Por Nelson Rafael Pineda1
Critérios de seleção versus objetivos dos programas de melhoramento
Até o presente momento, os sistemas de controle foram geralmente simples e incluíram somente avaliações de quantidade como os pesos a diferentes idades. Mais recentemente, a intensificação dos sistemas de produção, a demanda por eficiência, as necessidades do mercado e o desejo dos criadores de tomar decisões embasadas num conjunto de características mais estreitamente relacionadas ao valor econômico da produção e levar em consideração aspectos ambientais e sociais nos objetivos de produção, permitiram incorporar uma série de características de qualidade, como relação ossos / músculos, características de carne como a área de músculos em diversos cortes, a maciez, o porcentual de gordura etc., como também características associadas à bio-ética animal e ao impacto ambiental de novas tecnologias.
Algumas destas características são difíceis ou impossíveis de medir no animal vivo, pois são avaliadas através de métodos indiretos. Um exemplo é a procura de testes tipo Elisa para medir a relação de calpaínas / calpastatinas para características de maciez da carne de zebuínos. Recentemente foi lançada a utilização de marcadores moleculares como o Tenderness e Marbling GeneSTAR, testes de marcadores moleculares para variações de qualidade de carne bovina. O teste de maciez, segundo seus fabricantes, detecta duas formas distintas de genes, uma associada à maior maciez e outra à falta dela (www.genestar.com.au, 2003) linkar om contador.
Outras características que se avaliam nos programas de melhoramento, são aquelas relacionadas à fertilidade, à sobrevivência e à resistência a doenças. Em fases recentes tem-se tentado medir variáveis associadas aos custos de produção, como o custo dos alimentos, medicamentos e/ou defensivos.
Os avanços técnicos estão permitindo realizar medições mais precisas e freqüentes e incluir características mais estreitamente ligadas aos objetivos dos programas genéticos. Porém, o êxito dos programas de melhoramento, neste início de milênio, continua vinculado ao estabelecimento de objetivos e metas bem definidos, e que estes sejam coerentes com a estrutura de mercado vigente e certamente adaptados às condições ambientais e sociais. Desta forma, continua sendo fundamental definir o objetivo final de um programa de melhoramento genético e o que se entende por critérios de seleção (Euclides F., 1999).
Com esta nova visão de mercado, o desafio será como ponderar estas variáveis para obter o máximo de retorno econômico, a maior contribuição social e o menor impacto ambiental. Mesmo que a razão central do melhoramento genético animal seja econômica, há muitos problemas a resolver antes da adoção de critérios econômicos completamente adequados ao desenho dos programas de melhoramento.
A perspectiva ideal seria aquela, onde os objetivos do mercado futuro fossem conhecidos com precisão. Desta forma, poder-se-iam avaliar sem erros os valores econômicos associados a cada componente e selecionar as características que seriam incluídas no programa de melhoramento. Na maioria dos casos esta é uma situação irreal, é necessário recorrer a aproximações de cenários e incertezas, o que leva a implementação de análises de sensibilidade e de riscos.
Para ilustrar este tipo de problema, Montaldo & Barria (1998) citam a ênfase que na Austrália e em outros países está sendo dada nos programas de melhoramento genético ao marmoreio para atender o mercado japonês. Resulta factível que esta tendência mude no futuro, ou que simplesmente o mercado fique saturado antes que se logre mudar significativamente uma determinada população neste sentido.
Se os esforços investidos forem desproporcionais ao retorno esperado e ao risco, a decisão de colocar muita ênfase para mudar esta característica pode ser inadequada. Esta visão estimula a necessidade de realizar estudos para determinar quais opções podem ser as mais adequadas para a indústria. Porém, deveremos nos responder de forma muito clara se podemos recomendar, em um país como o Brasil, a adoção de um programa único de seleção orientado pelas tendências macro econômicas e pelas necessidades da indústria ou se é recomendável para cada unidade de produção um programa de melhoramento genético que maximize o retorno, ponderando de forma específica variáveis econômicas, biológicas e sociais (Pineda, 2000; Pineda & Tonhati, 2001).
Melhoramento: sinergia biológica, econômica e social
Onde se situa o melhoramento genético clássico nesta nova visão de mudanças tecnológicas sem precedentes e num programa de integração nacional pela qualidade? As grandes transformações sócio-econômicas também deverão modificar a visão do melhoramento para este início de milênio. Novos componentes, com outras variáveis, deverão ser definidos para serem incorporados às equações clássicas: mercado, fluxo de informações, aspectos ambientais e sociais (Pineda, 2000).
