Síntese Agropecuária BM&F – 19/12/02
19 de dezembro de 2002
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23 de dezembro de 2002

Taxa de deposição de gordura e fatores que afetam o marmoreio

Em radar anterior foi discutida a importância da gordura na carcaça, principalmente com relação às características organolépticas da carne, e consequentemente sua aceitabilidade pelo consumidor (Importância da gordura na carcaça e na palatabilidade da carne). Neste radar será feita uma breve abordagem sobre a taxa e pontos de deposição de gordura na carcaça, bem como os fatores relacionados, sendo que será dado maior enfoque para a gordura intramuscular, ou de marmoreio, já que em outros radares foram discutidos alguns aspectos relativos à terminação relacionada à gordura de cobertura. (Ver: Crescimento e terminação de bovinos de Corte. 3. Efeitos da Nutrição na fase de terminação e eficiência alimentar).

A gordura de marmoreio na carcaça é de extrema importância para indústria da carne dos EUA, Austrália, Canadá e Japão. Nestes países, a gordura intramuscular é um dos principais componentes dos sistemas de classificação e posterior remuneração da carcaça. Desta maneira, o conhecimento da fisiologia da deposição e o manejo dos animais para estabelecer a gordura intramuscular adequada, têm sido foco de vários estudos. A perspectiva da exportação da carne brasileira para novos países, visando atender nichos de mercado, provavelmente necessitará de carcaças com características específicas quanto ao grau de marmorização. Na foto abaixo são mostrados cortes de carne de um estabelecimento no Japão, onde é possível notar a elevada quantidade de gordura de marmoreio.

Foto 1: Cortes de carne em Casa de carne no Japão

A taxa de desenvolvimento do tecido adiposo aumenta, e o do tecido muscular diminui, à mediada que o bovino vai se aproximando do peso adulto. Ao atingir a maturidade, o crescimento/desenvolvimento muscular é muito pequeno, chegando ao ponto onde o ganho de peso é composto basicamente por gordura (Owens et al. 1995). Em outros radares foram abordados alguns aspectos do desenvolvimento dos tecidos em bovinos (Ver Crescimento e terminação de bovinos de corte. 1. Aspectos gerais do crescimento e desenvolvimento e Crescimento e terminação de bovinos de Corte 4 – Qual peso ideal de abate?).

A gordura apresenta 4 localizações distintas de deposição: gordura interna (abdominal, renal-iguinal e pélvica); intermuscular (entre os músculos); subcutânea (ou de cobertura); e a intramuscular (marmoreio). Tem-se afirmado que a deposição segue a mesma seqüência citada acima, isto é, 1a gord. interna, 2a intermuscular, 3a subcutânea e 4a intramuscular. Entretanto, essa afirmação parece não ser totalmente correta. Johnson et al, (1972) citado por Pethick, et al. (2002), mostraram que a proporção da distribuição da gordura nos diferentes locais de deposição é relativamente constante, independente da quantidade de gordura na carcaça (fig. 1). Segundo Cianzio et al. (1982), a deposição de gordura intramuscular não é tardia, mas sim a sua “expressão”.

Fig 1: Contribuição dos pontos de deposição de gordura com a gordura total da carcaça.

Em outras palavras, parece não haver grandes alterações nas taxas de deposição de gordura nos diferentes pontos. Esse fato pode também ser verificado no trabalho de Pethick, et al. (2002), que comparou algumas características de carcaça de bovinos Angus no início e ao final do período de confinamento (tabela 1). Os autores verificaram que a relação entre gordura intramuscular no longissimus e a gordura total manteve-se constante entre os animais abatidos antes e depois do confinamento, apesar do aumento significativo da gordura total. Os dados da tabela 1 indicam também grande aumento do tecido gorduroso em comparação com o tecido muscular.

Tabela 1: Composição de carcaça de novilhos Angus abatidos no ínicio e após 150 dias de confinamento

Animais com ingestão de dietas com alta densidade energética, que permitam maiores ganhos, vão atingir a composição corporal adequada mais rapidamente, desde que o animal tenha capacidade de transformar a energia alimentar em depósitos de gordura. Já animais com ingestão energética moderada, com ganhos m1enores, por sua vez, apresentam carcaças fisiologicamente mais jovens, ou seja, mais magras, o que levaria maior tempo para terminação que seus contemporâneos em dietas de alta densidade (Owens, et al. 1995). Não devemos esquecer que animais de maior tamanho corporal apresentam carcaças mais magras a um mesmo peso que animais de menor tamanho sob uma mesma condição alimentar.

Outro ponto que influencia a taxa de deposição de gordura é o “histórico nutricional” do animal. Animais que apresentaram crescimento normal na fase pré-terminação, apresentaram a composição desejável de gordura na carcaça precocemente. Por outro lado, animais que tiveram seu crescimento normal afetado na fase pré-terminação, tendem a apresentar maiores taxas de deposição de gordura durante a fase final de terminação (Ver: Crescimento e terminação de bovinos de Corte – 2. Crescimento compensatório), ou um grau de marmoreio desejado.

