A cadeia da carne vem evoluindo bastante nos últimos tempos em relação a índices de eficiência e produtividade. Além disso, vários grupos de produtores vêm buscando a produção de animais diferenciados com o objetivo de se obter remuneração superior, ao mesmo tempo em que buscam essa maior produtividade.
A cadeia da carne vem evoluindo bastante nos últimos tempos em relação a índices de eficiência e produtividade. Além disso, vários grupos de produtores vêm buscando a produção de animais diferenciados com o objetivo de se obter remuneração superior, ao mesmo tempo em que buscam essa maior produtividade.
A busca pela qualidade superior do produto final está correlacionada com o encurtamento do ciclo de produção e adoção de técnicas que levam à melhoria da produtividade de uma fazenda. No entanto, a grande maioria (ou quase todos) desses “programas” não consegue obter um sobre-preço significativo pelo seu produto, que muitas vezes tem qualidade bastante superior que a “média” disponível no mercado.
Muitas são as justificativas apresentadas para esse fato. Podemos citar algumas como:
– o varejo não deseja qualidade, só busca menor preço;
– o consumidor não sabe diferenciar carnes especiais e carne “comum”;
– só alguns poucos cortes do traseiro conseguem valorização no varejo o que dificulta o sobre-preço no animal todo;
– o varejo quer qualidade superior, desde que pelo preço mínimo.
Essas seriam as justificativas para o fracasso quando pré-requisitos como: regularidade, efetiva qualidade superior, boa apresentação do produto já tiverem sido cumpridas. O que, em muitos casos não é verdade.
Muitos dos que hoje produzem animais diferenciados afirmam que têm ganhos apenas de produtividade e é muito difícil (ou impossível) obter o sobre-preço. Ou então que o sobre-preço pago pelo consumidor final nunca chega ao produtor, pois é consumido por custos extras do processo, ou absorvido pelos elos subseqüentes da cadeia.
Por outro lado existem vários estudos mostrando que o consumidor valoriza a qualidade, que a carne é um importante fator de escolha entre supermercados, que existe demanda por carne superior com preço superior, enfim existem muitos indicativos que há espaço para se produzir uma carne diferenciada e receber mais por isso.
Mesmo tendo em mãos vários estudos sobre diferenciação do produto carne bem sucedidos em outros países e trabalhos que indiretamente indicam que isso também é verdade no Brasil (como o caso da pesquisa que mostra consumidores levando em conta a qualidade da carne na hora de escolher qual supermercado irão freqüentar) e acreditando no grande potencial de evolução da cadeia da carne bovina, fica difícil acreditar que isso pode mesmo acontecer no Brasil, quando especialistas, consultores, empresários afirmam repetidas vezes que projetos que vislumbram preços diferenciados estão fadados ao fracasso no Brasil.
Em meio a esse vendaval de afirmações contrárias à inovação, tive recentemente a felicidade de conhecer um projeto ainda pequeno, mas muito bem sucedido de produção e comercialização de carne diferenciada (com preço diferenciado).
Em Guarapuava, interior do Paraná, um grupo de produtores se reuniu com o objetivo de construir um programa que garantisse mais rentabilidade no longo prazo à atividade. Buscavam melhores preços, maior liquidez e garantia de recebimento. Esse trabalho se iniciou em setembro de 2000, com 7 produtores, 7 varejistas e 1 frigorífico.
A primeira inovação é a mudança no fluxo de dinheiro nas trocas entre os elos da cadeia. Hoje o frigorífico não compra o boi e vende a carne. Ele presta um serviço (abate) e o produtor vende diretamente ao varejista. Entre as vantagens, a menor carga tributária e fim das disputas em relação ao peso da balança se destacam.
Hoje, o rendimento de carcaça médio para machos precoces é de 55,78%. Os animais têm no mínimo 3mm de gordura subcutânea e 225 kg de carcaça para machos e 180 kg para fêmeas. Já há indicativos do varejo que o ideal são animais com 4-5 mm de gordura subcutânea. O alto índice de animais classificados (peso, idade e acabamento) mostra a maturidade do programa e bom trabalho de manejo realizado pelos produtores. No Brasil, é raro encontrar essa padronização.
Hoje, o frigorífico recebe o couro, sebo e miúdos para realizar o abate. É interessante notar que o equivalente físico da arroba de boi está sempre abaixo do preço pago pelo frigorífico. Em 02 de outubro, o equivalente físico (traseiro+dianteiro+ponta de agulha) foi cotado a R$52,02/@ (veja seção de cotações). Isso indica que em tese o frigorífico não tem seu lucro na compra de boi e venda da carne, mas sim na venda dos sub-produtos. No entanto, segundo depoimento dos produtores de Guarapuava, os frigoríficos não vêem com bons olhos os trabalhos do grupo.
O mais interessante do funcionamento da Aliança de Guarapuava é que o varejo paga pelo quilo de carcaça quente, com um ágio sobre o valor de mercado da @ no Paraná, que varia entre 3 a 8% para animais de 16-24 meses (precoces) e 6 a 11% para animais com no máximo 16 meses (superprecoces), dependendo da época do ano. Isso representa uma grande diferença de preço entre a carne “comum” disponível no mercado à disposição do varejo (R$52,02/@) e a carne da Aliança, que remunera os produtores R$60,00/@ acrescido do ágio. Em outubro o ágio é de 3% para precoces (R$61,80/@) e 6% para superprecoces (R$63,60/@).
O que esses produtores estão fazendo para conseguir tal sobre-preço para a carne produzida por eles? Ainda há muito para ser feito pela Aliança de Guarapuava. Acredito que precisam criar e fortalecer um selo de qualidade ou uma marca. Será preciso encontrar formas mais diversificadas de oferecer o produto que hoje é vendido em meias carcaças. Será preciso modernizar a planta frigorífica que atende aos produtores. Há também o desafio de aumentar o programa que hoje abate 4.000 animais por ano, com excelente regularidade durante o ano.
Muitas são as mudanças que ainda precisam ser implantadas. No entanto, a resposta para o sucesso de Guarapuava é relativamente simples. Os produtores conseguiram oferecer um produto realmente diferenciado ao varejo e ao consumidor final.
O varejo está pagando um sobre-preço bastante grande para adquirir a carne da Aliança. Porque o faz, se todos dizem que carne não permite que se oferte qualidade por preço condizente? Os varejistas que aderiram ao programa estão bastante satisfeitos com o resultado financeiro da venda desse produto. A carcaça adquirida tem peso e gordura adequada e é proveniente de animais selecionados para produção de carne (a genética predominante é CharolêsXLimousin). Isso garante um rendimento de desossa muito superior às carcaças “comuns”, o que diminui a diferença de preço.
Além disso, a carne tem maciez, apresentação superior e a regularidade do fornecimento e consistência da maciez são grandes. Assim é possível cobrar 10-20% a mais que o preço da carne “normal”. Os varejistas têm notado que a oferta dessa carne superior vem atraindo de forma sistemática a presença dos consumidores mais abastados da cidade, o que impulsiona a venda de muitos outros produtos.
Os ganhos diretos e indiretos têm sido maiores que o preço mais elevado da carne. Por esse simples motivo o varejo continua na aliança e intensifica suas ações.
Para o consumidor final, a carne é realmente mais macia e tem regularidade e padrão. Pesquisas realizadas pelo grupo mostram que os dois principais fatores valorizados pelos consumidores são: maciez e aparência. Em seguida vêm segurança e origem conhecida da carne. A aliança de Guarapuava consegue atender a todos essas exigências dos mais seletos consumidores da região.
A Aliança de Guarapuava é pequena e se aperfeiçoa para se firmar como um fornecedor reconhecido de carne de qualidade superior. Acredito que a uniformização da comercialização da carne através de um selo reconhecido pelo consumidor irá fortalecer bastante o grupo no médio-longo prazo.
É um exemplo que deve servir como lembrete para todos aqueles que ainda não acreditam na possibilidade de receber mais pela maior qualidade. O sucesso dessa iniciativa é muito importante para estimular outros grupos de produtores e outras empresas a buscar esse caminho. É uma prova que o prêmio pela qualidade do produto pode retornar ao bolso do produtor. É o melhor exemplo brasileiro de agregação de valor para o produtor, através da produção de carne padrão superior.
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O mais interessante disso, é o benefício indireto que outros produtores da região podem obter com a Aliança, a medida em que mais produtores participarem. Imagino que a evolução natural de uma Aliança Mercadológica deste tipo seja suprir completamente o mercado local e alastrar-se gradativamente à medida em que forem preenchendo os nichos de mercado, pois precisarão comercializar a produção, que tudo indica ser crescente.
Um fenômeno conhecido em outras indústrias, sendo o caso clássico a região de Chamapagne, é que muitas vezes uma região geográfica torna-se uma marca e adquire espaço reservado na cabeça do consumidor como referência para o produto. E essa é uma corrida que ganha quem largar na frente.
O possível sucesso de Guarapuava pode ser um indicador para produtores do resto do Brasil de que a maré começou a subir e é bom dar um jeito de sair nadando.