A União Europeia publicou nesta sexta-feira (9/6) o regulamento para proibir a entrada de itens agropecuários, como café, soja e carne bovina, produzidos em áreas desmatadas mesmo que de forma legal conforme legislação do país após 2020. As regras entrarão em vigor no dia 30 de dezembro de 2024.
A medida é duramente criticada pelo setor produtivo brasileiro. A avaliação é que a normativa europeia extrapola a lei nacional, que prevê a possibilidade de abertura de novas áreas desde que respeitados os limites de acordo com o bioma em que a propriedade está localizada.
A norma também prevê que as empresas importadoras deverão apresentar documentos “verificáveis” para comprovar que os produtos cumprem os critérios antidesmatamento. As regras serão aplicadas inicialmente para bovinos, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e madeira, mas podem abranger mais cadeias no futuro, como o milho. O prazo de implementação pelos importadores europeus é de 18 meses.
O texto da lei já era conhecido pelos brasileiros, mas agora foi definido o cronograma para vigência. “Essas regras não respeitam a legislação local, o Código Florestal Brasileiro, além de ter um caráter punitivo, excludente e não colaborativo”, disse à Globo Rural a diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori.
A preocupação é com o possível aumento dos custos de produção no campo, principalmente para pequenos e médios produtores, para comprovação do cumprimento das regras. “Não temos preocupação quanto a cumprir os requisitos, mas sim com o custo para comprovar isso”, disse Mori.
Cada lote de produto que entrar na UE deverá estar acompanhado de declaração contendo a relação de todos os produtores e respectivas coordenadas geográficas das áreas de produção. “A norma introduz uma série de novas exigências aos produtores e operadores, o que dificulta o acesso ao mercado europeu, sobretudo para pequenos e médios produtores, ao gerar custos adicionais e exigir uma reorganização da cadeia de produção”, disse uma fonte da Missão do Brasil junto à União Europeia e à adidância agrícola do Ministério da Agricultura.
Para essa fonte, a legislação preocupa pelo “caráter unilateral, pela utilização de restrições comerciais para atingir objetivos ambientais e também por seus aspectos punitivos e discriminatórios”. A crítica mira a falta de mecanismos de apoio aos países produtores nos esforços de combate ao desmatamento, recuperação de áreas degradadas e promoção da sustentabilidade das cadeias de produção.
O alerta também está ligado à possível classificação do Brasil como país de “alto risco”, por conta da taxa de desmatamento, o ritmo de expansão de áreas agrícolas e a tendência de produção das commodities contempladas, e o potencial de desvio de comércio decorrente disso. “Se o ônus de comprovar a origem desses produtos está na mão do importador europeu, ele pode deixar de comprar do Brasil e ir buscar em lugares com risco baixo, vai fugir do risco”, explicou a diretora da CNA.
Até entrar em vigor, todos os países terão a mesma classificação. “O governo e setor privado brasileiro têm que trabalhar junto para que o Brasil não seja classificado como de alto risco, pois os requisitos para exportação ficam ainda mais pesados. O impacto para o setor como um todo vai ser muito grande”, afirmou Mori.
A UE classificará os países em três categorias de risco (alto, padrão, baixo) pelo sistema de “benchmarking” e vai impor regras distintas de diligência devida ou de controle aduaneiro aos produtos dos países de cada categoria. “Essa diferenciação poderá gerar custos reputacionais e desvios de comércio”, disse a fonte próxima dos diplomatas brasileiros no bloco europeu. “O Brasil e vários outros países em desenvolvimento sempre se opuseram à criação desse sistema, pelo seu caráter unilateral, potencialmente discriminatório e seus possíveis impactos comerciais”, completou.
Sueme Mori pontuou que a publicação do regulamento europeu pode abrir espaço para que medidas semelhantes sejam adotadas em outros países. Reino Unido e Estados Unidos, terceiro maior cliente do agronegócio brasileiro, têm legislações parecidas no forno.
Apesar de questionar a legitimidade da lei europeia, a diretora da CNA diz que o caminho agora deve ser a negociação com o bloco, já que o órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC) está inoperante. “Temos que negociar, ir por outras vias em busca de propostas de comprovação dos requisitos socioambientais estabelecidos de forma que os impactos e os custos aos produtores brasileiros sejam os menores possíveis”, completou.
A diplomacia brasileira na Europa já expressou sua preocupação quanto à compatibilidade do regulamento com as regras da OMC. A posição mais clara foi divulgada recentemente, na revisão da política comercial da UE. O governo examina outras alternativas de ação, disse a fonte que acompanha o tema em Bruxelas, na Bélgica. “Continuaremos a questionar a legislação, mas, com sua entrada em vigor, os países produtores e os seus setores privados precisam se preparar”, apontou.
“É preciso estar atento às discussões sobre a implementação da norma e trabalhar junto à UE por uma aplicação razoável e flexível, no sentido de evitar rupturas ao comércio e mitigar os custos aos produtores. Da mesma maneira, deve-se aproveitar as ferramentas de que os países já dispõem e que apresentam resultados positivos em matéria de sustentabilidade”, concluiu a fonte.
A União Europeia é o segundo principal destino das exportações do agronegócio brasileiro. Os negócios em 2022 renderam US$ 25,5 bilhões. Cerca de US$ 15 bilhões ou 60% dos embarques foram de produtos contemplados pelo regulamento. A legislação também será aplicada a produtos exportados para outros países e utilizados como insumos para produtos finais que entram no bloco.
Alguns produtos têm peso maior. Quase metade do café exportado pelo Brasil vai para o bloco. Em 2022, esses negócios renderam US$ 4,4 bilhões, com mais de um milhão de toneladas.
No caso da soja, 14,5% dos embarques vão para portos da União Europeia, mas isso representa quase 50% da oleaginosa que os europeus compram de todo o mundo. No ano passado, essas exportações tiveram faturamento de US$ 8,8 bilhões. Para a carne bovina, o diferencial é o prêmio pago pelo bloco, que agrega valor à proteína brasileira vendida para lá. A madeira também tem mercado cativo na Europa. Foram US$ 3,2 bilhões em negócios em 2022.
Fonte: Valor Econômico.