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Trabalho escravo

Uma vez eu estava conversando sobre a Inglaterra, país que adoro, e alguém me perguntou o que mais admirava nos ingleses. Respondi: bom senso.

Realmente, o que a eles sobra, a nós falta. A pendenga sobre “trabalho escravo” (análogo à escravatura), é um bom exemplo disso. Há evidentes excessos de ambos os lados, e falta bom senso para construir-se um equilíbrio saudável.

Por um lado, temos fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MtbE) autuando proprietários rurais como “escravocratas”, quando na realidade o que encontraram – quando muito – foram infrações da legislação trabalhista e/ou previdenciária. Infrações que justificam notificação ou até multa, mas não prisão – como aconteceu recentemente com um fazendeiro exemplar que, por falta de sorte, tinha dois funcionários ainda sem registro em Carteira (CTPS), quando a fazenda foi fiscalizada. Sucede que a fazenda em questão é modelo em relações de trabalho. O único erro foi o fato de não se haver registrado formalmente os empregados antes do início da jornada laboral. A documentação, segundo soube, estava pronta, e eles iriam formalizar a relação de trabalho ao final do dia. Notificação, ou até multa, OK. Mas prisão?!?!

Ocorrem também excessos da fiscalização, quando consideram como infrações fatos relativos à legislação urbana, mas que não são incorretas, e muito menos ilegais, se atinentes ao trabalho rural. Neste caso, percebe-se falta de treinamento da fiscalização (o que não é culpa dos fiscais, e sim do MtbE). Querem um exemplo? Dêem uma lida na legislação pertinente a CIPA-TR (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – Trabalhador Rural). Fica claro que foi redigida para condições de trabalho em cidades – mas não no campo – havendo adaptações, que mais parecem remendos.

De outro lado, há fazendeiros – e não são poucos – que não dão importância às condições de higiene e de segurança de trabalho a seus funcionários. Há também aqueles que os exploram, com o nefasto sistema de “vales”, onde o empregado, qual um mutuário da “casa própria”, por mais que trabalhe, sempre está devendo ao patrão. E, finalmente, há aqueles que não são mal intencionados, mas desconhecem a legislação em vigor.

A estes últimos dedico este artigo, pois aos primeiros não há redenção, nem como seres humanos, nem como empresários. São uma nódoa na nossa classe, que eu gostaria de ver extirpada.

Como quase tudo na vida, acho que a gênese é conceitual. Há aqueles fazendeiros que, quando perguntados sobre seus ativos, os enumeram como patrimônio físico: área da fazenda, benfeitorias, pés de laranja, cabeças de gado, apenas. Há os que incluem em seus ativos os funcionários deles – sem os quais, aliás, o resto teria pouca serventia.

Não tenho a pretensão de ditar regras aos outros, como também não tenho a pretensão de que a organização trabalhista, e de segurança e higiene no trabalho da Água Milagrosa seja perfeita. Mas é muito boa. E muito do que aprendemos, e muito do que fazemos, foi por intermédio de contato com fiscais e funcionários do MtbE (Ministério do Trabalho e Emprego) – que não tinham mentalidade punitiva, e sim a de catequizar, e arregimentar adeptos. Tornei-me um deles.

A legislação brasileira no âmbito de “higiene e segurança no trabalho” é, por influência cultural lusitana, um tanto extensa, rígida, e de difícil aplicação no meio rural. Mas, ainda assim, é uma boa legislação – cuja aplicação redunda em resultados positivos, tanto para o empregador, quanto para os empregados.

Já que eu disse que iria dedicar este artigo aos empresários rurais que não são mal intencionados, mas que talvez desconheçam a legislação em vigor – e suas conseqüências, vou descrever alguns itens que, se não cumpridos, podem não apenas causar transtornos muito desagradáveis ao empregador, inclusive tendo que arcar com o custo de aposentadoria especial para alguns funcionários, conforme dispõe o Decreto 4.032 de 2001. E, pior que isto, deixar seus funcionários sem a adequada proteção no ambiente de trabalho.

Não sendo advogado, perdoe-me, dileto leitor, se eu cometer algum equívoco ao mencionar NR (Normas Regulamentadoras) do MtbE que regem as condições de segurança e higiene no trabalho. Basicamente, são as de no 3, 7, 9 e 15. E os fatos, atos e sistemas que elas geram, resumidamente, são:

– LTCAT (Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho). O da Fazenda Água Milagrosa tem 80 páginas, incluindo FISPQ e fotos. Resume todo planejamento da propriedade em relação às condições de higiene e segurança no ambiente de trabalho.

– PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – ao trabalhador). O da Água Milagrosa tem 39 páginas. Resume atitudes e sistemas, tais como: avaliação de produtos químicos utilizados; sinalização de segurança; mapa de risco; cursos e treinamentos de prevenção; inspeções de equipamentos, etc. – tudo dentro de um cronograma anual a ser cumprido, e assinado por representante da empresa (ou empregador).

– PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional). O da Água Milagrosa tem 20 páginas. Mapeia e determina os exames médicos necessários, dependendo das funções exercidas por cada funcionário, alguns deles tendo necessidade de realizar mais de 6 exames diferentes, todo ano. Inclui também controle de vacinação contra febre amarela e tétano. Deve ser acompanhado e monitorado por Médico especializado em Segurança do Trabalho.

– PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário). Este item relaciona-se ao INSS, e não ao MTbE. Gerado de forma virtual, só precisa ser impresso e assinado pela empresa, e pelo Médico especializado em Segurança do Trabalho, quando da saída do empregado. Enumera e acumula, ano a ano, todos os exames médicos a que os funcionários se submeteram, seus resultados e evolução. Inclui os riscos ambientais no trabalho. Será peça fundamental para determinar se algum funcionário terá direito a aposentadoria especial, o que, ocorrendo, onerará de forma sensível e durável, o empregador.

– Ordem de Serviço (manual de procedimento no desempenho de cada função): o da Água Milagrosa tem 16 páginas. Tem a finalidade de orientar o trabalhador quanto aos riscos e prevenções, a serem adotados de acordo com cada função. Faz parte do treinamento básico para o exercício de qualquer função laboral, o qual deve ser realizado assim que algum funcionário novo entre na empresa, e periodicamente para os demais.

– CIPA-TR (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – Trabalhador Rural). Comissão com representantes dos empregados e do empregador, para as finalidades já explícitas no título.

– EPI (Equipamento de Proteção Individual). Na Água Milagrosa temos cerca de 30 EPI diferentes, sendo que todos necessitam ter o CA (certificado de aprovação) do MtbE. E não basta fornecer EPI aos funcionários. Há que treina-los para o uso correto do equipamento, da conservação do mesmo, e fiscalizar a utilização. Não é incomum que, debaixo de sol forte, algum funcionário resolva despir-se de seu “uniforme de astronauta”, ficando assim sujeito à contaminação por produtos tóxicos.

Finalmente, lembro que, dependendo da quantidade de funcionários, cabe à empresa (ou ao empregador) contratar Médico de Segurança do Trabalho, Técnico de Segurança do Trabalho, e Auxiliar de Enfermagem do Trabalho – embora não necessariamente em regime de horário integral.

Horrorizado com ao tamanho, complexidade e custo do que acima descrevi? Não é para menos. Como eu disse logo no início, a legislação é por demais detalhista e rígida, e por vezes de difícil aplicação em país tão díspar como o Brasil. Mas antes que seja assim, do que se não existisse. O Brasil é um dos recordistas mundiais em acidentes de trabalho, e em doenças ocupacionais. É emblemático que o presidente Lula, ex-torneiro mecânico, tenha perdido um dedo em acidente de trabalho.

Quando começamos a montar este sistema integrado aqui na Água Milagrosa, confesso que não raro acometia-me desânimo diante da tarefa a cumprir. Hoje constato que foi útil.

Se não for pagamento suficiente para você – na qualidade de patrão1 – participar junto com seus funcionários de cursos de treinamento, e sentir o interesse que eles dedicam ao que lhes está sendo ministrado, então considere algo que certamente será de seu interesse: a produtividade da hora-homem aqui quase dobrou, em poucos anos, após a adoção de programas de prevenção, motivação, e de treinamento de pessoas.

______________________________________
1Por norma interna – todos os funcionários têm de participar destes cursos de treinamento – não importando o nível hierárquico. A começar por mim.

0 Comments

  1. Breno J P Barros disse:

    Caro Sr. C.A. Ortenblad, que belo artigo.

    Me chamou a atenção o título” Trabalho Escravo” que na maioria das vezes parece ser mal interpretado. Nossa conduta frente a contratações e rotina de trabalho passou a ser extremamente rígida, para não haver a mínima dúvida sobre o que é ou não trabalho escravo.

    Dentre nossas condutas está a criação da C.I.P.A.T. As vezes , lendo a legislação a ser seguida pela C.I.P.A.T. tenho a sensação que estamos caminhando contra o bom senso.

    Fiquei satisfeito com mais uma propriedade que está tendo resultados satisfatórios. Demonstra que também temos boas chances de obter resultados positivos.

  2. Carlos Arthur Ortenblad disse:

    Prezado Sr. Breno J P Barros:

    Inicialmente, quero agradecer os termos gentis e generosos com que o senhor brindou meu artigo. O senhor está coberto de razão, quando menciona que a legislação específica de “higiene e segurança do trabalho (rural)”, carece de bom senso.

    Concordo plenamente também quando diz que há que se ter cuidado redobrado na contratação de funcionários. Um pequeno vacilo hoje, poderá custar caro no futuro.

    Além do mais, a legislação é demasiadamente detalhista e rígida, o que certamente irá dificultar sua aplicação, frente à enorme diversidade encontrada neste país continental.

    Pensando bem, se minha fazenda fosse em local distante de centro urbanos, por mais que eu desejasse, seria difícil cumprir todos os requisitos legais.

    Atenciosamente,