O tema mercado do boi gordo é um dos mais relevantes relacionado a rentabilidade do setor pecuário. Por isso é o assunto mais procurado, conversado e discutido. Entender as tendências de mercado dos mais diversos fatores que influenciam o mercado do boi é fundamental para se planejar e aproveitar as oportunidades.
Com o objetivo de conhecer os principais profissionais que trabalham direta e indiretamente com análise de mercado pecuário, o BeefPoint preparou uma série de entrevistas para compartilhar o trabalho destes profissionais, buscamos reunir informações consistentes sobre o tema.
Queremos conhecer mais como essas pessoas pensam, o que prestam atenção, o que consideram mais importante e o que sentem falta ao fazer seu trabalho de análise de mercado.
Para conhecer melhor quem tem se destacado no mercado pecuário no Brasil, acompanhe nossa série de entrevistas.
Confira a entrevista com Lygia Pimentel, médica veterinária, pecuarista e atua como consultora de mercado agropecuário.
Lygia Pimentel nasceu em Bebedouro, interior de São Paulo. Filha e neta de produtores com foco em pecuária de corte, conviveu desde a infância com a atividade. É formada em medicina veterinária pela Universidade de Marília, é pecuarista e atua como consultora de mercado agropecuário.
Desde o início da carreira trabalhou com consultoria e com o estudo do mercado. Fez parte do time da XP Investimentos para auxiliar no desenvolvimento da área de análise agrícola da corretora que, no período, destacou-se como uma das mais representativas da BM&Fbovespa, inclusive com a negociação de mercados futuros de commodities. Como gerente de commodities, dedicou-se à análise fundamental e técnica voltada ao mercado futuro do boi gordo, soja e milho, onde permaneceu por mais dois anos identificando e sugerindo operações de compra, venda e hedge a investidores.
Em 2011 fundou a AgriFatto com o objetivo de auxiliar o setor no momento da tomada de decisões. Após dedicação e desenvolvimento das atividades da empresa, recebeu convite para levar a Agrifatto para dentro da INTL FCStone, renomada empresa de consultoria em gestão de risco em commodities com atuação global no negócio e muita experiência para oferecer a seus clientes.
BeefPoint: Quais as principais ferramentas para conseguir analisar o mercado de forma ampla?
Lygia Pimentel: Acompanhar o mercado pecuário não é tarefa fácil, definitivamente. Exige muita dedicação, disciplina e atualização constante dos indicadores mais fidedignos que você conseguir. Além disso, eles não são poucos. Por esse motivo o mercado absorve muito de quem vive dele.
Para analisar o mercado, é importante buscar o máximo possível de informações que possam ajudar a cobrir as variáveis que influenciam o comportamento da oferta e da demanda. O descasamento entre as duas pontas é que determina para onde o mercado vai. Mais do que isso, o desafio não consiste simplesmente em entender se sobe ou desce, mas também tentar antecipar quando o mercado está “esticado”, por exemplo, ou seguindo na direção de saturar algum movimento. É nesse momento que as grandes oportunidades aparecem.
BeefPoint: Quais são os gráficos que você acompanha diariamente para fazer uma boa análise?
Lygia Pimentel: Na busca pela relação oferta x demanda olho diariamente:
1. Oferta: preços, escalas de abate, relações de troca, margem da atividade, basis, clima (gráficos de precipitação) e curva futura.
2. Demanda: preços da carne no atacado, repasse deles ao varejo, spreads, comportamento das proteínas concorrentes, preços da arroba em dólar.
BeefPoint: Quais são os principais indicadores para analisar o mercado do boi, na sua opinião?
Lygia Pimentel: Há uma infinidade de indicadores no mercado pecuário que envolvem desde a atividade em si até a macroeconomia. Entretanto, um dos mais importantes é o acompanhamento do ciclo pecuário. Para analisá-lo, recorremos a uma série de outros indicadores importantíssimos, como o preço do bezerro, a participação do abate de fêmeas frente ao total, a margem da atividade pecuária comparada a outras, etc. Outros que podemos citar são: exportações, dólar, otimismo do pecuarista, custos de produção, poder de compra da população, gasto do brasileiro com carnes, etc.
BeefPoint: O que você lê de notícias, análises e relatórios de mercado? Quais são as leituras indispensáveis?
Lygia Pimentel: Gosto muito de acompanhar notícias veiculadas pela Agência Estado e pela Reuters, além da seção de Agronegócio do jornal Valor Econômico e outras da grande mídia. Montamos diariamente um belo e vasto clipping com as notícias do agronegócio para não perdermos o fio da meada sobre o que está acontecendo no Brasil e no mundo e que pode interferir no mercado pecuário de alguma forma.
