Por Leonardo Souza1
Chegamos ao final de mais um ano. Que ano para a pecuária de corte! Ficamos com a sensação que nosso negócio chegou ao “fundo do poço”. Nunca, pelo menos, em minha experiência com pecuária, a rentabilidade ficou tão baixa. Mas, o que será que aconteceu para estarmos nessa situação? Será que foram os frigoríficos, os culpados? Mesmo com o aumento tão grande nas exportações de carne bovina brasileiras, como os preços pagos aos pecuaristas ficaram tão baixos? As alternativas de respostas são várias: excesso de boi no mercado; abate muito grande de fêmeas; manipulação dos preços pelos frigoríficos; frigoríficos passaram a produzir os próprios bois; mercado interno com consumo muito reprimido; e assim vai…
Vamos assumir que todas estas suposições sejam verdadeiras e que o preço do boi está ruim por causa de todos estes fatores. O que o pecuarista pode fazer a respeito das causas acima descritas? Acredito que muito pouco, pois não estão nas mãos dos pecuaristas as ferramentas para intervir nestas causas. Poderiam dizer que se os pecuaristas se organizassem e promovessem um boicote nacional contra a venda de bois por sei lá, duas semanas ou um mês, talvez a situação fosse diferente. Especula-se que o frigorífico exportador esteja ganhando muito dinheiro e não repassando nada para o produtor. Mas, vocês acreditam em tal organização por parte dos pecuaristas?
Outra alternativa é montar um frigorífico próprio. Acho uma ótima idéia e sou totalmente a favor de se organizar para tentar melhorar a remuneração de um produto de qualidade, como é o produzido por vocês.
Mas, em meu ponto de vista, o pecuarista estaria na verdade, mudando de negócio de fazendeiro para dono de frigorífico, e não procurando soluções para melhorar o negócio em que ele está agora.
Além da má remuneração pelo boi, os custos dos insumos subiram drasticamente. Da mesma forma, o que o pecuarista pode fazer para mudar esta situação? Qual é a saída para o pecuarista?
Vocês concordam que o único local em que ele pode interferir é dentro da própria fazenda? É onde ele tem maior controle, ou deveria ter. É onde a sua “atitude” pode determinar o sucesso ou fracasso do seu negócio.
Quando digo “atitude”, tomo emprestadas as palavras do Professor Moacyr Corsi da ESALQ em palestra no 2o Encontro de Raças Adaptadas realizado na Fazenda Mariópolis em Itapira/SP.
Quais são os aspectos que realmente impactam no resultado do seu negócio e qual é a “atitude” do pecuarista em relação a eles? Estes aspectos podem ser divididos em: Ambientais e Genéticos.
Os aspectos ambientais estão relacionados a tudo que o pecuarista dispõe para os seus animais se desenvolverem e produzirem. Podemos subdividi-los em: Manejo, Nutrição e Sanidade. Já os aspectos genéticos estão relacionados ao tipo de animal que o pecuarista escolhe para criar e as medidas que ele utiliza para selecioná-lo.
O que há em comum entre estes aspectos?
Diferente do preço do boi e dos insumos, todos dois podem ser modificados pelo pecuarista. Neste caso, o sucesso é resultado direto de sua “atitude” em relação a eles.
Quais seriam as “atitudes” corretas a serem tomadas?
A primeira seria conhecer profundamente o ambiente de sua propriedade. Isto significa conhecer bem o seu negócio. Tomando ainda as palavras do Professor Moacyr Corsi, perguntamos:
1. Quantos de vocês pecuaristas inspecionam todos os pastos de sua fazenda pelo menos uma vez por mês?
2. Ou, se não é você, quantas vezes o gerente de sua fazenda ou até mesmo o capataz o faz?
Na verdade uma vez por mês ainda está muito aquém do que seria ideal para se conhecer o ambiente de uma fazenda. E, se você não se encontra dentro deste grupo, é bem provável que você conheça muito pouco seu próprio negócio.
Como exigir uma boa remuneração de um negócio que nem mesmo você, que é o proprietário conhece bem?
