caso contrário, com a eliminação da vegetação espontânea (plantas nativas remanescentes e reincidentes), a reposição de nutrientes exportados, via venda de animais, terá que ser imediata e mais intensa pois, não contará com a presença das árvores nativas, as quais têm facilidade de extrair nutrientes contidos na terra. Nutrientes estes que não aparecem disponíveis na análise laboratorial de solo. Essas árvores, mediante a reciclagem de nutrientes (folhas mortas caídas no chão), além de adiarem a utilização de insumos (fertilizantes), também poderão promover conforto térmico para os animais, controle de cigarrinhas, contenção dos ventos e garantir a qualidade da forragem para o período mais crítico do ano, já que, segundo Gardner A. L., 1986, o processo de lignificação (endurecimento) dos capins diminui com a menor insolação e a menor temperatura ambiente nos locais parcialmente sombreados.

A temperatura é fator limitante, mais do que a idade fisiológica da planta. Em resumo: um pasto arborizado que foi vedado por 120 dias, ficará mais tenro do que um pasto sem árvores vedado por apenas 60 dias. Temos fotos e depoimentos de pecuaristas que confirmam essa afirmação.

Já o sistema intensivo (adubações pesadas) é insustentável, pois sugere que todas as árvores sejam retiradas das pastagens e utilizam áreas de lazer, concentrando os dejetos bovinos ao redor dos saleiros fixos. É por essas propostas irresponsáveis que as bacias que captam as águas das chuvas estão totalmente desprovidas de árvores e é por isso que o ciclo da água não está se completando e todos nós estamos penalizados economicamente pela falta de chuvas.

Nesse contexto, é importante frisar que o sistema intensivo das pastagens é completamente anti-ecológico, não por contaminar o lençol freático com as pesadas adubações nitrogenadas. Realmente, os solos profundos presentes no Brasil central (pastagens tropicais) não têm problemas com contaminação dos lençóis com nitrato, porém, por volta de 80% do nitrogênio amoniacal aplicado nas adubações pesadas, volatiliza e aumenta o rombo na camada de ozônio, sem falar que esse insumo representa por volta de 70% do custo total da adubação e está, a cada dia, mais caro. Esses adubos nitrogenados comumente utilizados são provenientes do petróleo, que é uma fonte não renovável, tornando portanto, insustentável qualquer proposta que dependa desse insumo (tecnologia de produtos).

Tecnológico

Quando se fala em aspecto tecnológico, a primeira conclusão óbvia é que deve-se adotar técnicas sofisticadas. Esse é o primeiro equívoco, pois como já dizia o Joelmir Beting:

“Modernizar não é sofisticar. Modernizar é simplificar”

Diante dessa constatação lógica e racional, torna-se imperativo adotar tecnologias simplificadas que visem lucratividade em detrimento da produtividade. A bovinocultura nacional, para que ela se possa sustentar no tempo e no espaço, não precisa de protecionismos e nem de tecnologias sofisticadas. Precisa sim, de uma tecnologia que seja realmente sustentável e que não seja refém de insumos derivados de petróleo, como os adubos nitrogenados. Isso com certeza seria insustentável. É preciso uma tecnologia que harmonize: solo, planta e animal.

Dentro desse contexto, o sistema intermediário (tecnologia de processos) é uma versão mais racional pois é o caminho do meio: nem intensivo (acima de 2 UA/ha) e nem extensivo (até 1 UA/ha) . As propostas intermediárias (1,4 a 2 UA/ha) tem uma grande diferença: lotação equilibrada dinâmicamente ao longo do ano. Note-se que o foco da tecnologia de processos não é produtividade (altas lotações), mas sim lucratividade (baixos custos).

A tecnologia de processos gera saldo energético positivo no sistema.

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1Alexandre Carvalho é Engenheiro Agrônomo e diretor da VISÃO consultoria.

Para saber mais sobre o sistema Manejão, desenvolvido pela Visão Consultoria acesse www.manejao.com.br

0 Comments

  1. Tiago de Miguel Felipini disse:

    Muito bem descrito as intensões do Autor, no entanto não consegui localizar nenhum artigo ou trabalho científico que comprovasse essa teoria, MANEJÃO.

    Bom isso é uma pena, pois eu mesmo só trabalho com teorias comprovadas pela pesquisa.

    Obrigado