Sobre os analistas, tem muita gente que leio e admiro no mercado pecuário. Maurício Nogueira, Rogério Goulart, Leandro Bovo, Rodrigo Albuquerque e os artigos do Cepea, coordenados pelo Sergio de Zen. As análises de nossa equipe internacional também são fundamentais no meu dia-a-dia. Analistas internacionais como o Nouriel Roubini também fazem parte daqueles a quem recorro.
Os relatórios que mais acompanho são World Beef Report, Daily Livestock Report, informações do USDA e do MLA.
BeefPoint: Quais os principais fatores devemos olhar pelo lado da oferta e do consumo para uma análise de curto e médio prazo?
Lygia Pimentel: Quando objetivamos o curto-prazo, é interessante observar o preço da arroba, a duração das escalas, os spreads da carne com a arroba, etc. Aprender a colocar em prática o feeling de mercado, aquele instinto de quem vive o dia-a-dia, também é muito importante.
Para o médio-prazo, além dos indicadores já citados, é interessante acompanhar de perto o direcionamento do consumidor interno através de indicadores de poder de compra e apetite do consumidor, além dos desdobramentos do que ocorre no mercado internacional (preços dos concorrentes, arroba brasileira em dólar, ocorrências sanitárias, abertura de novos mercados, etc).
BeefPoint: Você poderia nos contar uma história ou um acontecimento, em que conseguiu entender as relações do mercado, fazer uma análise correta da situação, e acertar a tendência de preços? Quais as lições você tirou desse episódio?
Lygia Pimentel: Em 2012, após uma análise cuidadosa do mercado no primeiro semestre, tornei-me bastante cética em relação aos preços do boi gordo para a segunda metade do ano. Assim, a cada movimento de alta no mercado futuro posicionávamos o hedge dos clientes trabalhando preço médio ascendente. Ao mesmo tempo, para não arriscar estragar a conta devido às margens estreitas naquele ano, sugeri aos clientes foco total no custo de produção e fechamos a compra do milho também, na mesma época.
O resultado foi que o boi não chegou ao que a BM&F ofereceu e o milho disparou no segundo semestre devido à quebra de safra no Brasil e nos Estados Unidos. Foi um alívio muito grande ter conseguido agarrar a oportunidade em um ano tão difícil como 2012.
BeefPoint: Você poderia nos contar uma história ou um acontecimento, em que aconteceu o contrário, onde não conseguiu entender as relações do mercado, fazer uma análise correta da situação, e errou a tendência de preços? Quais as lições você tirou desse episódio?
Lygia Pimentel: É interessante falar sobre os erros que cometemos. Errar é parte essencial da análise de mercado. É claro que não podemos viver só desses erros, caso contrário estaremos fora do jogo, mas antecipá-los, mensurá-los, lidar com eles e contorná-los o mais rapidamente possível são atitudes-chave para não deixar o lucro virar prejuízo. Para tanto, é importante baixar o ego e assumir o erro. Não existe analista que acerte todas.
No começo deste ano, eu esperava um volume maior de animais confinados para o segundo semestre pois o mercado estava eufórico com a forte queda dos grãos que deveria ocorrer. Afinal de contas, os grãos foram grandes vilões para a margem do confinamento em 2011 e 2012. Um grande alívio, portanto, estava por vir. Através de diferentes ferramentas que são escolhidas de acordo com o perfil de cada cliente, realizamos hedge de uma parte da produção próximo a R$ 104,00/@ em São Paulo.
Como a queda dos grãos demorou para acontecer ao consumidor final, e como o boi magro estava caro e escasso, a intenção do mercado mudou e acabamos o ano com menos animais confinados disponíveis do que o esperado. Resultado: o boi ultrapassou R$ 110,00/@. Alguns dos clientes que usaram futuros, simplesmente, abandonaram a posição para usar o mercado de opções após a experiência. E, o melhor: entenderam o benefício que o investimento em seguro nos traz.
De toda forma, é melhor proteger um preço menor do que o pico, mas que seja maior do que o seu custo, do que vender por menos do que ele. Essa, acredito, é uma grande lição que precisamos tirar do mercado para que nossos negócios sejam de longo-prazo.
BeefPoint: Em sua opinião, quais são os principais dados em falta na pecuária brasileira para que se possa fazer uma análise consistente do mercado? O que poderia ser feito para reduzir esse problema? Qual órgão poderia contribuir de forma mais efetiva?
