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A raiva dos herbívoros e os morcegos transmissores – parte 1

Por Luzia Helena Queiroz da Silva1 e Wagner André Pedro2

Importância econômica da doença

A raiva ainda é uma das mais importantes causas de mortalidade em herbívoros no Brasil, especialmente nos bovinos. Apenas no ano de 1999 foram registrados, de acordo com a Organização Panamericana da Saúde, 907 casos com diagnóstico laboratorial comprovado, 34.5% de um total de 2628 casos reportados, independentemente do tipo de diagnóstico realizado. Observam-se por estes dados que as perdas, por cabeças de bovinos mortos pela doença, são difíceis de se quantificar, devido à baixa proporção de casos suspeitos levados a diagnóstico laboratorial. Segundo conclusões de Tupinambá Valente & Siqueira Amaral (1972) para cada caso positivo diagnosticado existe, em média, 6 animais atingidos, representando prejuízos econômicos consideráveis.

Feital e cols (1998) publicaram um estudo epidemiológico da raiva bovina no estado do Rio de Janeiro mostrando que as perdas econômicas causadas pela doença, em um período de 13 anos (1980 a 1992), atingiram valores estimados superiores a US$ 17 milhões, incluindo as perdas diretas (leite e carne não produzidos), indiretas (espoliação sangüínea, perda de peso, etc.) e as referentes ao imposto não recolhido devido à perda na produção. Estudos como o mencionado acima não são muito comuns no Brasil, mas Acha (1989) estima que em toda a América Latina morrem anualmente, pela raiva, cerca de 50.000 cabeças de gado, o que daria um prejuízo superior a US$44 milhões por ano. Em uma revisão sobre a raiva publicada por King e Turner em 1993, comenta-se que a raiva bovina é responsabilizada, em todo o mundo, por uma perda anual de 50 milhões de dólares.

Em um estudo retrospectivo sobre doenças do sistema nervoso central em bovinos, na região Sul do Brasil, Sanches e cols. (2000) mostraram através do diagnóstico neuropatológico, que entre um total de 305 bovinos com sinais clínicos de distúrbios nervosos analisados, 49.31% apresentaram resultado positivo para raiva. Ainda, de acordo com dados apresentados recentemente por Marques e Kotait (2001) tem havido um acréscimo nos casos de raiva nas regiões Sudeste e Centro-Oeste nos últimos anos, com 1498 casos registrados apenas no ano de 2000.

A Raiva nos herbívoros

A raiva é uma doença causada por vírus RNA que ataca o sistema nervoso de mamíferos terrestres, morcegos e o homem. A raiva bovina transmitida por morcegos hematófagos (vampiros) existe apenas em países localizados entre o norte do México e o norte da Argentina, onde estes morcegos ocorrem. As primeiras descrições da raiva em bovinos no Brasil foram feitas nos anos de 1907 a 1911 no Estado de Santa Catarina, onde um surto matou grande parte do rebanho bovino e eqüino. O primeiro isolamento do vírus da raiva em morcegos no Brasil e no mundo, data de 1916, também de ocorrência em Santa Catarina.

Em regiões com epidemias de raiva canina, os bovinos podem adquirir a raiva através da mordedura por estes animais. Em outros países onde a raiva canina é controlada e não existem morcegos hematófagos, os transmissores são os animais silvestres, como raposas, coiotes, lobos, etc.

A penetração do vírus no organismo dos animais ocorre através de lesões da pele, provocadas pela mordedura de um outro animal doente, que elimina o vírus através da saliva. Durante o período de incubação da doença o vírus se multiplica no local da mordedura, disseminando-se a seguir pelos nervos periféricos até atingir o sistema nervoso central (cérebro). Este período varia de 30 a 90 dias, podendo chegar até a 150 dias, dependendo da extensão e profundidade do ferimento, da localização da mordedura, da quantidade de vírus que penetrou no organismo e da cepa viral.

Não se sabe exatamente o período em que os herbívoros podem transmitir a doença ao homem, embora considere-se que a quantidade de vírus presente na saliva destes animais seja inferior a de cães e gatos, há relatos de raiva em humanos transmitida por herbívoros. Assim, é recomendado que não se introduza as mãos na boca de qualquer espécie de animal com sintomatologia nervosa, sem o uso de luvas apropriadas.

Sintomas

A forma mais comum da manifestação da raiva nos bovinos é a paralítica, porém pode ocorrer a forma furiosa, principalmente em casos de agressão por cães. Não existem diferenças acentuadas entre as manifestações clínicas observadas nos bovinos, eqüinos, e outros animais de áreas rurais (caprinos, ovinos e suínos) quando se trata de raiva transmitida por morcegos.

