Apesar da evolução da cadeia da carne brasileira nos últimos anos, ainda há muito que se realizar. Não temos um sistema de produção bem definido, não há padronização da produção, não há coordenação entre os produtores e a relação entre produtores e frigoríficos está longe de ser harmoniosa.
Além disso, o recente caso de aftosa no noroeste do Pará nos lembra (de forma dolorosa) que estamos longe da excelência em sanidade animal. Países como Austrália e EUA já erradicaram a febre aftosa há mais de 90 anos. Também temos muito que evoluir no controle de doenças como a brucelose. Todos esses problemas sanitários funcionam como barreiras ao avanço de nossa carne no mercado internacional.
O Japão, por não permitir o acesso da carne bovina dos EUA e Canadá, deixará de importar esse ano aproximadamente 290 mil toneladas de carne. O melhor mercado do mundo comprará 36% menos carne bovina este ano por não acreditar que existam fornecedores a altura das exigências de seus consumidores, que buscam total segurança em relação aos alimentos consumidos. Brasil, Argentina e Uruguai não podem fornecer por não estarem completamente livres da febre aftosa, segundo os critérios japoneses.
O Brasil avança a cada dia no mercado internacional, vendendo mais e por preços mais altos. O mercado externo está comprador, pois grandes fornecedores estão impedidos de vender. As exportações brasileiras de carne bovina nos cinco primeiros meses de 2004 cresceram 62% em valor em relação ao ano anterior. Hoje o Brasil vende para mais de 100 países.
Por outro lado, os produtores reclamam de aumento de custos e que não recebem pelo aumento do volume e valor da carne exportada. Acreditam que não estão participando da renda oriunda do desempenho brasileiro no mercado externo. Como conseguir que uma maior fatia dessa receita seja revertida para o produtor?
Nos últimos dois meses a pecuária brasileira está sendo “invadida” por programas de qualidade. Nunca se falou tanto em programas de qualidade assegurada na cadeia da carne. Durante a Feicorte, finalizada dia 19 de junho, vários programas foram lançados e acordos foram firmados.
A certificação EurepGAP, desenvolvida pelas principais redes varejistas da Europa já conta com propriedades brasileiras em fase final de certificação. Grandes frigoríficos exportadores buscam certificar as melhores fazendas que lhes fornecem animais para abate. Programas como o Nelore Natural já têm produtores se adequando às normas do EurepGAP. Há hoje uma forte exigência e demanda por carne que tenha esse certificado de garantia. É uma grande oportunidade de elevar o padrão da carne brasileira. Esse programa é muito mais sólido e tem muito mais sustentação do que apenas afirmar: “a carne brasileira é oriunda de boi a pasto”.
Olhando para os mercados da Ásia, ainda muito pouco explorados pelo Brasil, mas com grande potencial de crescimento, está se instalando no Brasil o Ausmeat, entidade certificadora australiana, muito reconhecida pelos compradores do Japão e de outros mercados asiáticos, que audita e endossa programas de qualidade em fazendas, confinamentos e frigoríficos. Estarão em breve prestando serviços no Brasil, criando programas adequados à realidade brasileira e auditados por uma entidade reconhecida internacionalmente. Um excelente cartão de visita para o Brasil nesses mercados.
Outro programa de qualidade, o Orgainvent, já atua na Argentina garantindo programas de rastreabilidade específicos para 15 grandes redes de varejo europeu, que faturam mais de 130 bilhões de Euros por ano. Esse programa também assinou convênio para atuar no Brasil.
Todos esses programas buscam assegurar padrão e qualidade da carne produzida. Buscam também garantir a segurança da carne, através de conceitos de boas práticas de produção. É o caminho do futuro para os produtores que desejam comercializar carne para países e segmentos de mercado mais exigentes, que exigem maciez, sabor, ausência de resíduos, certificação ambiental, etc.
A produção padronizada e de alta qualidade é o primeiro passo para o acesso aos mercados mais exigentes, que melhor remuneram. O desafio seguinte é conseguir que essa melhor remuneração chegue ao produtor.
