Foi-se o tempo em que bastava deixar o boi no pasto por 4 ou 5 anos para se ter resultados satisfatórios e uma renda suficiente para manter uma família. Atualmente, a demanda do mercado consumidor por carne de qualidade, a preços competitivos e com impacto ambiental reduzido tem pressionado a cadeia produtiva da carne bovina a se organizar melhor. Por Mariana de Aragão Pereira (Embrapa Gado de Corte, Campo Grande, MS)
Por Mariana de Aragão Pereira (Embrapa Gado de Corte, Campo Grande, MS)
Foi-se o tempo em que bastava deixar o boi no pasto por 4 ou 5 anos para se ter resultados satisfatórios e uma renda suficiente para manter uma família. Atualmente, a demanda do mercado consumidor por carne de qualidade, a preços competitivos e com impacto ambiental reduzido tem pressionado a cadeia produtiva da carne bovina a se organizar melhor. Além disso, tem havido maior fiscalização por parte dos órgãos ambientais, aumento da competição por terra para outros fins agrícolas e imposição de barreiras sanitárias e não sanitárias às carnes brasileiras.
Em resposta a esses desafios, o pecuarista brasileiro buscou inovar e melhorar a produtividade de seus sistemas de produção. Isso fica claro quando se compara os censos agropecuários de 1996 e 2006. O rebanho bovino cresceu de 153 para 170 milhões de cabeças ao passo que a área de pastagem diminuiu de 177 para 172 milhões de hectares. Isso significa que a lotação média passou de 0,86 para 0,99 cabeças/ha. Nesse mesmo período, a produção de carne aumentou de 6,4 para 7,4 milhões de toneladas (ANUALPEC, 2006), viabilizando a participação definitiva do Brasil no mercado de exportação.
Apesar do grande salto tecnológico observado no setor produtivo como um todo, esse desempenho excepcional da pecuária não tem sido uniforme, visto que vários pecuaristas ainda hoje enfrentam dificuldades no manejo das pastagens, na nutrição animal, no controle de endo e ectoparasitas, no melhoramento genético do rebanho ou na comercialização do gado. O que chama a atenção é que existem diversas soluções tecnológicas já disponíveis para atender essas e outras demandas da cadeia produtiva. Muitas vezes elas não são colocadas em prática porque a gestão da propriedade não dá o suporte necessário à tomada de decisão. Muitas fazendas pecam por não terem o nível de controle adequado dos seus recursos, por não apresentarem um planejamento de longo prazo ou conduzirem análises essenciais para o direcionamento do negócio pecuário. O resultado é a desinformação, e com ela, o desempenho insatisfatório.
Para superar essa dificuldade, é preciso que o pecuarista passe a ver a fazenda como uma empresa e a entenda melhor do ponto de vista administrativo. Dessa forma, será possível determinar com maior eficiência quais das tecnologias disponíveis se aplicam à sua propriedade e garantem melhor retorno ao investimento. Na prática, algumas condições devem ser observadas:
1. Habilidade gerencial: é a aptidão, natural ou adquirida, do pecuarista para gerenciar o empreendimento rural. A habilidade gerencial envolve fatores como inteligência, intuição, capacidade adaptativa, noções de matemática, percepção espacial (ex. estimação visual da disponibilidade de forragem), relações interpessoais, senso crítico, capacidade analítica entre outros.
Alguns produtores têm mais habilidade gerencial do que outros. No caso daqueles que têm pouca habilidade, a busca por capacitação é uma saída. Para aqueles que não têm o perfil (ou gosto) para administrar o próprio negócio, algumas alternativas são a capacitação de alguém da família ou de um funcionário com perfil para o trabalho gerencial ou ainda a contratação dos serviços de consultoria especializada em gestão.
2. Práticas de rotina em gestão: para se estabelecer práticas adequadas de gestão é necessário, antes de tudo, conhecer a propriedade rural a fundo, isto é, mapear o patrimônio global da fazenda (benfeitorias, máquinas, equipamentos, área total e sua ocupação, todas as categorias animais, investimentos financeiros etc.). Os dados gerados no dia-a-dia, como por exemplo, as compras de insumos ou as ocorrências zootécnicas, também devem ser coletados e armazenados.
A partir desse mapeamento, indicadores de desempenho podem ser definidos, acompanhados, analisados e redimensionados, se for o caso. Esse processo constitui a essência da gestão, pois o processamento dos dados gera informações relevantes à tomada de decisão, permitindo a otimização no uso dos recursos. Por meio da análise continuada e comparativa das informações, a habilidade gerencial do pecuarista tende a aumentar, pois ele/ela aprende com experiências passadas e aprimora seu entendimento global das inter-relações dos sistemas biológicos, climáticos, mercadológicos etc.