Isso talvez seja uma das causas da dificuldade de se demonstrar para os criadores as vantagens de utilizar touros selecionados em um programa de melhoramento genético, em que os animais foram criados em um sistema de produção semelhante aos deles e que tiveram o desempenho acompanhado desde o nascimento. Se não conhecem nem o ambiente de produção, quiçá medem o desempenho dos animais que produzem. Se seguirmos por outro caminho, assumindo que você pecuarista conheça bem o ambiente da sua fazenda e a genética do seu rebanho. O que está faltando para melhorar o resultado do seu negócio?
Primeiro – talvez falte uma definição clara de objetivos para o seu negócio;
Segundo – a utilização de ferramentas que permitam, monitorar o seu desempenho e incentivar a equipe responsável pelo alcance destes objetivos.
Conversando com os criadores, em minha última rodada de viagens às fazendas, a respeito da dificuldade de se viabilizar a pecuária como negócio, concluímos, que se alguns objetivos zootécnicos estivessem sendo alcançados, garantiriam um retorno razoável. Principalmente para um sistema estabilizado de cria, recria e engorda. Os objetivos zootécnicos seriam os seguintes:
1. Índice de desmama de 80%. Isto significa dizer que para cada 100 vacas expostas à monta temos 80 bezerros desmamados;
2. Venda dos piores 20% bezerros e bezerras à desmama;
3. Venda de todos os bois gordos até os 30 meses de idade;
4. Entrada em reprodução de 50% das fêmeas com 24 meses de idade;
5. Venda de 30% de novilhas gordas vazias até os 30 meses de idade;
6. Venda de 20% de vacas de descarte gordas – vacas que não emprenharam e que não desmamaram um bezerro por ano.
Discutidas as premissas acima chegamos a um consenso que todos estes objetivos não são difíceis de serem alcançados. E ainda que, com o exercício de aplicá-lo à realidade de cada propriedade ficou claro que o resultado do negócio ficaria bem mais interessante.
Se estes objetivos são viáveis, por que a maioria dos pecuaristas não consegue alcançá-los? Mesmo aqueles que conhecem razoavelmente bem o seu negócio.
Talvez falte estabelecer estes objetivos como metas para o negócio. Mais importante ainda é estabelecê-las como metas para avaliação de desempenho dos colaboradores (funcionários) da fazenda. São eles que interagem diretamente com os aspectos que tem real impacto no resultado, mas quase sempre são os que menos têm noção destes objetivos e da sua importância para o sistema. Que características medir para alcançar os objetivos zootécnicos descritos acima? Dentre elas sugerimos as seguintes:
1. Quantidade de fêmeas expostas à monta;
2. Quantidade de fêmeas inseminadas;
3. Quantidade de fêmeas prenhes no toque;
4. Perdas de bezerros do toque até a desmama;
5. Mortalidade de bezerros do nascimento até a desmama;
6. Peso médio aos 205 dias de idade;
7. Peso médio aos 18 meses de idade;
8. Ganho médio dos animais a cada 60 dias após os 18 meses de idade;
9. Perímetro escrotal dos machos aos 15 meses de idade;
10. Quantidade de animais vendidos por ano;
Como maneira de motivar os colaboradores pode ser elaborado um sistema de premiação com base nas metas descritas.
Além de incentivá-los a alcançar os objetivos irá diminuir o nível de rotatividade de funcionários da fazenda. Numa propriedade em que este sistema funciona, quanto menor a rotatividade maior é a quantidade de pessoas que conhecem bem o seu negócio. Porém, não é a premiação que irá garantir o sucesso deste sistema.
A valorização das necessidades básicas dos colaboradores de habitação, saúde e principalmente educação são fundamentais.
Melhorar a qualidade de vida das pessoas pela instrução e treinamento também são imprescindíveis. Mas até que ponto estes aspectos são importantes para os pecuaristas?
Com certeza o maior beneficiado disso é o próprio negócio. Quando os funcionários passam a se sentir importantes para o sistema, se desperta neles a criatividade para solucionar problemas que às vezes só quem vive o dia-a-dia do negócio consegue.
Vejam que as ferramentas para implementar este sistema existem, basta somente a “atitude”.Concluímos que as soluções para o nosso negócio estão dentro dele próprio. Todavia, quando as coisas ficam difíceis, ficamos cegos e achamos que o problema não é com a gente e acusamos os outros como culpados dos erros que cometemos. E quanto menor for a nossa capacidade de agir sobre o acusado melhor é a desculpa. É um mecanismo de defesa bem conveniente. A intenção deste texto é justamente alertá-los sobre a necessidade cada vez maior de nos aprofundarmos a respeito do conhecimento do nosso negócio.
