Expointer 2001: finalizado balanço de vendas
5 de setembro de 2001
Japão tem primeiro caso da doença da ‘vaca louca’
10 de setembro de 2001

A hora e a vez da globalização

Fernando Sampaio1 – Scot Consultoria

Depois de Seattle, Praga, Nice, Porto Alegre e Gotemburg chegou a vez de Gênova. O histórico porto italiano virou acampamento de militantes anti-globalização vindos do mundo inteiro para protestar contra um sistema econômico mundial que consideram imoral e injusto.

Os protestos ocorreram durante a reunião do G-8 – grupo dos sete países mais ricos do mundo (Estados Unidos, Japão, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha e Itália) e mais a Rússia – que acontecia na cidade.

Violência

Apesar do perímetro de segurança criado pelas autoridades locais, as manifestações violentas como as ocorridas em Gotemburgo se repetiram.

Em Gotemburgo, a nervosa polícia sueca, inexperiente nesse tipo de confronto, chegou a disparar balas de verdade contra os manifestantes que apedrejavam vidraças e depredavam o patrimônio público, causando feridos graves.

Em Gênova, os carabinieri enfrentaram uma verdadeira batalha nas ruas, e um ativista de 23 anos foi morto com um tiro quando arremessava um extintor de incêndio num jipe da polícia em imagens de extrema violência divulgadas em todo o mundo.

Anti-globalização

Mas quem são e o que desejam esses hippies modernos, e que impactos poderemos esperar no comércio mundial?

O movimento anti-globalização surgiu como uma resposta ao espírito economia mundial, depois do fracasso do modelo socialista.

O neo-liberalismo basicamente vê o mercado e suas leis como solução para todos os problemas da sociedade. Mas, após uma década de capitalismo desenfreado, o planeta observou um agravamento sem precedentes das desigualdades sociais entre países ricos e pobres.

Hoje constatamos com espanto:

* que em mais de 70 países, a renda per capita é inferior à de 20 anos atrás;
* que 3 bilhões de pessoas – metade da população mundial – vivem com menos de US$ 2 por dia;
* que as 225 pessoas mais ricas do planeta possuem, em patrimônio, o equivalente à renda anual acumulada de 2,5 bilhões de pessoas (40% da humanidade);
* que a fortuna das 15 pessoas mais ricas do mundo é superior ao PIB acumulado dos países da África
* que, se em 1960 os 20% mais ricos do mundo tinham uma renda 30 vezes superior ao dos 20% mais pobres, em 1995 essa renda era 82 vezes maior.

Após essa fase de constatação, começou uma fase de protesto, que misturou organizações e defensores de causas ambientalistas, de direitos humanos, de saúde pública, anti-transgênicas, de defesa do consumidor, regionalistas, e outras, contra o chamado “governo oculto” do planeta: o Fundo Monetário Internacional – FMI, a Organização Mundial do Comércio – OMC, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE e o Banco Mundial – BM.

Os protestos são, por conseqüência, contra os países mais ricos do mundo, acusados de controlarem essas instituições a seu favor.

Líderes

Apareceram então líderes como José Bové, ex-militante de maio de 68, e cabeça da Confederation Paysane, sindicato agrícola francês; Susan George, americana naturalizada francesa, vice-presidente do grupo ATTAC e autora de vários livros sobre globalização; Vandana Shiva, ecologista e fundadora do movimento Navdanya, na Índia, que luta pelos direitos dos agricultores; subcomandante Marcos, líder do movimento zapatista mexicano e vários outros.

A globalização é um fato

Romano Prodi, presidente da Comissão Européia, declara que podemos ganhar ou perder o desafio que nos é apresentado, mas que não devemos ter ilusões: gostemos ou não, a globalização é um fato. E que o problema da pobreza no mundo não se resolve com menos globalização, ao contrário.

Não é por acaso que os países mais afetados pelos problemas que a globalização trouxe são justamente os países esquecidos por ela…

Prodi também diz que não se pode controlar a globalização sem as instituições multilaterais como a OMC e o FMI, embora concorde que haja necessidade de reformas destes organismos.

Kofi Annan, secretário-geral da ONU, declarou alguns dias atrás que existem 630 milhões de pessoas que querem entrar no mercado mundial como produtores e consumidores.

Vários líderes de países africanos e latino americanos presentes em Gênova (e eleitos democraticamente) concordam que a saída para a pobreza é atrair cada vez mais investimentos dos países ricos e ter cada vez mais acesso aos mercados destes países.

E o Brasil?

O Brasil já está na roda da globalização, apesar do pessimismo e das neuras do mercado. Joelmir Beting, em sua coluna no Estadão, lembrou que de 98 a 2000, as multinacionais investiram US$ 92,1 bilhões no Brasil, e esse ano mais US$ 20 bilhões vão entrar na nossa economia. Antes de 94 e do real, a média histórica anual era de menos de US$ 1 bilhão.

