Pelo menos no setor de carnes, a Argentina pode estar vendo a luz no fim do túnel. Depois de 11 longos meses a Europa reabre suas portas às exportações de carne argentina. A Europa é, e sempre foi, o maior cliente dos frigoríficos argentinos, representando cerca de 350 milhões de dólares ao ano em vendas do setor.
Mas a reabertura da Europa à carne argentina é ansiosamente esperada pelos nossos vizinhos não apenas pela recuperação deste importante mercado, mas também porque depois do início da epidemia de febre aftosa, outros países, também importantes destinos do produto argentino bloquearam suas importações, seguindo o exemplo europeu. Entre eles: Estados Unidos, Canadá, Israel e Chile.
Marcelo Regunaga, Secretário da Agricultura argentino declarou que a decisão européia pode acelerar as decisões de outros países.
Embargo
O embargo europeu à carne argentina começou em 12 de março de 2001. A partir daí, a agroindústria da carne na Argentina atravessou a pior crise de sua história, agravando e sendo agravada por um cenário nacional também desastroso. Só os frigoríficos argentinos demitiram perto de 4 mil trabalhadores.
As exportações de carne caíram a um terço do normal e as perdas em negócios são estimadas em US$ 400 milhões. A reabertura das importações européias foi decidida em uma reunião realizada em Bruxelas no último dia 15 de janeiro pelo Comitê Veterinário da União Européia. Dos quinze países da União, 14 votaram a favor da reabertura. Somente os representantes franceses, protecionistas até o pescoço, se abstiveram de votar.
Situação sanitária argentina atual
A segunda campanha de vacinação foi terminada conforme previsto no plano de erradicação. Somente as províncias da Patagônia Argentina conservam o status de indenes de aftosa sem vacinação. As províncias de La Pampa e Santiago del Estero continuam temporariamente isoladas, por abrigarem os últimos focos e por não ter passado ainda o prazo de 60 dias sem novos focos estabelecido pelo Comitê.
Associações de criadores, frigoríficos, a SENASA (Órgão responsável pela sanidade animal na Argentina) e a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Pesca firmaram dia 3 de janeiro um acordo de compromisso com o Programa Nacional de Erradicação de Febre Aftosa.
As exportações argentinas com destino à Europa começaram oficialmente no início de fevereiro. Mal foi dado o sinal verde e os exportadores argentinos já estavam com o telefone na mão ligando para seus antigos clientes.
Quota Hilton
Alegria argentina, preocupação brasileira. A Argentina tinha 28 mil toneladas de quota Hilton para serem utilizadas entre julho de 2001 e junho de 2002. A quota Hilton permite que os frigoríficos que exportam para a Europa vendam carne resfriada (0ºC) no mercado europeu pagando uma taxa de importação menor do que a taxa paga normalmente pela carne estrangeira. A propósito, o Brasil tem 5 mil toneladas de quota Hilton.
Como nada foi usado da quota argentina, as 28 mil toneladas teriam que ser exportadas entre fevereiro e final de junho, o que provocaria uma vertiginosa queda de preços no mercado europeu. A Argentina obviamente tem interesse em cumprir a meta de exportar 28 mil toneladas até junho.
Acontece que quando a quota Hilton não é plenamente utilizada, outros países também beneficiados por este sistema (Brasil, Uruguai, Austrália, Nova Zelândia e Paraguai) podem contestar a distribuição da quota. E os exportadores brasileiros adorariam colocar as mãos na quota argentina.
A idéia dos brasileiros é pedir 20 mil toneladas em quota para o próximo ano em vez das 5 mil habituais.
Queda nos preços?
Apesar da imperativa necessidade de exportar, os argentinos também estão preocupados com uma eventual queda nos preços por excesso de oferta. Carlos Oliva Funes, presidente do Swift Armour declarou ao jornal argentino “La Nación” que está empenhado em “não vender exageradamente a qualquer preço”.
