Por Ana Paula Reinato Stynen1 e Alcina Vieira de Carvalho Neta2
A Campilobacteriose Genital Bovina, doença venérea dos bovinos, é causada pela bactéria Campilobacter fetus subsp. venerealis, agente que assume grande importância à pecuária de corte ao interferir no intervalo entre partos, índice reprodutivo de um rebanho que se reflete diretamente na viabilidade de produção. A infecção determina um menor número de bezerros produzidos em relação ao seu pleno potencial e conseqüentemente perdas na lucratividade da bovinocultura de corte.
A principal característica da Campilobacteriose Genital Bovina é a repetição de cios a intervalos aumentados e irregulares, em geral maiores que 35 dias. Outra característica observada em vacas infectadas é o aborto no terço inicial e médio de gestação, período de aborto também observado durante a infecção por outros agentes como o protozoário Tritricomonas foetus que causa principalmente morte embrionária, mas também pode causar abortos e o vírus da diarréia bovina (BVD) causa de abortos em terço inicial de gestação, mas diferenciado por manifestações clínicas características.
Além disto, a Campilobacteriose Genital Bovina pode levar á processos inflamatórios do útero (endometrite, cervicite) e da tuba uterina (salpingite) e até mesmo infertilidade temporária ou permanente em algumas vacas. (Lage & Leite, 2000).
Em touros a infecção é assintomática. O C. fetus subsp. venerealis infecta as criptas prepuciais, mas não causa reação do hospedeiro à sua presença sendo este portanto importante meio de disseminação da infecção.
Como observar a presença da doença no rebanho
A Campilobacteriose Genital Bovina é uma doença de apresentação geralmente subclínica e pouco perceptível no rebanho, principalmente se não há um bom controle zootécnico, pois muitas vezes as repetições de cio não são observadas, e quando se suspeita da doença no rebanho as perdas já são grandes (Lage, 2000; Pellegrin, 2001).
Por isto, a Campilobacteriose Genital Bovina é uma doença silenciosa que retira lentamente os lucros da exploração pecuária.
Além das repetições de cio e abortos, em rebanhos onde não há estação de monta bem definida, as principais observações relativas a Campilobacteriose Genital Bovina são a idade à primeira cria tardia e longos intervalos entre partos (Lage, 2000). A literatura demonstra que em rebanhos com estação de monta definida observa-se grande número de fêmeas vazias ao final da estação de monta, principalmente novilhas, e uma estação de parição esparsa, sem concentração de nascimentos.
Apesar do encontro destas alterações nos índices zootécnicos sugerir a presença da Campilobacteriose Genital Bovina em um rebanho, o diagnóstico definitivo da doença deve ser laboratorial, pois a Tricomonose Bovina, uma outra doença de transmissão venérea, também pode levar a alterações reprodutivas e a presença de baixos índices reprodutivos semelhantes (Pellegrin et al, 1998).
Como a doença é introduzida e mantida no rebanho
A entrada da Campilobacteriose Genital Bovina em um rebanho quase sempre ocorre pela aquisição e introdução de animais infectados, geralmente touros. A infecção se difunde rapidamente, permanecendo em geral inaparente no início, pela falta de controle zootécnico dos rebanhos.
A transmissão da Campilobacteriose Genital Bovina é venérea; o touro infectado transmite o C. fetus subsp. Venerealis às fêmeas susceptíveis, e vice-versa, durante o coito. Além da transmissão venérea, a doença pode ser transmitida por sêmen contaminado. No Brasil, os touros doadores de sêmen devem ser livres da infecção pelo C. fetus subsp. Venerealis (Normas, 1996).
Há também relatos de transmissão do C. fetus subsp. venerealis de forma mecânica, pela atividade homossexual de touros confinados em alta densidade.
A relação touro-vaca também é importante na difusão da Campilobacteriose Genital Bovina no rebanho. Observa-se que em rebanhos onde a doença está presente a relação touro-vaca é maior, 1 touro para cada 12 a 15 vacas, quando o ideal seria em torno de 1 touro para cada 40 vacas (Pellegrin, 2001).
Este aumento da relação touro-vaca é relativo, pois como cada fêmea pode repetir o cio por até seis vezes, estes touros têm de realizar um número muito maior de coberturas. Em função deste maior número de touros e do aumento de freqüência de coberturas, há uma maior disseminação da doença dentro de um rebanho.
Outro ponto importante na epidemiologia da Campilobacteriose Genital Bovina são os touros de repasse, animais utilizados para a cobertura das fêmeas que não se tornaram gestantes após duas ou três inseminações, e que podem ser infectados mantendo a infecção em rebanhos que utilizam a inseminação artificial.
Segundo Ferraz (1996), a manutenção dos touros de repasse, além de ser prejudicial do ponto de vista sanitário, também é ruim do ponto de vista econômico, pois pode superar o preço de cinco doses de sêmen.
A presença de touros velhos em atividade é outro fator de risco para a difusão da Campilobacteriose Genital Bovina em um rebanho. Os touros mais velhos, por possuírem maior número de criptas prepuciais mais profundas, propiciam condições ideais para a manutenção do C. fetus subsp. venerealis no prepúcio.
A presença de fêmeas portadoras do C. fetus subsp. venerealis também contribui para a manutenção da doença em um rebanho. A maioria das fêmeas consegue eliminar a infecção após três cios sem cobertura.
Entretanto, Cippola et al (1994) já demonstraram que algumas fêmeas, por deficiência da resposta imune ou por variação antigênica da amostra infectante, não conseguem eliminar o agente da vagina, tornando-se portadoras e disseminadoras da doença. Uma baixa percentagem de vacas pode mesmo levar a gestação a termo, mantendo o agente na vagina.
A Campilobacteriose Genital Bovina é uma doença de grande importância econômica em áreas de produção de bovinos com grandes rebanhos e onde o manejo reprodutivo é essencialmente pela monta natural, como os encontrados na Argentina, na Austrália e no Brasil.
No Brasil, o primeiro diagnóstico da doença foi feito por D´Ápice (1956), no Estado de São Paulo, em 1956. Desde então, a doença tem sido relatada em vários Estados do País, com freqüências que variam de 3,5% a 66,9% (Tabela 1).
Tabela 1
Estudos de freqüência de Campilobacteriose Genital Bovina no Brasil de 1956 a 2005.
Algumas das principais formas de controle da Campilobacteriose Genital Bovina são a utilização da inseminação artificial com o devido controle do sêmen utilizado e a segregação dos animais jovens livres da doença.
No entanto, é importante ressaltar que a utilização de touro de repasse conjuntamente com a implementação da inseminação artificial retirará os efeitos benéficos da inseminação artificial no controle da doença, pois este contribuirá para manutenção da doença no rebanho.
Devido às fêmeas infectadas poderem eliminar a infecção após repouso sexual de três cios, poderia se pressupor que somente o repouso sexual das fêmeas e a introdução de touros virgens ou touros livres da infecção pelo C. fetus subsp. venerealis levaria ao controle e a erradicação da Campilobacteriose Genital Bovina em um rebanho. Entretanto, como algumas fêmeas não eliminam o C. fetus subsp. venerealis, o repouso sexual de três cios, em algumas situações, não é um método de controle eficaz.
A outra grande arma a ser utilizada no controle da Campilobacteriose Genital Bovina é a introdução de um programa de vacinação. Vacinas contra o C. fetus subsp. venerealis são utilizadas desde a década de 1960 no controle da doença, sendo fundamentais principalmente naqueles rebanhos em que a introdução da inseminação artificial é difícil (Lage & Leite, 2000).
A vacinação tem se mostrado muito eficaz na prevenção das repetições de cio e dos abortos causados pelo C. fetus subsp. venerealis. A literatura mostra que em fêmeas infectadas, a vacinação possui também um caráter curativo, proporcionando assim um melhor controle da doença.
A vacinação de touros como forma preventiva e curativa da Campilobacteriose Genital Bovina é controversa. Portanto, a vacinação de touros não deve ser utilizada como a única forma de controle da doença, mas deve ser utilizada em conjunto com a vacinação de fêmeas para se obter um controle eficaz da Campilobacteriose Genital Bovina.
Todos os animais do rebanho em idade reprodutiva devem ser vacinados 30 a 60 dias antes da cobertura. Animais primovacinados, dependendo do tipo de adjuvante utilizado na vacina, devem receber duas doses da vacina com 30 dias de intervalo entre as doses. A revacinação deve ser anual com dose única.
Para a manutenção de um status de rebanho livre da Campilobacteriose Genital Bovina é necessária uma constante vigilância na aquisição e introdução de animais no rebanho, assim como no manejo reprodutivo destes animais. Estes cuidados podem proporcionar aumento significativo na produtividade do rebanho de corte brasileiro.
Referências bibliográficas
CIPOLLA, A. L., CASARO, A. P., TERZOLO,H. R. et al. Persistence of Campylobacter fetus subspecies venerealis in experimentally infected heifers. Vet.Rec., 134: 628, 1994.
FERRAZ, JBS. Impacto econômico na pecuária de leite e corte do Brasil, com o aumento da utilização da inseminação artificial. Rev. Bras. Reprod. Animal., 20: 95-98, 1996.
LAGE, AP. Campilobacteriose Genital e Tricomonose Bovinas. In: Encontro Integrado de Médicos Veterinários da Zona da Mata – MG, 1, Simpósio de Manejo Sanitário e Reprodutivo de Bovinos, 1, 2000, Juiz de Fora. Anais…, Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite, 2000. p. 65-69.
LAGE, AP. & LEITE, RC. Campilobacteriose Genital Bovina. Pecuária de Corte, 10: 50-54, 2000.
NORMAS sanitárias para a habilitação e funcionamento de estabelecimentos de produção e comercialização de sêmen bovino e bubalino das estados-membros do Mercosul. Rev. Bras. Reprod. Anim., 20: 42-45, 1996. (Proposta de modificação da resolução n. 68/94 do MAA).
PELLEGRIN, AO. Campilobacteriose Genital Bovina na sub-região da Nhecolândia – Pantanal Mato-grossense e proposição de novas técnicas diagnósticas. Belo Horizonte: Escola de Veterinária, UFMG, 2001. 152p. Tese (Doutorado em Ciência Animal).
PELLEGRIN, A.O.; SERENO, J.R.B.; LEITE, R.C.; COSTA, G.M.; COSTA E SILVA, E. Campilobacteriose genital bovina em touros do Mato Grosso do Sul. Rev. Bras. Reprod. Anim., 21: 43-46, 1998.
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1Ana Paula Reinato Stynen, médica veterinária, mestre e doutoranda em medicina veterinária preventiva aqui pela UFMG, linha de pesquisa doenças bacterianas.
2Alcina Vieira de Carvalho Neta, médica veterinária, mestre em medicina veterinária preventiva, doutoranda em patologia animal com área de concentração em patologia das doenças infecciosas