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22 de julho de 2005

O agronegócio poderia administrar melhor suas crises

Por Belmiro Ribeiro da Silva Neto1

Está ficando evidente que mais do que qualquer outro setor de nossa economia, o agronegócio tem vivenciado um imenso número de crises nos últimos tempos, com sérios reflexos negativos para sua imagem e para os bolsos de todos os envolvidos. Vamos nos lembrar de algumas crises recentes: a enganosa e demagógica, porém prevalecente, idéia de que o crescimento da produção brasileira de carne e de grãos se dá à custa da devastação da floresta amazônica pode redundar no boicote aos produtos brasileiros no exterior; a descoberta de um pequeno foco de aftosa no extremo norte do país emperrou todo o processo de exportação brasileira de carne bovina; alegações sobre focos de doenças em suínos no sul do país colocaram em suspeição toda a produção nacional; o aparente desconhecimento da opinião pública sobre a realidade positiva do setor gera a necessidade de se fazer “tratoraços” para sensibilizar o governo a assisti-lo em suas dificuldades.

Crises e mais crises que, certamente, poderiam ter sido evitadas ou minimizadas se houvesse maior empenho do setor em realizar um trabalho dedicado e constante de monitoramento, planejamento e administração das causas e efeitos dessas tantas crises.

Toda crise contém aspectos drásticos que a mídia nacional e internacional sabe que causam forte impacto nas audiências e por isso dedica grande parte de seu espaço para divulgar crises. Isso se ampliou ainda mais com o avanço da tecnologia de comunicação e hoje as crises são divulgadas rapidamente pela internet e pelos noticiários de TV, chegando às partes mais remotas do mundo em questão de instantes. Esse cenário de globalização e de rapidez criou nas organizações a necessidade de agir de forma proativa (e reativa) e desenvolver maior capacidade de enfrentamento das crises.

As crises têm algumas características em comum. No princípio, surge um assunto que tem o potencial de se tornar crise e que fica restrito ao conhecimento de poucas pessoas mais próximas e familiarizadas com uma determinada atividade ou organização. Se não detectado e resolvido, o assunto passa gradualmente ao conhecimento de públicos menos próximos e acaba sendo captado pela mídia que o divulga ao grande público.

Com a crise instalada, as autoridades e líderes de opinião se posicionam publicamente e a mídia pressiona por mais informações e declarações, acirrando o debate público que, se não for bem conduzido, pode macular a reputação do setor e emperrar suas atividades – como aconteceu em passado recente com as exportações de carnes e, agora, com essas absurdas acusações de que o crescimento espetacular de nossa produção agropecuária se dá custas à da floresta amazônica (ora bolas!).

Após a crise atingir o seu maior impacto, segue-se, então, um período de busca de soluções e, dependendo de sua gravidade, vai perdendo importância até acabar ou ficar esquecida.

Muitos organizações se atrapalham durante as crises. Suas lideranças não se preparam e erram ao responder com informação insuficiente ou contraditória, sem coordenação interna ou por utilizarem somente a mídia espontânea, não paga e sem qualquer controle, como único veículo de comunicação com seus públicos. Diante da surpresa de uma crise, a tendência é a de a organização entrar em pânico na medida em que é incapaz de responder ao forte assédio da mídia e dos públicos afetados.

Assim sendo, por que não se preparar antecipadamente para as crises potenciais?

Ainda que os planos preparados com antecipação nunca sejam completos, porque as crises nem sempre são iguais, eles certamente ajudam a agir logo no começo do ciclo da crise ou na fase que precede a eclosão desta. Com um bom plano e pessoal preparado é possível minimizar os problemas de comunicação. Agindo de forma planejada e com conteúdo, mesmo problemas com potencial de se tornarem crises graves podem ser esclarecidos, entendidos, perdoados e esquecidos pelo público.

Daí, a importância de se trabalhar profissionalmente no planejamento e identificar quais são as crises em potencial do setor do agronegócio e quais de seus segmentos poderiam ser mais afetados; identificar que públicos seriam mais atingidos por essas crises; avaliar os riscos para a continuidade de suas atividades; coletar, analisar e disponibilizar todo tipo de informação pertinente para se ter uma dimensão correta da crise; identificar as pessoas e entidades com credibilidade pública que possam dar seu apoio ao setor; definir o fluxo de comunicação com os principais públicos; escolher os meios de comunicação mais efetivos e não ficar só nas mãos da mídia espontânea; definir e treinar os seus porta-vozes e equipes de pessoal para cada tipo de crise; a comunicação em situações de crise deve ter uma abordagem centralizada; definir claramente quem lidera o processo e colocar recursos à sua disposição e, finalmente, trabalhar bastante, com a cabeça e com os braços, como se faz no campo do Brasil que trabalha.

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1Belmiro Ribeiro da Silva Neto é professor de Marketing e Comunicação Corporativa da Fundação Getúlio Vargas e Produtor Agrícola.