O mercado de carne europeu e a globalização

O preço da carne bovina na Europa é historicamente superior ao preço praticado no mercado mundial.

Quando a Europa exporta carne, os exportadores recebem de Bruxelas uma restituição, ou seja, a diferença entre o preço do mercado e o preço europeu.

Através de sucessivas negociações do GATT, a Europa reduziu suas exportações de 36% em valor e de 21% em volume entre 1995 e 2001, em relação aos níveis de 86/96, diminuindo sua participação no mercado mundial.

Quanto às importações, a Europa criou barreiras alfandegárias para nivelar o preço da carne importada com seu preço interno.

Para entrar no mercado europeu com um preço razoável, a carne bovina pode ser importada através de quotas ou licenças.

Carne congelada pode ser importada sob licenças GATT, distribuídas entre os importadores europeus segundo o volume histórico importado.

Para carne bovina fresca, existe a quota Hilton, com a diferença que esta é distribuída entre os países exportadores.

O fato é que as diferentes rodadas do GATT – que pôs a agricultura em pauta na rodada Uruguai, de 86 a 94 – conseguiram diminuir as subvenções dadas pela Europa às exportações e as ajudas diretas dadas aos produtores, e também estabeleceram as licenças de importação.

Os EUA, através do Fair Act de 96, comprometeram-se a baixar os subsídios diretos às grandes culturas de 30% até 2002 e a suprimir toda ajuda à estocagem privada com objetivo de diminuir o orçamento agrícola e estimular a competitividade para exportações.

As alternativas à globalização têm dado resultados ruins

Apesar do fracasso das negociações de Seattle, a OMC (que sucedeu ao GATT na gestão do comércio mundial) está mais ajudando do que atrapalhando.

Romano Prodi, em sua declaração, diz que os que protestam não podem ignorar a iniciativa européia everything but arms (tudo menos armas), que prevê a abertura unilateral do mercado europeu aos produtos dos países mais pobres do mundo.

Mesmo Tony Blair, primeiro ministro britânico, em sua visita ao Brasil, atacou o protecionismo europeu, principalmente a PAC (Política Agrícola Comunitária), defendida com unhas e dentes pelos franceses mas extremamente cara para países como Inglaterra e Alemanha, por exemplo.

Blair defende a abertura do mercado europeu aos produtos agrícolas de países em desenvolvimento e uma reforma da PAC, pela redução dos subsídios, o que geraria recursos da ordem de US$ 400 bilhões, que seriam revertidos aos países pobres.

A alternativa à globalização seriam acordos bilaterais de comércio, onde a tendência é que a corda arrebente sempre do lado mais fraco.

Temos o exemplo do NAFTA, onde, segundo a Agri US Analyse, depois de 20 anos , o México viu suas importações de carnes crescerem de 15 mil toneladas para 1,1 milhão toneladas, enquanto que os EUA e o Canadá, que importavam 600 mil toneladas, passaram a exportar 5,5 milhões de toneladas.

Flores venenosas

José Bové, o Asterix da anti-globalização, ganhou fama e popularidade após depredar um restaurante da rede McDonald´s no sul da França.

Vítima de seu sucesso internacional, o McDonald´s virou um símbolo da globalização e da “mal-bouffe” (comida ruim). Cada vez que alguém se enerva contra o capitalismo selvagem, corre apedrejar o McDonald´s mais próximo.

O erro de Bové é duplo. Primeiro, porque peças de carne de dianteiro cujo mercado na Europa é pequeno e de baixo preço são extremamente valorizadas através dos hambúrgueres do McDonald´s (e os hambúrgueres são realmente 100% carne bovina, ninguém pode provar o contrário). Segundo, porque na França toda a carne vendida nos restaurantes do McDonald´s é proveniente somente de animais nascidos, criados e abatidos em território francês. Nada mais anti-globalizante…

A Confederation Paysane, em outra manifestação violenta, tocou fogo em um totem decorativo de um restaurante Buffalo Grill, protestando contra um comunicado desta rede de restaurantes, cujo cardápio é feito principalmente de carnes grelhadas.

O comunicado, feito no auge da recente crise da vaca louca, informava que o Buffalo Grill decidia fornecer aos seus clientes carne proveniente da América do Sul.

O irônico é que José Bové & Cia, apesar de toda solidariedade com os países pobres do mundo, têm uma atitude manifestamente protecionista em relação à entrada dos produtos desses mesmos países no mercado europeu, como no caso por exemplo da carne sul americana.

0 José Bové também atacou e destruiu ensaios científicos com plantas transgênicas realizados pelo INRA, o Instituto Francês de Pesquisa Agronômica, sem se dar conta de que a pesquisa científica é a única ferramenta capaz de demonstrar os efeitos benéficos e/ou maléficos de organismos geneticamente modificados. Foram 10 anos de pesquisa arruinados em 5 minutos.

