Síntese Agropecuária BM&F – 20/02/03
20 de fevereiro de 2003
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24 de fevereiro de 2003

Vantagens da pecuária brasileira X imagem dos concorrentes

Por Miguel da Rocha Cavalcanti1

Estamos começando o ano de 2003 com perspectivas animadoras em relação à cadeia da carne brasileira. Batemos novo recorde de exportações, com volume exportado bem acima do que era esperado por especialistas brasileiros e analistas do exterior. Para se ter uma idéia, em 2002 superamos a expectativa do departamento de agricultura americano para 2003.

Isso já é visto com certa desconfiança por todos nossos concorrentes. Europeus, americanos e australianos acompanham cada vez mais de perto nossos avanços.

Já é sabido por todos que temos o maior potencial para produzir grande quantidade de carne, com custo muito baixo e qualidade uniforme. No entanto os preços internacionais de carne (como de qualquer commodity) tendem a cair no longo prazo. Isso mostra que poderemos nos tornar o maior exportador mundial de carne, mas com margens tão apertadas que tornarão nosso negócio pouco lucrativo. Ter um volume grande de exportações é interessante e importante para o país. Mas além da preocupação com a quantidade exportada, devemos prestar atenção nos valores da tonelada exportada.

Foto: Anúncio de carne do País de Gales

Para aumentar o valor de nossas exportações temos que melhorar muito em todas as áreas do marketing: distribuição, produto e promoção. Só assim será possível também interferir na variável preço.

Foto: Anúncio de carne da Nova Zelândia

Na busca por esse produto diferenciado, que irá satisfazer ao consumidor mais exigente, descobrimos que temos uma grande vantagem. Nossa produção pode se enquadrar facilmente numa qualificação de carne natural. Esse é um apelo que tem ganhado força depois de inúmeros problemas como a “vaca louca”.

Foto: Imagem de catálogo de carne inglesa

Todos os países produtores buscam hoje posicionar seu produto como natural, mesmo que nem sempre a realidade corresponda ao anunciado. Foi lançada recentemente uma campanha promovendo o queijo produzido na Califórnia/EUA onde se afirmava que o melhor queijo era produzido por vacas “felizes” e vacas “felizes” vinham do estado da Califórnia. Essa campanha que mostrava inúmeras cenas de vacas pastejando ao ar livre (“felizes”) causou um impacto negativo em alguns setores da sociedade americana. A grande reclamação era de que se tratava de propaganda enganosa, não pelo fato de afirmarem que vacas “felizes” produzem melhor queijo, o que é muito subjetivo, mas tem seu apelo. O que realmente não agradou foram imagens de vacas em pastos, coisa raríssima na pecuária de leite californiana.

Fotos: Anúncios do queijo californiano

No caso da carne o mesmo ocorre, como pode ser visto nessas imagens de propaganda dos nossos concorrentes. Todos afirmam ter um animal natural, criado de forma livre, respeitando-se o bem-estar animal.

Foto: Anúncio da carne Nelore Natural

No convite para o Salão Internacional da Agricultura que ocorrerá na semana que vem em Paris e que o BeefPoint estará presente, é mostrado a imagem de uma pequena menina afagando uma vaca.

Foto: Convite do Salão Internacional da Agricultura 2003 – Paris

Um pequeno detalhe é que essa vaca tem brincos de identificação em ambas orelhas, mostrando de maneira sutil a preocupação com segurança alimentar. Mas a mensagem principal é o lado mais humano da produção. Pode parecer balela, mas esse tipo de enfoque tem alcançado bastante sucesso e gerado retornos bem superiores aos produtos comoditizados. Será que não podemos ter uma propaganda sobre o nosso gado e nossa carne no mesmo tema, mas com um ambiente mais tupiniquim?

Foto: Imagem real de fazenda brasileira

Para alcançar o sucesso na divulgação de produtos gourmet é preciso ter alta qualidade, de forma consistente e uniforme, além disso é extremamente necessário ter mais do que belas fotos, como a das vacas californianas. É preciso que suas vacas realmente estejam em ambientes parecidos com o apresentado.

A maior lição que podemos tirar disso tudo é que o Brasil está na outra ponta. Temos ambiente e sistema de produção que se enquadram nas mais rígidas normas de respeito ao meio-ambiente, bem-estar animal e nossos clientes não sabem disso. Hoje, além de ser, é preciso parecer ser.

Enquanto não mostrarmos com belas imagens e dados concretos que podemos produzir de acordo com as tendências mais atuais e exigentes de consumo, outras “vacas felizes da Califórnia” vão proliferar em nossos mercados, tirando espaço da carne brasileira no prato dos consumidores mais exigentes. Além de buscar uma fatia mais gorda desses mercados, temos de lutar pelo fatia mais lucrativa.

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1Miguel da Rocha Cavalcanti é engenheiro agrônomo pela ESALQ/USP, pecuarista e coordenador do BeefPoint.

0 Comments

  1. Guilherme Azevedo Sodré disse:

    Miguel, parabéns pelo artigo. Você está dando uma contribuição importante para a pecuária brasileira. Realmente precisamos não apenas de quantidade mas também realçar a qualidade da nossa carne. Temos animais com qualidade tão boa como a argentina ou australiana. Precisamos movimentar os nossos publicitários que também estão entre os melhores do mundo para que façam campanhas de comunicação eficientes. Os frigoríficos estão ganhando muito bem com a exportação. Isto é ótimo desde que invistam nesta área e passem a vender o nosso produto pois, a bem da verdade, os compradores é que vem aqui comprar e há muito pouco de força de venda partindo do Brasil por parte dos frigoríficos. As iniciativas do ex e do atual ministro são louváveis bem como da ABIEC mas o que você provocou no seu artigo é, a meu ver, muito mais uma ação de cada um dos frigoríficos levando soluções que atendam aos compradores com marcas próprias sempre que possível ou então dos pecuaristas o que é muito, mas muito mais difícil. Sucesso contínuo e um abraço. Sodré

  2. Anderson Carneiro Polles disse:

    Parabéns pelo belo artigo, atual e pontual.

    A exemplificar , fica a sugestão de se fazer especiais englobando O Programa Nelore Natural e Boi Orgânico.

    Parabés ao Miguel e a toda equipe do BeefPoint pelo ótimo trabalho.

    Anderson Polles
    Treini IBD

  3. Andrea Verissimo disse:

    Miguel, parabéns por teu artigo.

    O trabalho da Agripoint traz uma enorme contribuição à formação de opinião na pecuária brasileira.

    Tens tido a oportunidade de conhecer o trabalho de outros países e feito um grande relato destas e outras informações que adquires, correlacionando os fatos e fazendo belos e positivos comentários e análises.

    Concordo que temos muito a crescer no setor pecuário mundial e isto também dependerá de pessoas como tu, com a cabeça aberta para o mundo, e preparadas para o desafio dos mercados atuais.

    Parabéns.

  4. Marcos Paulo Martins da Silva disse:

    Parabéns Miguel pelo seu artigo, precisamos ter essa visão sistêmica da cadeia da pecuária, para não só exportarmos quantidade, mas sim qualidade e agregar valor ao nosso produto.