0 Comments

  1. Ricardo Vinhas disse:

    Prezado Belmiro,

    Concordo com tuas colocações é inaceitável a forma com que são tratados assuntos estruturais como, por exemplo, a cadeia do agronegócio que por falta de uma política agrícola definida de médio e longo prazo ocorrem percalços que são pagos por quebradeira de produtores, que acabam causando danos irreversíveis em muitos setores.

    A irresponsabilidade leva a situação atual: prorrogamento de custeio, renegociação de dívidas, desemprego direto e indireto, diminuição na produção, causando também reflexos negativos nas exportações consequentemente no saldo da balança comercial.

    Todos estes fatores que estamos cansados de saber são tratados de forma amadora, ou melhor, irresponsável por parte dos governantes.

    Será que ainda não chegamos ao momento de amadurecer nossa Democracia e desta forma exercer maiores cobranças sobre nossas lideranças bem como os governantes…

    Continuaremos nós produtores pagando a conta por falta de visão de nossos pseudos líderes!

    Poderíamos abordar outros assuntos que afrontam a População Brasileira, como o descaso com relação à administração das verbas públicas em vários setores enquanto isto milhões de servidores honestos não tem condições de desenvolver um trabalho digno ou por falta de salários adequados ou por falta de investimentos estruturais básico.

    Que maravilhoso é este país que ainda cresce com todas estas amarras.

    Atenciosamente,

    Ricardo Vinhas

  2. Betina disse:

    Normalmente sou a primeira a dizer que o setor agropecuário deveria unir-se e organizar-se melhor, mas desta vez sinto-me na obrigação de defendê-lo.

    Concordo que se o setor fosse mais organizado a crise poderia ter sido minimizada, mas discordo que monitoramento, planejamento e administração de causas sanitárias, sejam de responsabilidade do produtor, principalmente pelo valor econômico e político que estas causas representam para o país.

    Isto sem mencionar que de certa forma os produtores em geral (pecuaristas e agricultores), são os que mais estão pagando pela supervalorização do dólar em nosso país, e mesmo produzindo mais com melhor qualidade, são sempre os últimos a receberem por isso. No caso da carne, ainda são obrigados a implantar controles como a rastreabilidade, onde os custos são todos atribuídos ao produtor, controles estes que se bem implantados neste momento deveriam fazer a diferença e dar total apoio ao produtor.

    Num momento destes, jogar toda a culpa, ou grande parte dela no produtor, dizendo que este deva “identificar as pessoas e entidades com credibilidade pública que possam dar seu apoio ao setor”, chega a ser hilário!

    Concordo que temos produtores que não fazem a vacinação como deveriam, mas nas fronteiras com países como o Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia e outros, falta combustível nos veículos do MAPA, não há fiscalização suficiente. Em momentos críticos como esse que estamos vivenciando, o controle das vacinas produzidas por indústrias nacionais e multinacionais feito pelo governo, poderia estar sendo questionado quanto à sua eficácia e critérios e tantos outros itens como estes poderiam ser citados. Assim, me pergunto: onde realmente está a falta de interesse e de comunicação?

    Betina Lutz
    Zootecnista e Produtora Rural

  3. Alfredo Tavares Fernandez disse:

    Não sou ecologista tampouco defensor do governo, mas gostaria de deixar como herança para o meu filho um mundo melhor.

    Gostaria que o sr. me explicasse o porque do “ora bolas” se realmente, a pecuária está se expandindo para a região Norte, principalmente no Pará? O governo não cuida de nada, inclusive do maior patrimônio do planeta.

    Sempre seremos usados pelos países desenvolvidos? Nossa carne é barata por quê? Nosso sistema de produção é fraco! Os pecuaristas são retrógrados ou o governo que é incompetente? O solo amazônico é pobre. Teremos que devastar para manter o custo de produção baixo ou isto é apenas uma justificativa para que depois da floresta devastada possa se explorar o subsolo?

    Se o boi verde é saudável, por que os EUA, que tem dimensão territorial suficiente para criar a pasto, prefere castrar, confinar e usar hormônios enquanto nós produzimos o boi verde sem BSE mas com febre aftosa?

    Gostaria de uma resposta porque para combater a demagogia temos que ter fundamentos sólidos.

    Obrigado

    Resposta do autor

    Prezado Sr. Alfredo:

    “Ora bolas” é um desabafo pessoal para a generalização descabida e irresponsável que fazem à pecuária nacional.

    Embora conheça melhor o sul do país, tenho visto em minhas visitas ao centro-norte inúmeros pecuaristas que produzem de forma sustentável, usam boa genética, cuidam dos pastos e aprimoram o manuseio do rebanho. A inestimável contribuição dessa gente ao nosso país, na minha opinião, é o melhor argumento sólido que posso oferecer.

    Prof. Belmiro