
A nova investida do presidente Donald Trump contra as grandes processadoras de carne bovina dos Estados Unidos elevou a temperatura de um debate complexo que mistura inflação, concentração de mercado, soberania alimentar, política eleitoral e relações internacionais. Na sexta-feira (7), o presidente determinou oficialmente que o Departamento de Justiça (DOJ) abra uma investigação sobre supostas práticas de manipulação de preços, fixação de valores e conluio ilícito por parte das gigantes do setor — especialmente as que têm capital estrangeiro. A acusação mira diretamente empresas que dominam o processamento de carne no país, como JBS, Cargill, Tyson Foods e National Beef (controlada pela brasileira Marfrig).
Donald J. Trump (@realDonaldTrump)
“Pedi ao Departamento de Justiça (DOJ) que inicie imediatamente uma investigação sobre as empresas de processamento de carne que estão elevando o preço da carne bovina por meio de conluio ilícito, combinação de preços e manipulação de preços.
Sempre protegeremos nossos pecuaristas americanos, e eles estão sendo culpados pelo que está sendo feito por frigoríficos majoritariamente controlados por estrangeiros, que inflacionam artificialmente os preços e colocam em risco a segurança do abastecimento alimentar da nossa nação. Ações precisam ser tomadas imediatamente para proteger os consumidores, combater monopólios ilegais e garantir que essas corporações não estejam lucrando ilegalmente às custas do povo americano. Estou pedindo ao DOJ que atue com rapidez. Obrigado pela atenção a este assunto!”
A mensagem veio embalada por um discurso nacionalista e por um aviso direto: as supostas práticas dessas empresas estariam pressionando os consumidores americanos, prejudicando pecuaristas e “colocando em risco a segurança alimentar da nação”. A reação ocorre em um momento crítico. Os preços da carne bovina nos EUA atingiram patamares históricos em 2024 e 2025, provocando desgaste político e desconforto entre os eleitores — especialmente após republicanos sofrerem derrotas recentes em eleições estaduais, onde o custo de vida foi apontado como tema decisivo.
Mas, apesar do tom enérgico, essa mudança de foco tem um contexto mais amplo que ajuda a entender tanto a ação do governo quanto a reação do setor.
Trump passou semanas anteriores defendendo publicamente que os produtores de gado deveriam baixar o preço do gado vivo para ajudar a conter os valores no supermercado. A proposta irritou profundamente associações como a National Cattlemen’s Beef Association (NCBA) e a United States Cattlemen’s Association (USCA), que acusaram o governo de desconhecer a realidade econômica da pecuária.
A situação se agravou quando Trump sugeriu quadruplicar as importações de carne bovina da Argentina, numa tentativa de aumentar a oferta interna e, assim, derrubar preços ao consumidor. Para a base rural, o recado soou como uma traição: além de não ajudar nas gôndolas, importações maiores poderiam derrubar os preços pagos aos pecuaristas americanos.
Diante desse desgaste e buscando recuperar terreno político, o governo direcionou as críticas para outro alvo: as processadoras de carne.
O mercado de processamento de carne bovina nos EUA é um dos mais concentrados do mundo. As quatro gigantes — JBS, Tyson, Cargill e National Beef — controlam cerca de 85% de toda a capacidade de abate do país. Em 1980, esse percentual era de apenas 36%. A consolidação da indústria nas últimas décadas reduziu a competição e ampliou o poder de barganha dos grandes frigoríficos frente aos produtores.
Essas empresas já enfrentam uma série de processos federais e estaduais por suposta coordenação de preços, restrição proposital de capacidade e práticas que teriam reduzido pagamentos aos ranchers. McDonald’s, um dos maiores compradores de carne bovina do mundo, é um dos que moveram ações acusando os frigoríficos de inflacionar preços artificialmente.
Do lado da indústria, a resposta veio rápido. A Meat Institute, entidade que representa os frigoríficos, afirmou que o setor opera em um dos ambientes mais regulados do país e que “as transações são transparentes”. A entidade também alegou que, apesar dos altos preços ao consumidor, os frigoríficos estariam perdendo dinheiro, já que o preço do boi gordo alcançou níveis recordes com a escassez de oferta.
A alta da carne bovina nos EUA não é apenas resultado da concentração industrial. Há fundamentos claros:
Com oferta restrita, custos recordes e demanda firme, a pressão de preços é inevitável.
Para compensar a escassez interna, os EUA recorreram cada vez mais ao mercado internacional. Dados do ERS/USDA mostram que em 2024 as importações alcançaram 2,10 bilhões de quilos, o maior volume da história americana. Canadá, Austrália, México, Brasil e Nova Zelândia lideram o fornecimento.
Os principais exportadores incluem:
A Argentina, embora tenha sido colocada no discurso político, não figura entre os grandes fornecedores reais — aumentando a suspeita de que sua menção tem mais valor simbólico do que prático.
O aumento da dependência externa ajuda os EUA a manter a indústria de processamento ativa, mas também torna o sistema mais vulnerável a sanções, oscilações cambiais e choques geopolíticos, algo que o próprio discurso da Casa Branca agora tenta explorar.
A investigação aberta pelo DOJ será conduzida por:
Além da carne bovina, o DOJ também investiga possível cartel no setor de ovos, mostrando que “pocketbook issues” — temas que afetam diretamente o bolso do consumidor — são prioridade desta gestão.
A ofensiva de Trump escancara a complexidade da cadeia da carne nos EUA:
No fim, o discurso político muda mais rápido que o ciclo pecuário e a carne bovina segue no centro da mesa, da inflação, da geopolítica e da eleição americana.
Fontes: Casa Branca, BBC, Reuters e Forbes, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.