Redução de custos estimula confinamento de gado no Brasil
10 de novembro de 2025

Trump aciona investigação contra frigoríficos estrangeiros e reacende debate sobre preços da carne nos EUA

A nova investida do presidente Donald Trump contra as grandes processadoras de carne bovina dos Estados Unidos elevou a temperatura de um debate complexo que mistura inflação, concentração de mercado, soberania alimentar, política eleitoral e relações internacionais. Na sexta-feira (7), o presidente determinou oficialmente que o Departamento de Justiça (DOJ) abra uma investigação sobre supostas práticas de manipulação de preços, fixação de valores e conluio ilícito por parte das gigantes do setor — especialmente as que têm capital estrangeiro. A acusação mira diretamente empresas que dominam o processamento de carne no país, como JBS, Cargill, Tyson Foods e National Beef (controlada pela brasileira Marfrig).

Donald J. Trump (@realDonaldTrump)
“Pedi ao Departamento de Justiça (DOJ) que inicie imediatamente uma investigação sobre as empresas de processamento de carne que estão elevando o preço da carne bovina por meio de conluio ilícito, combinação de preços e manipulação de preços.
Sempre protegeremos nossos pecuaristas americanos, e eles estão sendo culpados pelo que está sendo feito por frigoríficos majoritariamente controlados por estrangeiros, que inflacionam artificialmente os preços e colocam em risco a segurança do abastecimento alimentar da nossa nação. Ações precisam ser tomadas imediatamente para proteger os consumidores, combater monopólios ilegais e garantir que essas corporações não estejam lucrando ilegalmente às custas do povo americano. Estou pedindo ao DOJ que atue com rapidez. Obrigado pela atenção a este assunto!”

A mensagem veio embalada por um discurso nacionalista e por um aviso direto: as supostas práticas dessas empresas estariam pressionando os consumidores americanos, prejudicando pecuaristas e “colocando em risco a segurança alimentar da nação”. A reação ocorre em um momento crítico. Os preços da carne bovina nos EUA atingiram patamares históricos em 2024 e 2025, provocando desgaste político e desconforto entre os eleitores — especialmente após republicanos sofrerem derrotas recentes em eleições estaduais, onde o custo de vida foi apontado como tema decisivo.

Mas, apesar do tom enérgico, essa mudança de foco tem um contexto mais amplo que ajuda a entender tanto a ação do governo quanto a reação do setor.

Pressão política e contradições internas: o preço da carne virou arma eleitoral

Trump passou semanas anteriores defendendo publicamente que os produtores de gado deveriam baixar o preço do gado vivo para ajudar a conter os valores no supermercado. A proposta irritou profundamente associações como a National Cattlemen’s Beef Association (NCBA) e a United States Cattlemen’s Association (USCA), que acusaram o governo de desconhecer a realidade econômica da pecuária.

A situação se agravou quando Trump sugeriu quadruplicar as importações de carne bovina da Argentina, numa tentativa de aumentar a oferta interna e, assim, derrubar preços ao consumidor. Para a base rural, o recado soou como uma traição: além de não ajudar nas gôndolas, importações maiores poderiam derrubar os preços pagos aos pecuaristas americanos.

Diante desse desgaste e buscando recuperar terreno político, o governo direcionou as críticas para outro alvo: as processadoras de carne.

A estrutura do mercado: poucos frigoríficos, muito poder

O mercado de processamento de carne bovina nos EUA é um dos mais concentrados do mundo. As quatro gigantes — JBS, Tyson, Cargill e National Beef — controlam cerca de 85% de toda a capacidade de abate do país. Em 1980, esse percentual era de apenas 36%. A consolidação da indústria nas últimas décadas reduziu a competição e ampliou o poder de barganha dos grandes frigoríficos frente aos produtores.

Essas empresas já enfrentam uma série de processos federais e estaduais por suposta coordenação de preços, restrição proposital de capacidade e práticas que teriam reduzido pagamentos aos ranchers. McDonald’s, um dos maiores compradores de carne bovina do mundo, é um dos que moveram ações acusando os frigoríficos de inflacionar preços artificialmente.

Do lado da indústria, a resposta veio rápido. A Meat Institute, entidade que representa os frigoríficos, afirmou que o setor opera em um dos ambientes mais regulados do país e que “as transações são transparentes”. A entidade também alegou que, apesar dos altos preços ao consumidor, os frigoríficos estariam perdendo dinheiro, já que o preço do boi gordo alcançou níveis recordes com a escassez de oferta.

Seca histórica, pastos queimados e o menor rebanho em 75 anos

A alta da carne bovina nos EUA não é apenas resultado da concentração industrial. Há fundamentos claros:

  • o país enfrenta o menor rebanho desde 1950;
  • vários estados sofreram anos consecutivos de seca;
  • o custo das rações disparou;
  • milhares de produtores foram obrigados a liquidar matrizes;
  • a recomposição dos estoques leva anos.

Com oferta restrita, custos recordes e demanda firme, a pressão de preços é inevitável.

Importações disparam e a cadeia se torna ainda mais global

Para compensar a escassez interna, os EUA recorreram cada vez mais ao mercado internacional. Dados do ERS/USDA mostram que em 2024 as importações alcançaram 2,10 bilhões de quilos, o maior volume da história americana. Canadá, Austrália, México, Brasil e Nova Zelândia lideram o fornecimento.

Os principais exportadores incluem:

  • Canadá: JBS Food Canada, Harmony Beef, Qu’Appelle Beef
  • Austrália: Thomas Foods International, Teys Australia
  • México: SuKarne
  • Brasil: JBS, Minerva, Marfrig (via unidades habilitadas)

A Argentina, embora tenha sido colocada no discurso político, não figura entre os grandes fornecedores reais — aumentando a suspeita de que sua menção tem mais valor simbólico do que prático.

O aumento da dependência externa ajuda os EUA a manter a indústria de processamento ativa, mas também torna o sistema mais vulnerável a sanções, oscilações cambiais e choques geopolíticos, algo que o próprio discurso da Casa Branca agora tenta explorar.

Autoridades e investigação: quem está no comando do inquérito federal

A investigação aberta pelo DOJ será conduzida por:

  • Gail Slater, da divisão antitruste — ex-assessora econômica de JD Vance;
  • Brooke Rollins, secretária de Agricultura;
  • Pam Bondi, procuradora-geral, que confirmou o início do processo em comunicado.

Além da carne bovina, o DOJ também investiga possível cartel no setor de ovos, mostrando que “pocketbook issues” — temas que afetam diretamente o bolso do consumidor — são prioridade desta gestão.

E o que isso tudo significa?

A ofensiva de Trump escancara a complexidade da cadeia da carne nos EUA:

  • os preços subiram por múltiplas causas estruturais, não apenas por ação dos frigoríficos;
  • o governo se contradiz ao propor importações baratas e, em seguida, atacar empresas estrangeiras;
  • a concentração do mercado é real, mas também é fruto de décadas de política industrial americana;
  • o setor pecuário está fragilizado, e qualquer mexida de narrativa muda o jogo eleitoral;
  • empresas brasileiras seguem decisivas para a segurança alimentar dos EUA.

No fim, o discurso político muda mais rápido que o ciclo pecuário e a carne bovina segue no centro da mesa, da inflação, da geopolítica e da eleição americana.

Fontes: Casa Branca, BBC, Reuters e Forbes, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *