A análise de que o Brasil tem enorme potencial de crescimento, mas está sem capacidade para crescer, talvez possa ser aplicada ao momento que a cadeia está passando. As oportunidades surgem para a pecuária nacional, mas a velocidade de resposta é baixa.
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca realizou a palestra “Uma análise do caminho brasileiro rumo ao desenvolvimento” no último dia do evento AgriPoint Gestão Leite 2006, organizado em Uberlândia/MG, no final de agosto.
Giannetti defende que a culpa pelo baixo crescimento não é apenas dos juros altos. Afirma que, mesmo ao se reduzir, ainda assim não haverá crescimento sustentado, caso a conjuntura atual se mantenha. Em 2004 o Brasil cresceu 4%, mas sem nenhum fato negativo no cenário mundial, como crises internacionais, recessão norte-americana, apagão elétrico, etc, o crescimento não se repetiu no ano seguinte, pois, segundo ele, os entraves são internos.
Em sua análise sobre o Brasil, Giannetti afirma que o Brasil não consegue ter crescimento sustentado, pois com a carga tributária extremamente alta as empresas não conseguem investir. Além disso, a qualidade do gasto público é ruim, fazendo com que essa grande arrecadação pública não reverta em novos investimentos, mas sim em gastos correntes.
A análise de que o Brasil tem enorme potencial de crescimento, mas está sem capacidade para crescer, talvez possa ser aplicada ao momento que a cadeia está passando. As oportunidades surgem para a pecuária nacional, mas a velocidade de resposta é baixa.
Jean-Yves Carfantan, consultor internacional e especialista do mercado da carne europeu, comenta em artigo recente no BeefPoint, que os varejistas europeus, principal canal de distribuição de carne bovina na Europa, desejam desenvolver alianças mercadológicas com o Brasil, para produção de carne de qualidade, com segurança e certificação. Os custos de produção dos pecuaristas europeus são altos e o Brasil é o país que pode oferecer o volume e padronização desejados.
O problema apresentado por Carfantan: os varejistas europeus não confiam nos frigoríficos brasileiros, pois sabem que existem empresas do ramo que não valorizam a qualidade como deveriam valorizá-la.
Estariam dispostos a criar alianças para fornecimento de carne desde que grupos de pecuaristas brasileiros participassem das negociações e estivessem envolvidos nos acordos e mecanismos de remuneração diferenciada. Por aqui, o discurso corrente é de que o Brasil vem, ano após ano, galgando posições no mercado internacional, graças a qualidade da carne brasileira. Percebe-se hoje que a reputação brasileira pode, no mínimo, melhorar.
Vale lembrar que a diferenciação de produtos como carne bovina é dependente da produção dentro da fazenda: rastreabilidade, certificação Eurep, bem-estar animal, respeito ao meio-ambiente, responsabilidade social, certificação de processos (com nutrição, genética e sanidade auditados) são implantados e monitorados dentro das fazendas.
Outro ponto interessante é que a carne bovina é um elemento nobre em uma refeição e não só mais um ingrediente. Com isso, abre-se oportunidades de agregar valor como já fazem as indústrias do café e do vinho.
Que lição pode-se tirar dessa situação? Há segmentos de mercados que pagam mais e são muito significativos, como as redes de varejo na Europa, que não são atendidos hoje por dificuldades internas do Brasil, e não devido a barreiras internacionais. O pecuarista não investe em qualidade, pois não acredita em melhor remuneração. E o frigorífico afirma que não pode remunerar melhor, pois não tem mercado para tal produto. Não cabe aqui descobrir se o ovo vem antes da galinha, mas perceber que por falta de coordenação vertical, o setor deixa de faturar mais, um exemplo involuntário de relação perde-perde.
Ainda no mercado exportador, publicamos um estudo das relações de troca entre o preço do boi gordo em dólares e o preço da carne in natura exportado. A variação entre valores máximos e mínimos é muito significativa, levando a crer que existem grandes variações na rentabilidade dos frigoríficos exportadores.
Novamente falta coordenação na cadeia. A falta de bovinos prontos para abate vem gerando grandes aumentos no preço do boi desde o início de julho. Essa diminuição da oferta é uma resposta a um período de preços baixos e estrangulamento da rentabilidade do pecuarista.
Em diversos setores da economia, e no setor pecuário de outros países, a inovação e evolução começaram após períodos de crise. Os ingleses, por exemplo, consideram a crise da vaca louca, como um dos maiores impulsionadores da modernização da pecuária daquele país.
Para os pecuaristas, esses dois últimos anos de preços baixos têm ao menos um ponto positivo. Tem servido como oportunidade para reflexão sobre a necessidade de aumentar a eficiência produtiva, conseguindo produzir mais com os mesmos recursos e também de se organizar para negociar melhor.
