A União Européia (UE) oferece negociar imediatamente com o Mercosul duas concessões chaves na área agrícola, para tentar alcançar pelo menos um acordo-quadro birregional até o fim deste mês. Karl Falkenberg, principal negociador europeu para o Mercosul, disse que Bruxelas aceita liberar de uma só vez a primeira etapa das cotas agrícolas, ao invés de parcelá-las ao longo de dez anos. Isso, desde que o bloco do Sul acelere a liberalização para a entrada de vinhos e queijos europeus no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Além disso, a UE aceita deixar com o Mercosul a administração das cotas, o que daria receita mais alta para o exportador. Como contrapartida, quer proteção adicional de indicação geográfica para “certos produtos” europeus. “É preciso mostrar exatamente a margem de flexibilidade que temos. Se não, não vejo como vamos sair do impasse nem agora nem depois”, disse Falkenberg.
Bruxelas oferece dar, de uma só vez, toda a cota de 75 mil toneladas de frango, a primeira parcela da cota de carne bovina de 60 mil toneladas, 30 mil toneladas de banana, 400 mil toneladas de milho e 120 mil toneladas de trigo, por exemplo. Com isso, acaba com um dos argumentos do Brasil, de que o setor de carne bovina só poderia exportar 2.400 toneladas por ano pela cota.
A oferta de Bruxelas é negociar a liberalização imediata da primeira etapa das cotas, que representa 60% do total. A segunda etapa continua vinculada à negociação na Organização Mundial de Comércio (OMC), que pode não acabar antes de 2007.
Pelo aceno feito pelos europeus, o Mercosul poderia aumentar, através das cotas, as exportações em US$ 1,3 bilhão de uma só vez, ao invés dos US$ 130 milhões por ano ao longo de dez anos, a se levar em conta cálculos do Instituto de Estudo do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).
Falkenberg deixa aberta a possibilidade de a UE voltar com a oferta agrícola melhorada. Afirma que os Estados-membros aceitam dar um passo se o bloco do Sul também for flexível. “Sabemos que nenhum dos lados fez sua melhor oferta, isso está claro”, disse.
Pela oferta melhorada européia, a cota para frango passaria de 75 mil para 245 mil toneladas e a de carne bovina, de 116 mil (em duas etapas) para 156 mil. Bruxelas quer como contrapartida que o bloco melhore suas concessões em serviços, nas áreas de transporte marítimo, seguros, bancos, telecomunicações e outros. Também quer que o Mercosul esclareça quais “os constrangimentos” que as empresas européias terão nas licitações públicas das quais poderão participar com preferência de 3% nos preços. “Isso não está claro”.
Falkenberg concorda que há uma enormidade de trabalhos técnicos que impedem um acordo “completamente negociado” até o fim deste mês. Mas o negociador vê espaço para a UE e o Mercosul fazerem, até o dia 31, um “acordo-quadro limitado ao acesso ao mercado”. Assim, se romperia o impasse e a negociação poderia prosseguir após outubro, quando assume a nova Comissão.
Ele disse que, desde o envio da oferta européia ao Mercosul, na quarta-feira passada, não teve contatos com os coordenadores do bloco do Sul. Mas que já colocou essa oferta em linhas gerais na mesa em julho, durante negociações em Bruxelas.
No entanto, ele disse que a recente oferta do Mercosul só começa a liberalizar seu mercado de vinhos e queijos a partir do terceiro ano. São os dois únicos produtos de importância agrícola que a UE exporta para o Mercosul. Ele deixou claro que Bruxelas não aceitará pagar para que o Cone Sul melhore a oferta para automóveis europeus, pois julga que esse foi um dos principais retrocessos do bloco.
A oferta de Bruxelas sinalizada ontem deverá levar os governos do Mercosul a decidir o que é mais importante, se a obtenção da administração de cotas ou negar proteção adicional de algumas indicações geográficas européias.
A administração da cota define quem vai se apropriar do grosso da renda proporcionada pela tarifa menor. Pela atual proposta européia, a administração fica com os importadores. Por ela, um europeu compra carne no Brasil pelo preço mundial e quando entra com ela na Europa, embolsa o preço comunitário, duas vezes maior. Se a administração passar para o exportador brasileiro, ele ganha o dobro ou o triplo, dependendo do produto, pois vende pelo preço europeu, maior que o mundial.
A questão é como o Mercosul responderá à oferta, dadas suas dificuldade internas. “A oferta do Mercosul deixou claro que ele tem muitas dificuldades em fazer concessões em bens e que a posição defensiva dos países tende a prevalecer”, diz André Nassar, do Icone.
Fonte: Valor OnLine (por Assis Moreira), adaptado por Equipe BeefPoint