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Considerações sobre o mercado de couro bovino

O mercado do couro vem operando em ambiente extremamente frouxo. No Rio Grande do Sul, a cotação do quilo do couro verde, a vista, sem bonificação, já acumula queda de 9% ao longo do ano. Em São Paulo, o recuo chegou a 15%.

O mercado interno é fraco. O brasileiro já não tem tradição em consumir artigos de couro, e os preços desses produtos não são nada atraentes para a atual realidade nacional.

Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), a taxa de desemprego na grande São Paulo (maior centro consumidor do país), atingiu, em março, 20,6% da população economicamente ativa, a maior taxa desde o início dos levantamentos do Dieese em 1985.

Além do mais, o rendimento médio do trabalhador também está em queda. Em outras palavras, o dinheiro mal dá para o gasto, quanto mais para o luxo. O mercado externo é mais convidativo, e é realmente para outras terras que parte cerca de 75% da produção nacional de couro.

Somente para situar os leitores, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de couro e o quarto maior exportador, superado, nesta ordem, pela União Européia, Estados Unidos e Rússia.

No ano passado, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), as exportações brasileiras de couro somaram US$963,70 milhões, referentes a um volume de 241,50 milhões de peças. Na Tabela 1 é possível observar o desempenho das vendas de couro para os 4 principais clientes brasileiros em 2002.


Veja na Tabela 2 quanto cada um desses países absorveu do volume total exportado.


Há claramente uma concentração de mercados, fundamentada na Europa, com destaque para a Itália, Estados Unidos, e dois países asiáticos, China e Hong Kong. Uma pequena gama de países absorve um montante considerável da produção nacional.

Pois bem, é férias na Europa, período que deve se estender até o início de julho. As negociações foram adiadas. Este porém é um problema esperado, ocorre todo ano.

Contudo, o que ninguém esperava era o aparecimento da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Severa), que varreu a China, emperrando as transações comercias, tirando o povo da rua e derrubando o comércio.

Para se ter uma idéia, analistas chineses apontam que somente na região de Beijing, o movimento dos estabelecimentos comerciais caiu quase 70%. O governo tem desencorajado o trânsito entre cidades, dificultando ainda que ocorra qualquer transação comercial.

Nas palavras de um funcionário de um importante curtume paulista “não é possível vender nem mais um par de sapatos para os chineses”.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), de janeiro a março deste ano, o Brasil negociou com a China 5,11 mil toneladas de couro, gerando uma receita de US$19,71 milhões. No ano passado, os embarques somaram 888,11 toneladas em volume e US$2,70 milhões em faturamento.

Veja que o crescimento foi de 632% em receita e 475% em volume. É um mercado bastante promissor, e que gradualmente vinha absorvendo produtos de maior valor agregado. A retomada das vendas vai depender agora do avanço do controle da doença.

O aumento da oferta de couro internamente, em função da redução das vendas externas, e o recuo do dólar, que reduziu sensivelmente a margem dos exportadores, levaram à retração dos preços aqui praticados. A tendência ainda é de baixa.

Acompanhe na Figura 1 a evolução da cotação do quilo do couro verde paulista, a vista, sem bonificação.

Fig. 1. Evolução da cotação do quilo do couro verde paulista em R$ nominais


Note que, este ano, o mercado do couro verde paulista passou a operar em ambiente frouxo a partir de março, o que não ocorreu no ano passado.

A evolução dos preços, no mesmo período, em Reais deflacionados pelo IGP-DI está representada, de forma gráfica, na Figura 2.

Fig. 2. Evolução da cotação do quilo do couro verde paulista em R$ deflacionados


Em Reais deflacionados, o preço do quilo do couro verde hoje é 14,7% menor em relação ao valor praticado em maio/02. A frouxidão do mercado de couro dificulta a valorização do boi gordo, uma vez que aproximadamente 12% do faturamento do frigorífico vem da venda do couro.

No frigorífico, o couro só perde em importância para a carne. É essa a origem de uma das principais reivindicações dos produtores: por que os frigoríficos não pagam pelo couro, se é um produto tão importante? A resposta pode gerar um certo embate, mas, teoricamente, eles já pagam.

Na Figura 3 é possível observar a evolução da cotação do boi gordo paulista e do equivalente scot (87,94% equivalente físico + 10,29% couro + 1,77% sebo) ao longo dos últimos anos.

Fig. 3. Evolução comparativa: arroba do boi gordo x equivalente scot


Hoje, somando a receita obtida com a venda de seus 3 principais produtos, carne, couro e sebo, o frigorífico ainda não cobre os custos da aquisição do boi gordo. A defasagem é de 7,1%.

Não é computada aqui a receita gerada com as vendas de carne bovina para o mercado externo, porém, é válido lembrar que a maioria dos frigoríficos não exporta, e que somente cerca de 15% da produção nacional de carne bovina é negociado internacionalmente.

O couro sim é um produto de exportação, que carece de um trabalho mais efetivo de promoção e marketing, como faz o Brazilian Beef para a carne bovina. É preciso conquistar novos clientes.

Veja o exemplo da carne bovina in natura. Cerca de 16% da produção segue para o Chile, 8% para os Países Baixos, e o restante para uma gama enorme de países. Um eventual problema com um ou dois desses mercados, não causaria um “estrago” tão grande.

0 Comments

  1. Eric Mifune disse:

    Excelente o artigo e muito importante comentar sobre a importância do couro no mercado frigorífico. Tenho a impressão, no entanto, que a análise sobre a situação da China como mercado importador não seja exata.

    De fato hoje aquele país enfrenta o problema da SARS e da retração do mercado interno. No entanto, não creio que isto afete o mercado de couro brasileiro.

    Se os produtos de couro são caros para os brasileiros, são mais ainda para os chineses. Nossas exportações hoje, principalmente em semi-acabado e acabado, são resultado da abertura econômica da China e suprem o seu mercado exportador moveleiro.

    Assim, até pela crise interna, é esperado que o foco nas exportações aumente e, então, também nossas exportações de couro devem aumentar, o que já vem acontecendo.

  2. Fabiano Ribeiro Tito Rosa disse:

    Eric Mifune
    Prezado senhor,

    Obrigado pelas considerações que fez a respeito do artigo.

    De fato, o problema enfrentado pelos chineses (SARS) deve aumentar a busca pelo mercado externo, que aliás já é forte, beneficiando, no médio prazo, as exportações brasileiras de couro para aquele país.

    Contudo, num primeiro momento, a pneumonia atrapalhou até as transações comerciais internacionais, pois muitos navios chineses foram impedidos de ancorar em portos de diversos países. Então, a China está enfrentando problemas de ordem interna e externa.

    Porém, se existe um problema com o mercado chinês (que aliás deve ser superado logo), os embarques de couro brasileiro para os demais países estão crescendo, e realmente caminhamos para um recorde.

    Outra boa notícia é que, apesar do couro tipo wet blue ainda ser responsável pelo “grosso” das exportações brasileiras, o crescimento das vendas do couro tipo acabado tem sido superior.

    É preciso aproveitar a maré boa, incentivar a venda desse produto e trabalhar pela abertura de novos mercados. É isso aí.

    Cordialmente,

    Fabiano Ribeiro Tito Rosa
    Zootecnista
    Analista de mercado
    SCOT Consultoria