A possibilidade de exportar carne para segmentos da UE – melhor mercado atendido pelo Brasil hoje – que melhor remuneram, desde que com a participação de outros elos da cadeia e a atual conjuntura de preços do boi gordo bastante altos em relação ao preço da carne exportada, pode servir como subsídio para reflexão sobre a atuação dos frigoríficos junto a produtores, em especial nos quesitos negociação, relacionamento e desenvolvimento de ações conjuntas.
Em 2004, em artigo para o Espaço Aberto do BeefPoint, o economista Carlos Arthur Ortenblad afirmou: “…no Brasil, o imediatismo, e a ânsia em se matar a galinha dos ovos de ouro parecem ser irresistíveis”.
A resposta, ao título-pergunta desse artigo, depende muito mais do que o setor ativamente vai fazer, do que de expectativas do cenário interno e externo.
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Olá Miguel,
Acredito que já estamos perdendo a capacidade de crescer. Com as dificuldades que se apresentam, pecuaristas já saem da atividade em busca de melhor remuneração. E não estão errados!!! Apenas estão procurando sobreviver em outro segmento.
Quando o termo “Qualidade de carne” se tornar algo mais prático do que utópico, poderemos sentar e discutir. Obviamente muitas empresas devem produzir visando a eficiência e qualidade, porém, também para outras, essa mesma realidade não vale. Junte-se a isso, falta de investimento, política de ocasião (não preventiva), e outros problemas a todos da cadeia produtiva. É hora de parar à reflexão e agir.
Podemos crescer de três maneiras: 1-em volume pela ampliação dos mercados; 2-em qualidade obtendo melhores preços; 3-em redução de custo. Nos três casos cresce o lucro que mede a eficiência e projeta o futuro. Aos pecuaristas cabe se concentrarem no último item, ficando o mercado por conta dos abatedores/ exportadores. A qualidade depende de uns e de outros. Isso é ensinar o padre-nosso para o vigário, mas vale relembrar para não se perder o foco.
Vejo um promissor crescimento apoiado no item 3. Refiro-me à alimentação na seca através das safrinhas forrageiras, quer semeando braquiária junto com o milho safrinha, quer semeando diretamente na soja pouco antes da colheita. Ao conseguir alimentar na seca com eficiência próxima à que temos nas águas, daremos um passo gigantesco em nossa pecuária de corte. Afinal, o gado não passa de um transformador de capim (ou grãos) em carne. Operar economicamente tal transformação é a finalidade dessa criação. Alimentar barato: essa a chave do fabuloso binômio Nelore/braquiária.
Acabo de visitar a Faz. Da. Isabina em Sta. Carmem/MT: restolho de milho safrinha de 60 cm com braquiária, em grande escala. Só mesmo indo ver de perto é que se pode sentir e avaliar nosso incomensurável potencial. E quando se pensa que temos 22 milhões de ha de soja, sendo que boa parte pode dar pasto na seca a custos irrisórios…Daí o nervosismo de nossos concorrentes que disputam o mercado europeu. Eles têm razão!
Se o Brasil continuar a tributar a cadeia produtiva, como vem fazendo, sujeitando os produtores a índices de produtividade ditados pela ideologia da “ocupação pacífica” e aos juros escorchantes, não haverá espaço para crescer. Feliz 1º de outubro para todos!
Caro Miguel.
Gostaria de parabenizá-lo pela profundidade de sua palavras.
Necessitamos aumentar mais ainda o conhecimento e divulgação do mecanismo de mercado da carne bovina, para assim “linkarmos” estes desencontros entre varejistas europeus e nossa pecuária.
Logo meus contatos receberão esse artigo, e aconselho a todos que façam o mesmo.
Abraços
Prezado Miguel Cavalcanti
Já passamos da época, há muito tempo, de perder tempo, passar do ponto e não embarcar no bonde certo da história. Não podemos perder a oportunidade de crescer.
Essa atual variação positiva da arroba do boi gordo não significa a reversão do quadro de dificuldades na pecuária de corte. Acredito que a situação é outra, bem diferente dos ciclos de alta e baixa de preços do passado. A tempestade ainda não acabou.
Precisamos erradicar os focos de pessimismo, lamentações e de individualismo arcaico aplicando uma solução vitalizante das formas modernas e criativas de cooperação, parcerias e alianças setoriais.
A extrema pulverização na base produtiva do boi gordo é um fator de dificuldades para essa união classista. Trabalho difícil não significa que é impossível.
Vale a pena refletir que é fundamental repensar o setor, revendo os conceitos, equacionando divergências, enfim, estabelecendo uma articulação pragmática entre todos os integrantes da cadeia produtiva. Como diz a conhecida máxima: não se constrói nada sozinho.
Novamente, seguem parabéns por mais um oportuno editorial.
Saudações