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À base de plantas: como o mercado de carne que não é carne cresceu no Brasil

Você pede um hambúrguer com bastante queijo, alface, tomate, e tudo que compõe um delicioso fast food. Batatas fritas para acompanhar, por favor. E um refrigerante, um suco ou um milkshake para fechar com chave de ouro.

Tudo conforme o previsto, exceto por um fato: o hambúrguer do seu lanche, na verdade, não é feito de carne de vaca, mas de plantas.

Essa situação tem se tornado cada vez mais comum nos últimos anos. Uma opção para veganos, vegetarianos ou curiosos, as carnes plant-based (à base de plantas, na tradução literal) integram um mercado em crescimento constante. Em 2020, o setor faturou US$ 5,6 bilhões globalmente, com uma previsão de crescimento anual de 15% até 2027, quando deve alcançar a marca de US$ 14,9 bilhões.

Segundo o relatório da consultoria Research and Market, “a carne vegetal oferece uma alternativa de combinação de ingredientes de novas maneiras, oferecendo a experiência da culinária completa de carne sem o uso de animal”.

É o caso da Fazenda Futuro que comercializa produtos como linguiça, hambúrguer, almôndegas, frango e carne moída — tudo feito com plantas.

A foodtech não conta como é exatamente o processo de produção dos alimentos por se tratar de um segredo industrial, mas afirma que todos são livres de glúten e transgênicos. Como ingredientes principais estão a proteína isolada de soja e do grão-de-bico, beterraba, óleo de coco e alga marinha (na linguiça).

Segundo o fundador da Fazenda Futuro, Marcos Leta, o próximo passo é lançar mais dois novos produtos e continuar a expansão internacional. “Atualmente já estamos presentes em 24 países e prestes a começar as vendas nos Estados Unidos”, diz. O objetivo da Fazenda Futuro é estar disponível nas prateleiras de pelo menos 35 países até o final deste ano. Uma meta ambiciosa.

Em entrevista ao CNN Brasil Business em abril deste ano, Leta, que também criou a marca de sucos Do Bem, disse acreditar que os EUA devem ser o grande termômetro de crescimento da companhia nos próximos anos, já que o mercado norte-americano é bem mais aquecido do que o brasileiro no segmento. Por lá, há players como Impossible Foods e Beyond Meat, que já possuem parcerias com grandes cadeias e, no caso da segunda, capital aberto.

Outro exemplo, a Not Company (mais conhecida como NotCo) faz diversos produtos que não são o que realmente parecem — como a “NotMayo”, que não é maionese, e o “NotIceCream”, que não é sorvete. Tudo com base em inteligência artificial (IA) e sem a utilização de proteína animal, como leite, ovos ou carne.

“Temos percebido que as pessoas têm mais consciência sobre como elas se alimentam. A comida não precisa ser pobre em qualidade de nutrientes para ser barata”, diz Ciro Orenstein Tourinho, diretor-geral da NotCo Brasil.

E não são somente as companhias já vegetarianas ou veganas que entraram de cabeça no mercado de carnes vegetais. Empresas já conhecidas no mercado também querem a sua fatia da indústria que só cresce. Uma delas é a Wessel. Presente no mercado de carnes desde 1830, a companhia começou a produzir três tipos de hambúrguer vegetal, carne moída e “está nos finalmentes da produção de almôndegas”.

Para István Wessel, dono da companhia, o movimento aconteceu por conta de uma mudança de hábito do consumidor. “O mercado do vegetal veio para ficar. Há dez, quinze anos, você mal conhecia pessoas vegetarianas. Isso mudou”, conta. “Não é que a carne vai desaparecer do mercado, mas, cada vez mais, estamos trabalhando em melhorar a experiência dos produtos de base vegetal”, afirma.

Wessel conta que, por enquanto, apenas 10% das vendas da companhia vêm do segmento plant-based, enquanto o restante ainda é originado nas carnes animais. “O tamanho que isso vai ter daqui a cinco anos, eu não sei, mas ele está em crescimento. Nossa expectativa é ter volume de venda, desenvolver novos produtos e sempre usar a nossa experiência da carne para esse mundo do vegetal”, diz. 

E pesquisas confirmam a afirmação de Wessel. Apesar da mudança e do aumento de vegetarianos e veganos no mundo — em 2020, 79 milhões de pessoas se declaravam veganas, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) —, o consumo de carne animal ainda é gigante no mundo todo. Uma pesquisa do The Good Food Institute mostra que o Brasil é o quinto país que mais produz carne, junto a China, EUA, União Europeia e Rússia. 

A pesquisa do instituto ainda aponta que 49% dos brasileiros reduziram o consumo de carne nos doze meses que antecederam maio deste ano; em 2018, apenas 29% haviam abandonado a proteína animal. Em 2020, quase metade das substituições (47%) foi feita com legumes, verduras e grãos. O interesse por comidas plant-based também aumentou, saindo de 67% há três anos para 90%. 

Ainda há espaço para crescer. 

Se o consumo de carnes plant-based ainda não é tão grande como poderia ser, apetite por investimento é o que não falta. 