Lygia Pimentel: Infelizmente trabalhamos com uma lacuna muito grande quando falamos em dados da pecuária. Os dados primários são os que mais sofrem, pois demoram para sair e são bastante inconsistentes.
Exemplo: rebanho e idade dos animais, abates, informações sobre propriedades rurais (incluindo área de pastagem), etc. De toda forma, todos que estão no mercado trabalham com esse gap de informações, portanto, a chance é igual para todos. Quem acompanha essas informações e cria um bom filtro para ajustá-las à realidade já sai na frente. Mas isso não melhora o sistema como um todo.
Uma coisa muito interessante que aconteceu nos últimos anos foi a iniciativa de colocar para rodar o Rally da Pecuária, uma expedição que coleta dados diretamente do campo para processá-los de forma a ajudar na tomada de decisão com base em algo real. Levo esse projeto muito a sério e tudo o que se fala sobre ele está no meu radar para balizar a informação que uso no dia-a-dia.
BeefPoint: Qual o maior desafio do analista do mercado da pecuária?
Lygia Pimentel: Disciplina e estudo para aprimorar cada vez mais seu leque de informações, principalmente, pois não as temos de forma sistemática e concreta. Também é preciso atualizar essas informações constantemente e não se perder no peso de cada uma. Fora isso, para os inveterados do mercado futuro, humildade para assumir e contornar seus próprios erros. Não há nada de errado nisso.
BeefPoint: Qual profissional da área é sua referência?
Lygia Pimentel: O Alcides Torres é uma grande referência pois, além de ele ter dado a uma menina que ainda estava na faculdade e nada sabia sobre mercado sua primeira chance de aprender sobre isso, é um dos pioneiros na área. O Rogério Goulart sabe disso porque eu já disse pessoalmente, mas ele foi um grande professor e sou leitora assídua dos seus textos. Já li todos eles sem exceção, mesmo aqueles que foram escritos antes que eu entrasse no mercado.
O Fabiano Tito Rosa foi uma grande inspiração quando comecei pela sua rapidez e pela objetividade de suas análises. E não poderia absolutamente deixar de citar aqui o Maurício Palma Nogueira, a quem devo grande parte do que consegui aprender até agora. É uma das pessoas mais sérias e com as informações que mais se aproximam da realidade da nossa pecuária hoje. Fora isso, é um profissional extrememente dedicado e foi o meu maior apoio quando decidi encarar o mercado financeiro e aprender mais sobre técnicas de gerenciamento de risco. Sinto uma gratidão enorme e profundo respeito por esses caras. Eles são pessoas que realmente levam o mercado a sério e, por isso, têm sucesso no que fazem.
BeefPoint: Qual conselho você daria para quem quer começar a trabalhar na área?
Lygia Pimentel: Trabalhe duro, leia muito, crie uma rotina de atualização e acompanhamento das informações que achar confiáveis e relevantes. Questione suas fontes. A leitura de notícias, artigos, livros, relatórios e análises é fundamental. Os gringos sabem muito! Mesmo que a dinâmica do mercado deles seja diferente, as lições que eles têm a ensinar são muito preciosas. A história se repete. Livros sobre comportamento de mercado financeiro também ensinam muito sobre humildade, controle psicológico e gestão do risco. Quanto mais horas você dedicar aos seus estudos, melhor você será. Pratique seus “achismos” e qualifique-os.
Faça uma análise sobre a qualidade dos seus dados. É importante que eles sejam fidedignos. Se quiser ser levado a sério como analista, saiba que sobre as suas informações recaem decisões de negócios e tomada de risco. Portanto, divulgue-as com responsabilidade e seriedade.
Comentário BeefPoint: Nosso muito obrigado a Lygia Pimentel, por contribuir com nossa série de entrevistas. Muito bom conhecer como cada um dessas pessoas pensam, o que consideram mais importante e o que sentem falta ao fazer seu trabalho de análise de mercado.
O mercado te amassa quando você acha que sabe tudo sobre ele [Rodrigo Albuquerque]
Aprenda o operacional e evite surpresas desagradáveis no seu negócio! [Flavio Abdo Saraiva Santos]
2 Comments
Gostaria de parabenizar a nossa Colega Médica Veterinária, pelo empenho e por mostrar que a nossa profissão que é tão desvalorizada no país, consegue se apresentar em todos os segmentos, eu como investidor da BMF futuros, fico feliz. parabéns.
Parabéns à Lygia Pimentel pela competência e dedicação!