Por Richard Eckard, professor associado e diretor do Centro de Desafios Climáticos das Indústrias Primárias da Universidade de Melbourne, na Austrália.
Nossa dieta ocidental amante da carne pode levar a mudança climática ao limite? Essa foi a mensagem de um relatório recente do Chatham House, do Reino Unido, que diz que, mesmo se o mundo parar de usar combustíveis fósseis, o crescimento no consumo de carne e lácteos poderia ainda levar o aquecimento global além do limiar seguro de 2 graus Celsius.
O relatório recomenda um abandono dessa dieta ocidental de “quatro graus” em favor de uma dieta com menos carne e alimentos com emissões intensivas de gases de efeito estufa.
O que as evidências mostram é que se tornar vegetariano pode ajudar a reduzir suas pegadas pessoais – entretanto, seria melhor focar em uma gama de soluções se quisermos ter algum impacto na mudança climática.
Quanto gás de efeito estufa o gado produz? A estimativa mais confiável e aceitável é que a produção pecuária contribua com cerca de 14,5% dos gases totais de efeito estufa das pessoas, principalmente na forma de metano e óxido nitroso.
Um número cada vez maior de estudos, incluindo muitos dos nossos próprios feitos pelo Centro de Desafios Climáticos das Indústrias Primárias, mostra que as emissões da pecuária são geralmente maiores do que as emissões da agricultura, baseado em toneladas de gases de efeito estufa por unidade de área e massa de produto.
Entretanto, é importante notar que quando comparado com base nas emissões de gases de efeito estufa por unidade de proteína e por unidade de densidade de nutrientes, então, alguns produtos pecuários (como queijos) se tornam comparáveis com os produtos agrícolas.
Porém, o crescimento previsto no consumo de produtos pecuários pode tornar o limite de aquecimento global de 2 graus Celsius impossível? Não.
As emissões não necessariamente aumentam em proporção igual ao consumo, mesmo sem mudança na dieta. A crescente classe média mundial deverá aumentar de 1,8 bilhão de pessoas para 3,2 bilhões em 2020, e para 4,9 bilhões em 2030.
A maioria desse crescimento (85%) será na Ásia, onde a crescente demanda por proteína de origem animal é notavelmente maior por carnes brancas (peixe, frango, carne suína) do que de carnes vermelhas (bovinos e ovinos).
Dessa forma, a maioria do crescimento futuro previsto é para produtos pecuários de menores emissões. Além disso, os dejetos da produção pecuária podem ser usados para gerar energia, efetivamente trazendo essas indústria para próximo de um status de carbono-neutro.
A maioria dos estudos sobre o impacto das mudanças dietéticas continua baseada em teoria e, pelo que eu sei, não têm sido feitas análises amplas globais de desafios políticos, éticos, morais e socioeconômicos de mudanças na dieta nos países e culturas.
É aí que o debate corre o risco de encalhar: o privilégio de escolher uma dieta vegetariana é limitado a poucos afluentes, que, devido às suas taxas de natalidade em declínio, estão declinando demograficamente. A maioria da população mundial continua mais preocupada com de onde virá sua próxima refeição.
Um foco somente na mudança dos padrões da dieta corre o risco de se tornar enredado nos mesmos argumentos morais que vimos entre as economias em desenvolvimento e desenvolvidas sobre metas de redução equitativa de emissão de gases de efeito estufa e contribuições para o Green Climate Fund.
Esses dois assuntos fizeram parte de negociações climáticas internacionais, com o mundo desenvolvido (rico) sendo acusado de ditar que o mundo em desenvolvimento (pobre) não pode aspirar ter os mesmos padrões de vida que têm sido desenvolvidos no Ocidente, enquanto criamos um problema de mudança climática.
Ao invés de um debate politicamente carregado sobre como lidar com a mudança climática, o foco no vegetarianismo como uma solução ao aquecimento global também corre o risco de ser visto como outra linha de ataque para os ativistas dos direitos dos animais.
Mudar as dietas não é a única forma de reduzir as emissões de gases de efeito estufa da agricultura – e essas alternativas estão frequentemente ausentes nos comentários sobre o consumo de carne.
Poucos estudos reportaram, por exemplo, como uma moderação na dieta pode ser combinada com a geração de energia limpa de dejetos pecuários e maiores esforços para redução do metano produzido pelos animais. Avanços significativos já foram feitos na redução de emissões de gases de efeito estufa de sistemas de produção pecuária, incluindo dietas dos animais, criação e inibição dos microrganismos que produzem metano.
Também há tecnologias bem estabelecidas para geração de energia a partir dos dejetos de animais. Compare isso ao setor de geração de energia, onde muitos estudos avaliaram combinações de soluções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa incluindo a redução do consumo de energia, o geo-sequestro, as tecnologias de carvão limpo e a mudança para fontes alternativas de energia.
Não é a dieta ocidental, mas o estilo de vida ocidental que é um “estilo de vida de quatro graus”. O resto do mundo não pode se dar ao luxo de convergir para esse nível de excesso. Precisamos de uma gama de soluções complementares, ao invés de colocar todos os ovos em uma só cesta.
Fonte: The Conversation, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.
Por Richard Eckard, professor associado e diretor do Centro de Desafios Climáticos das Indústrias Primárias da Universidade de Melbourne, na Austrália.