Neste momento, o preço da tonelada Hilton está muito abaixo do que foi um dia. Enquanto os frigoríficos argentinos estão oferecendo preços entre US$ 6.500 a 7.500 a tonelada, os importadores estão propondo preços abaixo dos US$6.300. Espera-se uma baixa à medida que forem chegando os embarques.
Mas a baixa de preços na Europa deve ser limitada, na Argentina, pelos seguintes fatores:
– Alta de preços dos animais vivos. Depois da notícia da reabertura do mercado europeu, os preços do gado vivo que estava há meses em baixa recomeçaram a subir e alcançaram esta semana US$ 0,80 por kg, contra uma média de US$ 0,70 no ano passado. Enrique de León Belloc, da Argentine Breeders & Packers diz que toda a exportação vai depender do preço dos animais comprados, que já está subindo.
– Pouca oferta de animais. Segundo Carlos Oliva Funes, neste momento, somente 1.800 produtores estão registrados e habilitados pela SENASA para exportação, enquanto antes haviam perto de 2 mil. É preciso ainda lembrar que as províncias de Santiago del Estero e La Pampa estão ainda fechadas por causa da aftosa. E principalmente La Pampa abriga grande parte das fazendas de engorda fornecedoras dos grandes frigoríficos argentinos.
Por esses motivos, esta baixa inicial deve ser temporária, e causada mais pela especulação do que por uma efetiva retomada de mercado pela Argentina.
É possível que no final do semestre, quando provavelmente a oferta de animais estará regularizada, os frigoríficos argentinos trabalharão a todo vapor para tentarem completar suas quotas de exportação. Aí sim haverá uma baixa de preços mais séria.
Por tabela
Segundo Ênio Marques, diretor-executivo da ABIEC, os frigoríficos brasileiros querem sugerir ao governo a possibilidade de ajudar a Argentina a cumprir sua quota exportando carne brasileira.
A princípio parece ser uma boa idéia aumentar as exportações às custas do desespero do vizinho, mas aí não só a Argentina vai conseguir recuperar seu mercado na Europa (incluindo clientes da carne brasileira) como também chegará mais perto de cumprir sua meta de exportação, o que significa que na próxima distribuição de quotas teremos menos chance de brigar por um aumento de quotas Hilton para o Brasil. Aí já é ajuda demais.
Qualidade x Estabilidade
Os argentinos acreditam que ainda têm um bom nome no mercado de carnes, e que na Europa ainda há muito interesse pelo seu produto. Isso é realmente verdade, mas os europeus procuram também fornecedores estáveis e confiáveis, e o cenário argentino ainda é muito nebuloso para que se façam grandes contratos.
No ano passado, o Brasil por sua vez demonstrou competência e capacidade como grande exportador, e consolidou uma boa imagem no mercado europeu. Se tudo correr bem com a economia, o setor de carnes na Argentina precisará de pelo menos mais um ano para que os frigoríficos voltem ao normal, para que programas de rastreabilidade e qualidade que tinham sido interrompidos voltem à ativa, enfim para que o setor possa se reestruturar completamente.
Será que ajuda?
No dia 2 de fevereiro, a cidadã argentina Máxima Zorreguieta casou-se com o príncipe Willem Alexander da Holanda. A Holanda é a porta de entrada na Europa de grande parte das exportações argentinas.
Os empresários argentinos acreditam que as relações entre os dois países possam ser incrementadas depois do casamento. Máxima tornou-se uma espécie de Lady Di holandesa, devido à sua simpatia e popularidade.
Nota
Surgiu mais um foco de aftosa na Argentina, na província de Córdoba. Tal fato não atrapalhará a retomada das exportações argentinas de carne bovina para o mercado internacional, pois além do fato já ter sido comunicado a OIE (Organização Internacional de Epizootias), a província responde por menos de 10% da exportação daquele país.
Segundo informações do SENASA (Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Agro-alimentar da Argentina) o foco foi comunicado a OIE no dia 22 de janeiro e já foram sacrificados 250 animais, dos quais 18 estavam contaminados.