Segundo George (2002), a alimentação de bezerros em “creep feeding” é capaz de aumentar o grau de marmorização. Animais alimentados para apresentar maiores taxas de crescimento/desenvolvimento, mais rápido vão atingir o máximo crescimento muscular, consequentemente mais cedo a deposição de gordura, e mais precoce será a “expressão” da gordura de marmoreio.

Segundo Pethick, et al. (2002) informações sobre alterações nas relações dos diferentes pontos de deposição de gordura (intramuscular, intermuscular, subcutânea e visceral) ainda são limitadas. Porém, sabe-se que as maiores alterações na % de gordura intramuscular ocorrem devido ao tipo de terminação adotado, sendo que animais terminados em dietas ricas em grãos apresentam maior % de gordura de marmoreio que animais terminados com dietas a base de forragens (George, 2002). Na figura 2 é possível observar que, para um mesmo peso de carcaça, a gordura intramuscular pode ser 40% superior para animais confinados em dietas com alta energia em relação aos animais terminados a pasto.

Figura 2: Relação do peso de carcaça e gordura intramuscular de bovinos terminados a pasto ou em confinamento.

As diferenças observadas acima podem ser explicadas pela diferença na energia líquida disponível para o animal, sendo maior para animais em confinamento devido principalmente à maior densidade energética da dieta.

O sexo, idade à castração e manejo com implantes podem afetar o grau de marmorização das carcaças. Novilhas tendem a apresentar maior % de gordura intramuscular que machos castrados, quando abatidas a um mesmo peso de carcaça. Animais castrados mais precocemente, antes da puberdade, apresentam maior grau de marmorização que os animais castrados tardiamente. O que indica que os hormônios sexuais influenciam no desenvolvimento do adipócito intramuscular (Harper & Pethick, 2001). O uso de implantes hormonais, de modo geral, também afeta de maneira negativa o grau de marmoreio da carcaça, sendo que animais implantados necessitam de mais peso para atingir a mesma % de gordura intramuscular que animais não implantados (DUCKETT E OWENS, 1997). Segundo Hunter et al (2001), apenas animais manejados sob uma estratégia agressiva e continua de uso de implantes, por tempo prolongado, diminuiriam de modo significativo a gordura intramuscular. O uso de estrógenos fracos tende a ter menor impacto no marmoreio que estrógenos fortes, andrógenos ou associações de estrógenos e andrógenos.

A deposição de gordura de marmoreio (%) apresenta diferenças entre as raças, bem como dentro de raças. Raças de origem britânica apresentam reconhecidamente alta capacidade de deposição de gordura de marmoreio, enquanto que raças zebuínas e continentais, apresentam baixa capacidade de deposição de gordura intramuscular (Burrow, 2001).

A marmorização é uma característica que pode ser herdada, sendo possível selecionar reprodutores para imprimir maior marmoreio, a exemplo do que se tem feito na Austrália. A herdabilidade para marmoreio em estudos na Austrália foi de 0,38 e 0,39 para cruzamentos adaptados a clima temperado e a tropical, respectivamente (Jonhston, 2001).

De modo geral, a marmorização está condicionada tanto ao componente genético como ao manejo nutriçional adotado durante as fases de pré-terminação, e principalmente durante a terminação. A marmorização ainda não é usada como critério de avaliação de carcaças no Brasil, quer em abates comerciais ou experimentais. Porém, no futuro próximo, poderá ser um diferencial a ser explorado pelas carnes de “grifes”, ou para atingir determinados nichos de mercado no exterior.

Literatura consultada:

PETHICK, D. W.; HARPER, G.; ODDY, HUTTON. Grwth, development and nutritional manipulation of marbling in cattle. In: Marbling Symposium. www.beef.crc.org.au . 2001.

OWENS, F. N.; GILL, D. R.; SECRIST, D. S. et al. Review of some aspects of growth and development of feedlot cattle. J. Anim. Sci.. v.73, n.10, p.3152. 1995.

GEORGE, M. H. Managing cattle feeding programs for marbling. In: Marbling Symposium. www. beef. crc.org.au . 2001.

JOHNSTON, D. Selecting for marbling and its relationship with other important economic traits. What impact does it have? In: Marbling Symposium. www.beef.crc.org.au . 2001.

HARPER, G. S.; PETHICK, D. The physiology of marbling: what is it, and why does it develop? In: Marbling Symposium. www.beef.crc.org.au . 2001.

DUCKETT, S.; OWENS, F. Effects of implants on performance and carcass traits of feddlot steers and heifers. In. Symposium of Impact of implants on performance and carcass value of beef cattle. Oklahoma State University. p.63-82, 1997.

BURROW, h. Breed and crossbreeding effects on marbling. In: Marbling Symposium. www.beef.crc.org.au . 2001.

CIANZIO, D. S.; TOPEL, D. G.; WHITEHURST, G. B. Adipose tissue growth in cattle representing two frame sizes: distribution among depots. Jounal of Animal Science, n. 55, p.305-312. 1982.

JOHNSON, E. R., BUTTERFIELD, R. M.; PRYOR, W. J. Stuties of fat distribution in the bovine carcass. I. The partition of fatty tissues betwween depots. Australian Journal of Agriculture Research., n. 23, p. 381. 1972.

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