Enquanto o usuário de material genético tem uma idéia mais o menos clara sobre seus objetivos de seleção, nem sempre ele sabe tomar a decisão sobre as variáveis a serem maximizadas para incrementar o rendimento econômico, como por exemplo a produção de kg de carne por hectare por ano; a seguir ele deve determinar as características que se devem ser medidas e fazer as ponderações econômicas a elas associadas. Com estes dados será necessário desenhar modelos bio-econômicos dos sistemas de produção.
Outra tendência marcante para o este início de milênio tem sido a necessidade de incorporar objetivos sociais como critérios adicionais na definição dos objetivos de seleção.
Na realidade esta tendência sempre existiu na abertura de novas fronteiras pecuárias. Porém, o que nunca se realizou, foram tentativas de incorporá-los de forma sistemática aos objetivos de seleção. Um exemplo pode ser o uso critérios que incrementem a sustentabilidade de um sistema de produção.
É possível pensar em desenvolver um índice que combine, em uma medida sintética, o mérito total de um reprodutor para um mercado particular, com aspetos econômicos e sociais. Existem alguns exemplos de seleção pecuária baseada em critérios econômicos onde se utilizam aspetos complementares como os biológicos para afinar e colocar numa direção razoável a mudança genética de uma população em várias características simultaneamente.
Os objetivos biológicos podem ter como fundamento a maximização de medidas físicas de produção, como por exemplo, kg de proteína por hectare ano. Pode ser que este tipo de medida seja mais estável que as econômicas, considerando a necessidade de incrementar a produtividade a longo prazo na presença de flutuações de preço e de outros componentes financeiros.
Novamente temos a necessidade de nos responder a mesma pergunta: é recomendável para cada unidade de produção implantar um programa genético que maximize o lucro, ponderando de forma específica as características, ou toda nossa pecuária deverá tender a utilizar critérios uniformizados de seleção? Esta pergunta ainda não foi respondida de forma clara. Mas, supondo que a segunda resposta seja a mais adequada, implicaria que os efeitos ambientais deverão ser otimizados e estandardizados o que está bem longe da realidade em sistemas extensivos onde as variações ambientais são parte integrante do sistema.
Neste contexto a visão sistêmica da pecuária será fundamental no Brasil da próxima década. Tavares (2000) explica que a análise sistêmica da pecuária implica a consideração global e simultânea dos fatores genéticos, ambientais, mercadológicos e de manejo. Um de seus postulados defende que existe um nível ótimo de produção animal para cada conjunto ambiente/manejo/mercado. Outra colocação pondera que a produção animal ótima é sempre intermediária entre a máxima e a mínima. Seu nível varia conforme as diferentes situações econômicas em diferentes sistemas de produção.
A visão sistêmica implica que:
– Com relação à nutrição, o aumento da qualidade / disponibilidade / estabilidade (estacional e ao longo dos anos) tende a aumentar a magnitude dos valores ótimos de produção.
– A meta principal é aumentar lucros e não desempenho animal.
– O nível de produção é menos importante que a eficiência global.
– O aumento de eficiência se dá com aumento de receitas, redução de despesas ou ambos simultaneamente.
– Seleção para produção tende a aumentar receitas e seleção para adaptabilidade tende a reduzir custos.
Embora o melhoramento genético animal sempre tenha visado maior rentabilidade da pecuária, ainda enfrentamos inúmeros problemas na adoção de critérios econômicos, pois estes não estão completamente adequados ao desenho de programas genéticos e temos dificuldade em analisar de forma sistêmica a pecuária.
Biotecnologias reprodutivas e moleculares
Virtualmente cada predição dos programas de seleção bovina aponta para as premissas de que a tecnologia molecular nos fornecerá informação do genoma (Pollak, 2000). Seguramente estas predições deverão estar ao alcance da pecuária extensiva, porém fica difícil estimar em quanto tempo sua aplicação será economicamente viável.
A utilização racional da tecnologia molecular requer o uso otimizado dos métodos tradicionais de seleção e o máximo proveito é alcançado quando estas técnicas são utilizadas de forma integrada com biotecnologias reprodutivas, como a inseminação artificial, a transferência de embriões e a fertilização in vitro, a fim de acelerar as mudanças genéticas (Montaldo & Barria, 1998). Apesar destas biotecnias serem utilizadas de forma individual, é a interação entre elas que levará a maiores ganhos e sua massificação dependerá da viabilização da relação custo-benefício (Bergmann, 2000).
Sem dúvida as técnicas moleculares oferecem uma gama importante de possibilidades para acelerar a melhoria genética de nosso rebanho zebuíno, porém a materialização desta esperança requer a transposição de um número importante de barreiras técnicas para aproveitar a informação genômica e obter estimativas confiáveis dos efeitos entre os genes e as características (QTLs) ou da seleção assistida por marcadores (SAM).
