Como componente fundamental de qualquer economia, a oscilação da moeda que serve como base de troca nas negociações sempre foi e será alvo de expectativas, seja dos organismos governamentais, seja do empresariado, do assalariado e daqueles que nem fonte de renda têm, uma vez que oscilações bruscas no valor das moedas dos países afetam até o cidadão mais humilde da sociedade moderna.
E assim tem sido no Brasil e em especial na atividade pecuária que se desenvolve no país.
Endividado
Inserida dentro de um país extremamente endividado junto à inúmeros credores internacionais, a pecuária sofre com os altos e baixos do real desde que foi implantado. Mais sofre do que ganha com essas oscilações.
Entra ano e sai ano e a torcida é para que o dólar suba, pois assim daria aos frigoríficos exportadores condições de pagarem preços melhores pela arroba, aumentando a rentabilidade.
Expectativa
A expectativa tem fundamento, uma vez que o raciocínio é lógico: com o real se desvalorizando frente ao dólar, o frigorífico pode diminuir um pouco o preço em dólar da tonelada de carne exportada e com isso aumentar seu faturamento, “premiando” o pecuarista com preços melhores, afinal ele é o grande fornecedor deste valioso produto (carne bovina).
Realidade
Porém, a realidade não é essa para quem tem o boi. Se em parte os números comprovam que as exportações aumentam com o real desvalorizado, o repasse deste aumento de faturamento dos frigoríficos para o pecuarista é invisível quando se fala em moeda nacional.
O gráfico 1 mostra com clareza a evolução de preço da arroba desde janeiro de 1998 até o final de 2003.
Gráfico 1: Evolução do preço da arroba do boi gordo x cotação do dólar
Assim foi no início da maxi-desvalorização cambial de 1999, onde o dólar saiu de patamar próximo de R$1,20 para R$2,00, levando o boi a ter forte alta nos meses de janeiro à março, pleno início de safra.
Passado o recuo típico de maio/1998 e mantido o câmbio no patamar de R$2,00 por US$1,00, a arroba deu um salto de 33% na entressafra, saindo da casa dos R$30,00 para R$40,00. Em dólares, a arroba pulou de US$16,00, a prazo, para US$22,00.
Atentado
O mesmo efeito pode ser observado por ocasião do atentado de 11 de setembro em Nova York (EUA).
A insegurança gerada, em nível mundial, com relação à economia, resultou em forte injeção de dinheiro de investidores em commodities, com altas expressiva no café, cacau e soja. No boi a alta no mercado físico também foi notável, com a arroba saindo de R$44,00 para R$60,00, à prazo.
Esse aumento foi influenciado, em grande parte, pela alta do dólar e pelo aumento das exportações brasileiras, conforme pode ser visualizado no gráfico 2.
Gráfico 2: Evolução da exportação de carne bovina (em faturamento) e do dólar 1998 a 2003
Em questão de 6 anos (de 1998 até 2003) o Brasil deu um salto gigantesco no mercado mundial de carnes em geral e, particularmente, no de carne bovina.
De uma exportação que rendia, em 1998, US$573,00 milhões ao país, com 370 mil toneladas em equivalente carcaça embarcadas, o Brasil fechou 2003 com valor recorde de exportação, faturando US$1,50 bilhão com a venda de 1,26 milhão de toneladas de carne em equivalente carcaça.
Aumento de 164% em faturamento e 240% em volume. Tornamo-nos então o maior exportador mundial de carne bovina em volume.
Margem
Quando se pensa em termos de moeda nacional, a margem abocanhada pelos frigoríficos é ainda maior.
Em 1998, os US$573,00 milhões faturados equivaliam a R$665,00 milhões (R$1,00 = US$1,16).
Em 2003, o US$1,5 bilhão faturado equivaleu a R$4,062 bilhões (R$1,00 = US$3,08).
Aumento de quase 600% em moeda nacional em 6 anos.
No mesmo período a arroba saiu de um preço médio de R$28,00 para R$57,00 (São Paulo), reação ligeiramente superior a 100%.
Meio do caminho
Daí conclui-se que existe um vácuo no caminho, onde o faturamento com as exportações aumentou 600%, e a alta da arroba foi de somente 100%.
Se considerarmos que no período a variação do IGP-M foi positiva em 102%, conclui-se que a arroba está subindo exatamente o valor da inflação, e o pecuarista está somente trocando dinheiro.
E não vamos colocar o custo de oportunidade do capital investido, num país onde estivemos por muito tempo com uma taxa Selic de mais de 20% ao ano.
Custo
Não bastasse isso, a alta do dólar influencia diretamente no custo de boa parte dos insumos utilizados na pecuária, seja na cria, recria ou engorda.
Quem precisa comprar farelo de soja, milho, fosfato bicálcico, defensivos agrícolas e qualquer outro insumo importado, ou que tenha seu preço atrelado à moeda norte-americana, sabe do que estamos falando.
E mais curioso ainda é o fato de que quando pegamos o exemplo da soja, quando o dólar está em alta, os preços sobem. Porém, quando o contrário acontecesse, os preços não recuam na mesma proporção.
Esse “privilégio” não é somente daqueles que trabalham na atividade pecuária. É notório que em todo o agronegócio, quem obtém a maior margem não é quem fica “dentro da porteira” mas sim quem está fora, que vende para o consumidor.
Não assumem o risco da produção, das pragas, das chuvas, da quebra de safra, da falta de crédito, das “vacas loucas” e outros males que atingem a atividade, e ainda assim são os que mais ganham, agregando somente preço ao produto que chega na gôndola do super-mercado.
Produtividade
A solução para amenizar todo esse déficit na “balança comercial” do pecuarista continua sendo a receita de sempre: investimento em tecnologia e aumento de produtividade, buscando a diminuição de custos para assim obter melhorias de rentabilidade.
Ferramentas de proteção
O mercado financeiro oferece um amplo leque de instrumentos de proteção ao pecuarista, seja ela na forma cambial, através de contratos futuros de dólar, seja na garantia de preços futuros que o mercado oferece.
Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) a atuação de pecuaristas fazendo hedge de preço é pequena e este mercado é visto com muita desconfiança, o que não deveria ocorrer.
Em outubro do ano passado foi possível fazer hedge de boi gordo para vender em dezembro a R$68,00/@. Quem não fez e pagou para ver, em dezembro teve que se render aos R$60,00 pela arroba do boi gordo em São Paulo.
Enquanto nos EUA e na Europa o seguro de produção e preço é incentivado e quase que obrigatório, em nosso país ainda se desconfia dessa mecânica. Fica difícil cobrar maior organização do Estado, melhor política de preços e mais crédito se nem mesmo sabemos quanto se ganha na atividade.
Dólar em alta só é bom para quem compra boi, em baixa favorece somente quem importa…. e não repassa o preço mais baixo para o comprador.