3. Ferramentas de gestão: existem diversas ferramentas, tanto tradicionais (ex. papel, caneta e calculadora) quanto modernas (software ou serviço remoto online), de suporte à gestão de propriedades rurais. Em geral, elas se dividem em duas categorias: ferramentas de controle e ferramentas de planejamento e simulação. Além de relatar todos os recursos disponíveis, as ferramentas de controle permitem o acompanhamento dos índices zootécnicos, da performance financeira, do desempenho da mão-de-obra ou do maquinário entre outros indicadores.
Já as ferramentas de planejamento e simulação, fazem uso de cenários para indicar ao pecuarista qual o caminho mais interessante a seguir no futuro. Desse modo, é possível se determinar, por exemplo, se o ideal para uma fazenda específica é fazer pecuária de ciclo completo ou apenas engorda. Pode-se também planejar os investimentos ao longo do ano identificando os momentos em que o fluxo de caixa estará negativo e que um financiamento pode ser necessário.
4. Plano tecnológico: outro fator essencial para a gestão da propriedade rural é a definição do plano tecnológico. Partindo dos objetivos pessoais e empresariais do pecuarista, e ainda considerando os recursos disponíveis, define-se em termos gerais o nível tecnológico em que se pretende operar: baixo, médio ou alto.
O nível tecnológico baixo normalmente é o de menor risco por requerer baixo investimento. Porém, do ponto de vista econômico, a renda pode ficar prejudicada dado o baixo desfrute. No outro extremo, está o nível tecnológico alto, onde o giro de capital e a rentabilidade normalmente são maiores, assim como o risco. O nível tecnológico médio apresenta- se intermediário nessas duas dimensões. Estabelecido o nível tecnológico, passa-se a se decidir pelas tecnologias individuais a serem adotadas. Nessa escolha, diversos aspectos devem ser levados em conta: compatibilidade com o sistema de produção e o nível tecnológico almejado, custo de implantação/aquisição (e manutenção, se for o caso), necessidades de capacitação para uso da tecnologia, melhoria nos processos produtivos (ex. tempo de execução da tarefa, logística, redução de desperdício etc.) e o resultado econômico esperado.
Outros fatores que têm ganhado cada vez mais destaque na adoção de novas tecnologias e devem ser observados pelos pecuaristas são o impacto ambiental potencial e o efeito nas condições de trabalho dos empregados (aspecto social).
Todo pecuarista, à seu modo, faz gestão. Porém, quando se tem um entendimento, pelo menos básico, dos quatro fatores acima mencionados é possível organizar melhor o processo gerencial na propriedade rural. Como o próprio nome diz, gerenciamento é um processo contínuo e como tal deve estar sempre evoluindo para atender as necessidades específicas de cada pecuarista individualmente.
Atualmente, existem soluções gerenciais para atender às demandas, das mais básicas às mais avançadas, em gestão de propriedades rurais. Atenta a essa necessidade, a Embrapa Gado de Corte tem disponibilizado diversas ferramentas de gestão para a bovinocultura de corte, incluindo publicações e software nessa área. Na página da Embrapa Gado de Corte (www.cnpgc.embrapa.br), é possível acessar, imprimir ou fazer download de todos esses trabalhos gratuitamente. Alguns exemplos são as fichas de controle zootécnico contidas na Série Documentos 132 (Corrêa et al., 2002), o software de controle financeiro em pecuária de corte, Controlpec®, e os software de simulação de resultados Gerenpec® e Embrapec®. Esses dois últimos permitem que o pecuarista simule mudanças nos indicadores ou no manejo da propriedade e observe o impacto de longo prazo nas pastagens, ganho de peso, margens econômicas entre outros.
Agora é só começar a praticar. Boa gestão!
Referências
ANUALPEC. Anuário da Pecuária Brasileira. São Paulo: Instituto FNP, 2006. p. 86
Corrêa, E. S., Costa, F. P., Amaral, T. B., Cezar, I. M. Fichas para controle zootécnico de bovinos de corte. Campo Grande: Embrapa Gado de Corte, 2002. 30 p. (Documentos,132).
3 Comments
Ótima matéria Mariana!.. realmente nosso NEGÓCIO a pecuária necessita desse modelo profissional e empresarial que chama GESTÃO!!
Sucessos!!!
Parabéns pela matéria; já passou da hora dos pecuaristas assimilarem que uma propriedade rural, tem de ser administrada como uma empresa, com um planejamento adequado, liderança e capacidade de execução desse planejamento.Já passou da hora de, fazermos uma pecuária mais moderna, maximizando nossa produção.
Material muito bem feito. Gestão de fazenda ou aprende ou fica fora do mercado