Motivar os funcionários neste sentido é uma ferramenta poderosa para alcançar este conhecimento. É um desperdício enorme não desenvolver um sistema que valorize a equipe de trabalho e que com certeza resulta em ganhos enormes para a empresa. Valorizar não significa pagar um bom salário ou somente dar prêmios. Ser reconhecido, treinado e incentivado a vencer desafios pode ser muito mais gratificante para qualquer ser humano.
Desejo a todos um Feliz Natal e um Ano Novo bem melhor para todos nós ligados ao boi.
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1Leonardo Souza é médico veterinário e diretor do Núcleo de Zootecnia
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Perfeito o que foi dito pelo Leonardo, talvez o primeiro passo a ser dado seja realmente a profissionalização do setor.
O produtor tem que tornar sua propriedade mais eficiente e para isso tem que conhecer seu negócio, fazer planejamento para suas ações, ter uma gestão eficiente de sua mão de obra, entre outros aspectos administrativos.
Mesmo porque hoje, não basta o olho do dono para engordar a boiada. E os profissionais da área também tem que trazer esse desafio para eles, veterinários, zootecnistas e agronomos tem que trabalhar usando o gerenciamento estartégico como uma ferramenta do cotidiano.
Mas com relação ao setor, se tivéssemos um mercado interno forte e consumidor, com certeza a situação poderia ser melhor.
Sem dúvida é primordial olhar para dentro do próprio negócio e aumentar sua eficiência ao máximo. Há muito o que fazer neste sentido.
Entretanto, recentemente ouvi do Dr. Armindo N. Kichel – EMBRAPA -CNPGC, no Canal Rural, um desabafo quando reclamou de frigorífico no MS, que abateu animais provenientes de experimento com novilhos precoces daquele órgão, nas palavras dele “da melhor qualidade existente no país, digno de servir banquete ao PAPA João Paulo” e que foram classificados com deságio por não atingirem 15@ ao 20 meses.
Este fato não foi noticiado pela mídia, donde representantes no Congresso, jornalistas, repórteres, etc. se abstiveram de comentar o assunto.
Quando tais fatos ocorrem;
– quando o presidente do INCRA diz que o agronegócio tem a ver com mortes em acampamento de sem terras;
– quando o poder aquisitivo da população perde 30% do seu poder de compra em 8 anos;
– quando casos como o do Margen e várias operações da Polícia Federal acabam em pizzas como diz Bóris Casoy;
– quando congressistas leigos discutem assuntos profundos e complexos como a transgenia e clonagem sem ouvir a manifestação de cientistas;
– quando tiram pessoas das periferias dos grandes centros para jogá-ls num pequeno pedaço de chão a título de “tudo pelo social” e o poder público não tem dinheiro e pessoal sequer para orientá-los;
– quando pequenos produtores perdem seus imóveis para bancos pela inviabilidade de se sustentarem;
– quando o seguro na atividade agrícola é uma ilusão;
– quando o crédito é caro, de difícil acesso e escasso;
– quando o capital que espolia é mais importante que o trabalho e a produção que geram riquezas;
– quando o sistema financeiro com renda líquida de 25-30% a.a. sobre o patrimônio coloca “boa parcela da população” em intermináveis filas de atendimento nas agências bancárias e, ao invés de contribuir socialmente para diminuir o desemprego faz o contrário e ainda as retém nas filas;
– quando temos um sistema de classificação de carcaças no papel há décadas e não funciona até hoje;
– quando… quando… quando! Como se defender de tudo isto e ainda ser mais eficiente?
O produtor é sempre cobrado e instigado a produzir mais e melhor, e muitas vezes ele arma a corda para sua própria forca. A taxa de eficiência no campo, através do aumento de produtividade é das que está entre os melhores desempenhos dentre a grande maioria dos diversos segmentos no país. Veja-se aumento de produção X área plantada; diminuição da idade de abate de bovinos; aumento de desfrute do rebanho.
A ele, produtor, só teriam de orientar para que praticasse o velho ditado mineiro: “não importa quando nóis ganha, importa quanto nóis guarda”. O resto chega no lugar.