Mesmo Susan George, uma das intelectuais do movimento, condenou pela internet as manifestações violentas ocorridas em Gotemburgo, dizendo que:

* a violência faz inevitavelmente o jogo do adversário. A mídia e os políticos passam a focalizar a violência, idéias e propostas ficam escondidas;
* Qualquer um que pensa que quebrando vidraças e atacando a polícia ameaça o capitalismo não tem pensamento político. É um estúpido;
* Não se pode construir um movimento amplo e popular baseado em violência, as pessoas não virão nem a manifestações e nem a seminários;
* Não é democrático. Há grupos que nunca participam em trabalhos preparatórios, não fazem nada na política de cada dia, mas aparecem nas manifestações como flores venenosas rompendo acordos conseguidos pelos outros;

Boas idéias

A conclusão a que quero chegar com este artigo é a de que não há sentido em um movimento contra a globalização, o movimento deve ser sim sobre a globalização.

Instituições multilaterais existentes devem ser reformadas e devem tornar- se mais democráticas e imparciais mas não eliminadas, pois toda discussão necessita um fórum onde possam participar todos os interessados.

Concordo com Romano Prodi quando disse que a autorização do uso de genéricos no combate à AIDS no Brasil e na África é um exemplo de como a globalização pode ser positiva, afinal milhares de pessoas vão se beneficiar das pesquisas realizadas nos laboratórios de multinacionais.

Devemos nos preocupar com o aquecimento do planeta, e devemos convencer os países ricos que são eles os maiores responsáveis pela poluição.

Vittorio Zucconi em coluna publicada no jornal italiano A Reppublica, diz que George Bush se recusa a reduzir a emissão de gases poluentes mas quer construir escudos anti-mísseis, relíquia da Guerra Fria, numa época onde o maior perigo não são mísseis intercontinentais, mas kamikazes que desembarcam no aeroporto com plutônio na maleta.

O grupo ATTAC deseja aplicar uma taxa sobre transações financeiras especulativas. Se esta taxa, idealizada pelo prêmio Nobel de Economia James Tobin, fosse de 0,1% geraria 160 bilhões de dólares por ano em recursos que se aplicariam na luta contra a pobreza.

Uma ONG belga criou o selo Max Havelaar, que garante o respeito aos direitos trabalhistas e um preço justo a pequenos produtores, protegendo-os das flutuações do mercado. Mais de 500 mil famílias produzem café, bananas, açúcar e outros produtos para Max Havelaar, que são comercializados na Europa, EUA, Canadá e Japão.

A ONG Conservation International e pecuaristas do Pantanal estão criando o boi orgânico, tornando a atividade mais lucrativa e protegendo o meio ambiente. E adivinhem quem é o primeiro cliente interessado? O McDonald´s…

Uma lei sobre rotulagem de alimentos contendo transgênicos acaba de ser aprovada pela Comissão Européia, em conseqüência da grande pressão por parte dos consumidores.

As novas regras estabelecem critérios de rastreabilidade e identificação de transgênicos em toda a cadeia agro-industrial de produtos alimentares destinados ao consumo humano e animal.

Esta nova lei é um modelo que deixa claro que ninguém pode ser obrigado a consumir produtos transgênicos, assim como a Monsanto não obriga ninguém a comprar suas sementes e o McDonald´s não obriga ninguém a comer hambúrgueres.

Mas também acredito que a globalização não deva ser meramente comercial e financeira.

Allejandro Llano, professor de Filosofia da Universidade de Navarra, em coluna publicada no jornal espanhol El Pais, nos fala de dar um rosto humano à globalização, e que esse rosto seria a possibilidade de trocarmos e difundirmos conhecimento, não só mercadorias.

Lembra que a tal “sociedade da informação” pregada pelos neo-liberais só afeta 15% da população mundial enquanto o resto vive em situações que vão desde o Neolítico até as bordas da civilização romana.

Basta notar que existem mais conexões eletrônicas em Manhattan que em todo o continente africano, e que 65% da população mundial nunca fez uma chamada telefônica.

A não ser que os países ricos se transformem em condomínios privados, cercados, trancados e murados de todos os lados para impedir a entrada de negros, latinos e asiáticos pobres (como fazem os ricos brasileiros), eles terão que dar ouvidos a este barulho todo.

Inteligência e boas idéias tem que ser aproveitadas, não a violência, não a estupidez.

______________________________________________________

1 Engenheiro agrônomo, especialista em produção animal pela École Superieure D´angers – França, e membro da equpe de articulistas da Scot Consultoria.

E-mail: scotconsultoria@scotconsultoria.com.br

Telefone: 17 3343-5111

Os comentários estão encerrados.