Para que o produtor consiga melhor remuneração pela qualidade de seus produtos é necessário que se consiga padrão (através de programas de qualidade), quantidade (através de associações e grupos de produtores). O passo final é a criação e fortalecimento de marcas de carne, para assegurar a continuidade do sobre-preço que pode ser obtido com qualidade e quantidade. O grande desafio do produtor de hoje é descobrir como fazer para conseguir aumentar seu poder de negociação e como criar e gerenciar marcas do seu produto.
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Caro Miguel:
Parabéns pelo editorial.
Tem gente dizendo que nos falta mercado, quando na verdade o que falta é produto de qualidade e padronizado, além de oferta continuada. Por outro lado, os frigoríficos não repassam ao produtor, nada do que estão ganhando com a exportação, o que não permite maiores investimentos para melhorar a oferta. Enquanto a cadeia da carne não se organizar, todos haveremos de enfrentar dificuldades, quer pela falta da carne, quer pelo preço baixo.
Caro comentarista,
Parabéns, aos poucos chegaremos lá…
Abraços
Miguel,
Parabéns mais uma vez pelo artigo! Se algum componente da cadeia da carne, seja ele qual for quiser agregar valor ao produto, necessariamente, esse produto terá que apresentar qualidade superior em relação aos demais… Estes mecanismos podem ser: rastreabilidade, certificação, entre outros. Isso acontece com outras variedades de produtos, assim com a carne não seria diferente… Infelizmente a conscientização e a união da cadeia ainda deixam muito a desejar. Porém um dos grandes problemas é se o consumidor, reconhecendo o valor do certificado, pagaria mais por esse produto. De acordo com pesquisas consumidores de carne bovina preferem o produto que apresente um selo de garantia de maciez da carne ao que não possui; confirmando, portanto, que o consumidor valoriza o certificado que garante a existência de um atributo intrínseco. Este fato é confirmado ao analisarmos o comportamento do consumidor europeu de carne bovina.
Recentemente, na Espanha, (que importou do Brasil 14600 toneladas de carne “in natura e industrializada em 2002, segundo o Ministério do Desenvolvimento Industria e Comércio) , não há comercialização de carne bovina que não possua um certificado de garantia de sua origem e processo de produção.
Já existem várias marcas de carnes, que garantem aos consumidores que os animais por eles criados não receberam ração com ingredientes de origem animal, não possuem resíduos de medicamentos como hormônios e antibióticos, são abatidos com idade máxima de 18 meses, foram criados, transportados e abatidos de acordo com normas de bem estar animal, são submetidos a algum processo específico de maturação, etc.
Ainda, com a globalização, o diagnóstico e entendimento do comportamento do consumidor são fundamentais para a sobrevivência e competitividade das empresas, possibilitando-lhes a adequação de seus produtos às exigências do mercado, sempre levando em consideração a qualidade superior do produto (carne bovina).
Abraço,
Miguel, como sempre os seus artigos são ótimos, você descreveu na medida certa, o que realmente esta acontecendo hoje no cenário da pecuária brasileira.
O problema da despadronização da matéria-prima para os frigoríficos é muito grande ainda acho que só poderemos agregar valor na matéria -prima quando atingirmos um nível de padronização que nos permita isso, hoje pelo menos aqui no Bertin, estamos tendo esta dificuldade em atender certos clientes, e em ter matéria-prima que nos permita agregar melhores preços e consequentemente repassar parte deste “sobre-preço” aos pecuaristas.
Abraço grande do colega que muito te admira.
O artigo do Eng. Agr. Miguel Cavalcanti, retrata com uma fidelidade extrema, não só o posicionamento atual da cadeia da carne, como mostra a postura a qual devemos tomar para nos adaptarmos as necessidades do mercado externo e interno.
O comprometimento de todos os elos da cadeia, é indispensável para se atingir e manter novos mercados, bem como, a conciencia de que a busca de qualificação da produção deve ser objetivo de todos.
Após termos um produto de qualidade com a constância necessária, poderemos exigir remuneração diferenciada, antes disso, é apenas desejo ou esperança.
Mais uma vez parabéns pelo artigo.