Provavelmente esta última será de grande valor na seleção das características que se manifestam tardiamente na vida de um animal e que são controladas por poucos pares de alelos como, por exemplo, o tempo de permanência no rebanho, composição da carcaça e a resistência a doenças tropicais.
Possivelmente tardará ainda alguns anos até que as biotecnologias reprodutivas e moleculares revolucionem o melhoramento animal ao ponto de que o controle meticuloso de produção passe a ser supérfluo. Esta possibilidade conceitualmente existe, com a cultura e reprodução de células utilizando seleção puramente molecular das variáveis desejadas seguidas de clonagem e multiplicação. Porém, é pouco provável que o controle de produção seja abandonado, pois precisaríamos igualmente de um meio para controlar se as expectativas ou predições estão realmente sendo atingidas. De qualquer maneira os avanços na tecnologia reprodutiva e molecular vão permitir aperfeiçoar os conhecimentos, utilizar a interação entre genes e entre genes e meio ambiente, mas a genética quantitativa baseada na coleta de dados fenotípicos e informações de parentesco continuarão sendo a base de melhoramento genético dos nossos zebuínos.
Bibliografia
BERGMANN, J. A. G. 2000. Impacto econômico do desenvolvimento da biotecnologia. In: CONGRESSO BRASILEIRO DAS RAÇAS ZEBUÍNAS, 4, 2000, Uberaba. Anais… Uberaba. MG. Brasil. pp 260-271.
EUCLIDES FILHO K. 1999. Melhoramento genético animal no Brasil: fundamentos, história e importância. Embrapa, Gado de Corte. Campo Grande. MS. Brasil. 63 pp.
MONTALDO, H. & BARRÍA, N.; Mejoramiento Genético de Animales. http: // hmontaldo_3.html; hmontald@metz.une.edu.au
PINEDA, N. R.; A reengenharia da pecuária zebuína. Análise do presente e perspectivas futuras. In: CONGRESSO BRASILEIRO DAS RAÇAS ZEBUÍNAS, 4, 2000, Uberaba. Anais. Uberaba. 2000, p. 275-288.
PINEDA, N. R. & TONHATI, H.; Agribusiness, strategic alliances and marketing to improve competitiveness. In: WORLD BUFFALO CONGRESS, 4, 2001, Maracaibo. Proceedings. Maracaibo. 2001, p. 119-139.
POLLAK, E. J.; Beef cattle breeding. Past, present, future. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 37, 2000, Viçosa. Anais… Viçosa. 2000.
TAVARES, de F., H.; Nelore versus cruzamento: uma visão sistêmica. In: SIMPÓSIO: O NELORE DO SÉCULO XXI, 5, 2000, Ribeirão Preto. Anais… Ribeirão Preto, 2000. p. 30-41.
1Nelson Rafael Pineda é diretor da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ)
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Prezado Nelson,
Parabéns pelo artigo: uma análise clara e e muito interessante!
Forte abraço
Meu caro Pineda:
Beleza, tudo que V. escreveu com fundamento e acerto. Só tem uma coisa:
“como conciliar a seleção para medalha e show com o melhoramento para adaptação ao ambiente, fertilidade, desempenho econômico e fidelidade racial”, como pregava Bonsma? Ha anos e anos, o “melhor” é o que se comporta melhor em cocheira e super-alimentação!
Este esforço “pro pista” dá lucro sem dúvida (vide vacas de milhão), mas irá garantir os milhões de carcaças para consumo e exportação? Falem os doutos PHD! Acompanho o Nelore desde os anos 70 e ainda não entendi. Cordial abraço,
F.Cardoso, Eng. Agr., empresário agrícola, presidente da Fundação Agrisus.
Dr. Nélson:
Parabéns pela brilhante avaliação. Faço minhas as palavras do Prof. Madalena, ao comentar seu artigo. Acrescento que se a meta é “aumentar lucro”, isto deveria valer tanto para aqueles que se identificam como “produtor de gado de corte” quanto para os milhares de “produtores de carne”.
Na busca desenfreada por animais de destaque nas pistas, acabam selecionando animais de desempenho econômico cada vez pior. Ao enfatizar o tipo e o indivíduo tem levado à seleção de animais de porte elevado, tardios e de baixa eficiência reprodutiva, quando o foco deveria ser o desempenho econômico do rebanho.
Na pecuária leiteira temos assistido o mesmo filme. Tardiamente, pesquisadores americanos, os últimos a publicar esses fatos, agora também admitem que a seleção para produções individuais elevadas e “características leiteiras”, como angularidade, conformação e tipo (“sharpness”), ocasionaram impacto negativo muito grande na eficiência reprodutiva e econômica dos rebanhos.
Isso foi enfatizado por americanos e canadenses, principalmente, e seguido à risca pelos “produtores de gado de leite”, com os “produtores de leite” pagando o pato e a conta.