Fundada em 2019, a Fazenda Futuro tem uma avaliação de mercado de US$ 715 milhões — valor que alcançou após dois aportes, o primeiro logo em seu primeiro ano de operação, de US$ 8,5 milhões, e o segundo em 2020, de 22,5 milhões. A empresa não abre dados de faturamento, mas afirma que o valor do último investimento “deve ser suficiente para manter a operação até o final de 2022”. 

Já a chilena NotCo atraiu investidores de peso, como o fundador da Amazon e homem mais rico do Mundo, Jeff Bezos, o tenista Roger Federer e o automobilista Lewis Hamilton. Nesta semana, após um aporte de US$ 235 milhões, a foodtech plant-based se tornou um unicórnio (startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão) — o primeiro do setor. 

Para Christian Wolthers, investidor anjo de empresas veganas, as celebridades investidoras servem como “plataforma de mídia e credibilidade” às empresas. “Com cada vez mais pessoas falando sobre o assunto, você vê que isso se populariza. Esse movimento faz com que as pessoas prestem mais atenção no setor, e, assim como em um ciclo vicioso, mais empresas e empreendedores olham para esse mercado”, diz.

Wolthers ainda afirma que existem dois motivos pelos quais os investidores buscam um espaço em empresas veganas, vegetarianas ou flexitarianas (que fazem produtos para quem não necessariamente deixou de comer carne, mas querem reduzir o consumo). “O crescimento do mercado é exponencial, o que é um bom motivo quando se procura investimento. O segundo, para mim, é ser alinhado com algo que tem a ver com a minha crença pessoal por eu ser vegano”, afirma.

O custo no Brasil

Um dos argumentos contra as carnes plant-based se dá pelo custo dos produtos. Um pacote de hambúrguer da Fazenda Futuro de 230 gramas, com dois hambúrgueres, por exemplo, custa cerca de R$ 18,85, já um da Sadia com 12 hambúrgueres sai por quase R$ 30. 

Wolthers afirma que o valor maior no caso de produtos veganos acontece por conta da capacidade de produção das companhias. “Uma startup não vai conseguir produzir a mesma quantidade que empresas maiores, é questão de volume. Com mais volume, mais fácil fica a produção. Crescendo a demanda, você cresce a operação e se torna mais competitivo no preço”, diz. 

Tourinho, da NotCo, concorda. “A industrialização é uma consequência e não necessariamente significa algo ruim. Isso não é uma verdade absoluta, porque isso permite que você traga e democratize o produto para uma população que, sem uma indústria por trás, você não conseguiria democratizar”, diz. “Faz parte do processo. Os produtos sendo produzidos em escala permitirão preços mais baixos a longo prazo”, afirma.  

O investidor Wolthers ainda faz uma previsão: “Os produtos a base de planta serão, em breve, mais baratos do que os produtos com proteínas animais”.

Enquanto isso não acontece, a pesquisa do The Good Food Institute mostra que apenas 36,5% dos entrevistados estão dispostos a pagar a mais por um análogo vegetal e 39% escolheram a opção mais barata, não se importando com o tipo da proteína que estava na sua composição. No fim, o bolso pesa.

‘Carne sem sofrimento’

Do outro lado das carnes vegetais e das carnes animais, estão as feitas em laboratório. Sim, você não leu errado: já é possível produzir um produto com gosto de carne usando como base a ciência. E é isso que a BRF quer fazer, junto à startup israelense Aleph Farms. 

Para resumir, a carne cultivada (como é chamada) é feita com base nas células dos animais, mas sem o abate.

Basicamente é fazer carne sem sofrimento, usando apenas as células cultivadas fora do corpo do animal “com o fornecimento de nutrientes e ambiente propício para o desenvolvimento”, como explica a companhia.

A BRF ainda afirma que o processo para a produção desse tipo de alimento “leva uma fração do tempo necessário para cultivar carne convencional com uma fração dos recursos que exige”. 

A previsão da consultoria Blue Horizon, que investe em proteínas alternativas, é a de que a indústria de carnes cultivadas deve movimentar US$ 140 bilhões na próxima década. 

“Enxergamos nas proteínas alternativas uma das possibilidades para o nosso crescimento nos próximos dez anos. E a carne cultivada, ao contrário da plant-based, é carne, sim, mas sem a necessidade do abate”, afirma Marcel Sacco, vice-presidente global da companhia. 

Sacco acredita que, por conta de pesquisas que apontam que a demanda por proteína no mundo irá dobrar, o grande desafio de empresas como a BRF é “atender à necessidade da população”. “O que estamos fazendo é trabalhar para liberar a criação de alternativas e trazer ofertas diferentes para o consumidor. Nosso core business continua sendo a produção dos processados de carne de criação natural, mas estamos trabalhando para oferecer ao consumidor mais alternativas para uma demanda que não para de crescer”, diz.  

Ainda em fase de testes, a carne cultivada da companhia deve chegar ao mercado somente em 2024. 

Fonte: CNN.

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