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A aftosa foi ruim pra todo mundo?

Até o fechamento deste artigo haviam sido confirmados 29 focos de febre aftosa no Brasil, mais de 50 países sustentavam algum tipo de restrição comercial à carne brasileira, a Rússia acabava de anunciar a ampliação das restrições comerciais, a União Européia ameaçava tomar atitude similar e os governos federal e do Paraná travavam um embate político em função da notificação de um foco no Estado.

Alguns frigoríficos trabalhavam bem abaixo da capacidade normal de abate, funcionários foram demitidos, o Mato Grosso do Sul somava R$1 milhão em prejuízos diários, o Paraná já contabilizava perdas de mais de R$120 milhões e as cotações da arroba estavam em baixa. Tem muito mais, mas vamos ficar por aqui.

Sem dúvida nenhuma, a descoberta de focos de febre aftosa no Centro-Sul do Brasil pode ser considerada um desastre. Em função da oferta relativamente ajustada de animais para abate e da reduzida disponibilidade de carne bovina no mercado internacional, não chegou a ser o “fim do mundo”, mas foi suficiente para bagunçar a pecuária nacional.

As perdas foram enormes. Mas será que foi ruim pra todo mundo?

Geralmente, em negócios, se tem alguém perdendo, também tem alguém ganhando. O que alguns classificam como crise, outros classificam como oportunidade.

Veja só. Em novembro deste ano, de acordo com informações preliminares do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), o Brasil exportou cerca de 92,17 mil toneladas equivalente carcaça de carne bovina in natura. Um recuo de 1,4% em relação a setembro, e de 22,5% em relação a novembro de 2004. Resultado já esperado.

Entretanto, o faturamento alcançou expressivos US$170,80 milhões, um aumento de 10,9% em relação a setembro. Na comparação com novembro do ano passado, a queda foi de “apenas” 7,6%, ou seja, mais ou menos 1/3 da quebra registrada para o volume exportado.

Mas como isso foi possível? Os embargos à carne brasileira deixaram o mercado internacional ainda mais enxuto, levando à recuperação dos preços. Quem pôde continuar exportando, principalmente frigoríficos com unidades em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, se deliciou com preços bastante convidativos, os melhores desde 2000. Veja na figura abaixo.

Figura 1. Carne in natura exportada – US$/tonelada equivalente carcaça

Fonte: MDIC / Scot Consultoria

O preço médio da tonelada equivalente carcaça da carne bovina in natura do Brasil, exportada em novembro, ficou em US$1.853,10. Em contrapartida as cotações médias do boi gordo, também em tonelada equivalente carcaça, ficaram em US$1.664,00 no Triângulo Mineiro, US$1.610,67 no Sul de Goiás e US$1.588,00 em Cuiabá – MT.

Veja na tabela 1 a relação média de preços entre carne in natura exportada e boi gordo nessas regiões. É importante salientar que se tratam de comparações simples de preços. Outras variáveis não foram consideradas na análise.

Tabela 1. Preço médio da carne exportada / preço médio do boi em novembro de 2005


Tais relações, favoráveis aos frigoríficos, explicam por que o boi gordo chegou (em alguns casos ainda chega) a valer mais em Minas, Goiás e Mato Grosso do que em São Paulo, Estado que normalmente ostenta os valores mais altos, mas que hoje se vê severamente acometido por embargos.

Os grandes frigoríficos, remanejando a produção para unidades localizadas em regiões que têm sido pouco alvejadas por restrições comerciais, conseguem driblar/minimizar os entraves relacionados à aftosa.

É verdade que a recente ampliação do embargo russo acabou por deixar poucos Estados fora da linha de fogo. Mas nesse período as vendas para a Rússia já sofrem um “congelamento” natural, em função do inverno rigoroso daquele país, que atravanca as operações nos portos.

Portanto, para algumas indústrias o final de ano não foi de todo ruim. Aliás, tem frigorífico comemorando, neste final de ano, os melhores resultados dos últimos tempos.

Já o produtor… Bom, esse amarga os piores preços das últimas décadas. Pois mesmo onde os embargos praticamente não chegaram, as cotações da arroba também recuaram. Menos que nas regiões infectadas, é verdade, mas recuaram bem.

Como foi dito anteriormente, se tem alguém ganhando, deve ter alguém perdendo. E vice-versa. Relação “ganha-ganha” em pecuária de corte não existe nem em teoria. Infelizmente.

0 Comments

  1. Luiz Ribeiro Villela disse:

    Prezado Fabiano,

    De seu artigo pode-se inferir ou mesmo provar que o surgimento de possíveis focos não comprovados de aftosa não foi muito mal para alguns frigoríficos.

    As posições tomadas por grupos de pressão sobre técnicos do Ministério, Secretarias estaduais, políticos fugindo de CPI, CNA fugindo da raia, etc. têm aí a explicação técnica inquestionável.

    Sua competência na analise dos preços/lucros evidencia o porquê dos muitos rabos presos.

    Muito obrigado,

    Luiz

  2. luciano americo de melo disse:

    É importante lembrar que enquanto o nosso mercado estava fechado, tinha um outro país que estava ocupando todo esse “vácuo de mercado”!

    Deve ter muito pecuarista pelo mundo com o cofre cheio, por esse vacilo nosso.

    Além da fortalecida em relação a estrutura do setor (maq.).

    Confesso que quando vi o título pensei que voce comentaria sobre os laboratórios e seu lobby natural. Será que a gente (pecuarista) não dá conta de aperfeiçoar para ser zona livre de aftosa sem vacinação?