O sintoma inicial é o afastamento dos animais do resto do rebanho, apresentando certa apatia e perda do apetite. Ficam, geralmente de cabeça baixa e indiferentes ao que se passa ao seu redor. Seguem-se outros sintomas como aumento da sensibilidade e coceira na região da mordida, hiper-excitabilidade, salivação abundante e viscosa e dificuldade para engolir (o que sugere que o animal esteja engasgado). Com a evolução da doença, apresentam movimentos desordenados da cabeça, tremores musculares e ranger de dentes, dilatação das pupilas, andar cambaleante, incoordenação motora, contrações musculares involuntárias. Depois que os animais entram em decúbito (se deitam), apresentam movimentos de pedalagem dos membros posteriores e anteriores, dificuldades respiratórias, asfixia e morte. Esta ocorre, geralmente entre 3 a 6 dias após o início dos sintomas, podendo se prolongar em alguns casos até 10 dias.

Não existe tratamento para a raiva e uma vez iniciados os sintomas clínicos, nada mais resta a fazer, a não ser isolar o animal e esperar pela sua morte. Como os sintomas em bovinos e eqüinos podem ser confundidos com outras doenças que causam encefalites, é importantíssimo que seja feito o diagnóstico laboratorial. O cérebro deverá ser retirado por profissional habilitado (médico veterinário particular ou técnico do Serviço de Defesa Sanitária Animal) e enviado a Laboratórios credenciados para a realização do exame. Uma boa coleta e conservação da amostra é importante para a realização de diagnóstico diferencial, especialmente da Encefalopatia Espongiforme dos Bovinos (Doença da Vaca Louca), que é uma exigência do Ministério da Agricultura.

Nunca se deve aproveitar a carne para consumo e pode haver perigo quando pessoas não preparadas manipulam a cabeça e o cérebro ou introduzem a mão na boca dos animais, na tentativa de desengasgá-los. Nestes casos, deve-se procurar um Centro de Saúde para atendimento.

O controle da raiva dos herbívoros

Para o controle da raiva dos herbívoros é necessária a adoção, de forma sistemática e contínua, de duas medidas: a vacinação do rebanho e o controle da população de morcegos hematófagos (Desmodus rotundus).

Vacinação anti-rábica

No Brasil são produzidos dois tipos de vacinas anti-rábica: vacinas com vírus vivo atenuado e a vacinas com vírus inativado. As vacinas atenuadas utilizadas atualmente contêm cepas de vírus que podem causar a doença em outras espécies animais, inclusive, com riscos de contaminação a seres humanos. Na vacina inativada, o vírus é destruído de forma a garantir que não cause a doenças em todos os animais susceptíveis. Uma outra diferença que deve ser levada em consideração é quanto à conservação das vacinas no meio ambiente. As vacinas atenuadas são mais sensíveis a alterações temperatura que as inativadas, embora a temperatura de conservação de ambas deva ser entre 2 e 8o C. Todas as vacinas produzidas e comercializadas no Brasil são rigorosamente controladas pelo Ministério da Agricultura em seu Laboratório de Referência Animal (LARA), de Campinas.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) preconizou para o Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros, a utilização da vacina inativada. Nos animais vacinados pela primeira vez, devem ser dadas duas doses, com intervalo de 30 dias, sendo que a idade para a primeira vacinação deve ser a partir dos 3 meses. Para bezerros nascidos de mães vacinadas, os anticorpos provenientes do colostro permanecem em níveis satisfatórios até esta idade, porém, para bezerros de mães não-vacinadas, a aplicação da primeira dose deve ser feita logo ao nascer, o que irá contribuir para uma boa imunização após as doses futuras. A revacinação é feita anualmente ou semestralmente de acordo com a ocorrência da doença na região.

Outra medida que está sendo adotada no Estado de São Paulo é a da vacinação obrigatória para bovinos e eqüinos, nas áreas consideradas epidêmicas -onde o número de casos é sempre crescente – e endêmicas – onde o número de casos de mantém constante, juntamente com a vacinação de Febre Aftosa, nas etapas previstas no calendário oficial. Da mesma forma que para a aftosa, os proprietários devem comprar a vacina e aplicar em seus animais, em seguida dirigem-se ao escritório de defesa mais próximo, onde apresentam a nota fiscal de compra da vacina e preenchem a declaração de vacinação em conjunto com a Aftosa. A falta de comprovação da vacinação implica em medidas punitivas, incluindo multas.

Entretanto, deve-se ressaltar que, mesmo animais que foram vacinados com produtos eficientes podem contrair a raiva. Isto pode ocorrer, quando estes foram vacinados em pleno período de incubação da doença, quando a vacina é aplicada de forma incorreta (utilização de via e dose diferentes da recomendada), quando a vacina é mal conservada – temperaturas altas ou de congelamento – e até mesmo por problemas do próprio animal, tais como outras doenças – parasitismo, doenças metabólicas, etc – ou incapacidade genética de produzir anticorpos em níveis adequados.

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1. Laboratório de Raiva; 2. Laboratório de Chiroptera – Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal – Curso de Medicina Veterinária – UNESP – Araçatuba

0 Comments

  1. celso martins de medeiros disse:

    Gostaria de cumprimentar a Dra Luiza Helena pelo excelente artigo.