Por Luzia Helena Queiroz da Silva1 e Wagner André Pedro2
Controle de morcegos hematófagos
Morcegos hematófagos e não hematófagos
A falta de informação sobre os morcegos, únicos mamíferos voadores, é um dos principais motivos do medo ou repulsa provocados por esses animais, que são importantes na manutenção do equilíbrio ecológico. A maior parte das pessoas imagina que todos os morcegos se alimentam de sangue, mas na verdade, das quase mil espécies no mundo apenas três são hematófagas.
Em relação aos efeitos benéficos que os morcegos exercem a natureza, podemos citar os morcegos insetívoros, que são reguladores naturais das populações de insetos noturnos: estima-se que 500 morcegos consigam capturar cerca de meio milhão de insetos em apenas uma noite (TUTTLE, 1979). Já os frugívoros, que se alimentam de frutas, se destacam por dispersar sementes de plantas, ajudando na recomposição de áreas desmatadas.
O sucesso de reprodução de várias espécies vegetais também está associado aos hábitos alimentares dos morcegos polinívoros e nectarívoros, que se alimentam de pólen e néctar, respectivamente. Mais de 500 espécies vegetais, de pelo menos 27 famílias, são polinizadas por morcegos na região neotropical (FLEMING, 1988). Mesmo o morcego vampiro comum é peça-chave na organização de comunidades biológicas em cavernas. Essa espécie leva grande quantidade de matéria orgânica para as cavernas, que serve de alimento a diferentes espécies de invertebrados (com. pess. W. Uieda).
Em geral, os morcegos se reproduzem lentamente e têm vida longa. Alguns insetívoros vivem até 30 anos (NOWAK, 1994). Os hematófagos chegam a quase 20 anos. O período de gestação de uma fêmea varia entre dois e sete meses, dependendo da espécie, e geralmente nasce um filhote por cria. A oferta de abrigo e alimento em ambientes freqüentados pelo homem é o principal atrativo para morcegos. Com a degradação dos ambientes naturais, o contato dessas espécies com os seres humanos ficou mais constante. Sua presença nos forros, o barulho e a sujeira (alguns defecam durante o vôo) são os principais incômodos.
Os morcegos da família Phyllostomidae, que têm um apêndice nasal em forma de triângulo, são seduzidos pelos frutos de embaúbas, figueiras e sete-copas ou, no caso das espécies nectarívoras, pelo néctar e pólen das flores do açoita-cavalo, da unha-de-vaca, do jatobá e do pequi. Os da família Verspertilionidae, donos de membranas em forma de “V” entre as patas traseiras, têm, na maioria dos casos, hábito de comer insetos, caçando-os entre folhas velhas de palmeiras. Outros insetívoros, da família Molossidae, possuem cauda livre e se abrigam em forros de casas, vãos de edifícios e frestas em geral. Muitos pensam que esses são morcegos-vampiros, mas os vampiros não têm cauda. São identificados por um apêndice nasal em forma de ferradura (PEDRO, 1998).
Desmodus rotundus, também chamado de morcego vampiro comum, tem ainda como característica, um polegar bastante longo, com três calosidades proeminentes. Os morcegos vampiros vivem em colônias compostas de alguns poucos até centenas de indivíduos, habitando ocos de árvores como o pau d´alho e diversos tipos de habitações construídas pelo homem, como bueiros, pontes e casas abandonadas. Nos locais habitados por esses morcegos geralmente podem ser observados montes de fezes de coloração semelhante a de óleo queimado. Quando estão em colônias, ficam agrupados com o ventre em contato com alguma superfície, o que, em combinação com outras características acima mencionadas, pode ajudar a diferenciá-los das espécies não hematófagas citadas anteriormente, que ficam penduradas pelas patas posteriores.
Apesar de merecerem respeito por sua função ecológica, os morcegos muitas vezes se transformam em veículo de agentes patogênicos para o homem. Podem ser reservatórios de alguns vírus, protozoários (Trypanosoma spp.) e bactérias (Salmonella e Leptospira). As fezes do morcego representam outro problema de saúde pública se estiverem contaminadas pelo fungo causador da histoplasmose. A infecção se manifesta em seres humanos como uma micose e provoca, em alguns casos, anemia ou pneumonia aguda, se instalada no pulmão. Além disso, no Brasil, os morcegos são os segundos colocados no ranking de transmissores da raiva para seres humanos, sendo responsáveis por 11% dos casos, segundo dados do Instituto Pasteur de São Paulo.
Controle da população de morcegos hematófagos
Por serem representantes da fauna silvestre, os morcegos são protegidos por Lei Federal. Por isso, apenas algumas instituições – e não empresas de controles de pragas – têm licença para capturar e manejar esses animais. Às empresas é permitida apenas a adoção de medidas que dispensem manipulação direta. Apesar de ser proibido matá-los, há quem use esse método para acabar com infestações muito grandes.
Os métodos modernos utilizados para o controle da população de morcegos hematófagos são seletivos, isto é, eliminam apenas os morcegos hematófagos, não interferindo com os outros morcegos não-hematófagos. A base desta metodologia é o uso de pasta contendo substância anti-coagulante, à base de Warfarina. Esta pasta pode ser aplicada diretamente nos bovinos, em feridas já abertas anteriormente por morcegos, ou aplicada diretamente no dorso de morcegos-vampiros capturados perto de currais ou em abrigos. Como eles costumam praticar asseio comunitário, lambendo-se mutuamente (WILKINSON, 1988), a pasta colocada no dorso de um membro da colônia é ingerida por outros, que morrem por hemorragias internas, em geral entre uma e duas semanas depois da ingestão. O método, porém, só funciona para espécies hematófagas e só pode ser usado por técnicos das Secretarias de Agricultura que são treinados para distinguir estas espécies das demais.
A aplicação da pasta nos bovinos, no local da mordedura dos morcegos, pode ser feita pelos próprios criadores que adquirem o produto em lojas de produtos veterinários. Como a pasta pode causar problemas ao homem e outros animais, se for ingerida, deve-se tomar o cuidado de utilizá-la apenas ao redor da ferida e segundo as instruções do fabricante, protegendo as mãos contra possível contaminação.
Os produtores podem colaborar com o controle da raiva, notificando a existência de abrigos de morcegos aos órgãos oficiais, responsáveis pelo controle da população de morcegos hematófagos. Esse trabalho enfrenta algumas dificuldades, como acesso difícil aos locais de abrigos, inexistência de informações em muitas regiões, aumento de abrigos artificiais, e superpopulação. Assim, o sucesso no controle da Raiva dos herbívoros ao longo do tempo, só poderá ser obtido se houver uma ação conjunta entre produtores e Instituições Públicas .
Referências bibliográficas
ACHA, P.& SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. Publicacion científica na 503, Organizacion Panamericana de la salud, 2a ed. , 1989, p.507.
FEITAL, A .S.S. & CONFALONIERI, U.E.C. Estudo epidemiológico da raiva bovina no Estado do Rio de Janeiro, Brasil (1982-1992). Rev. Bras. Cienc. Vet., 5 (1):21-27, 1998.
FLEMING, T. H. 1988. The short-tailed fruit bat. A study in plant-animal interactions. The University of Chicago Press, Chicago.
KING, A.A. & TURNER, G.S. Rabies: A Review. J. Comp. Path., 108: 1-39.
MARQUES, G.H.F. & KOTAIT, I. Situação epidemiológica da raiva dos herbívoros no Brasil. Resumos do Seminário Internacional de Morcegos como transmissores da raiva. São Paulo, 2001, p.27.
NOWAK, R. M. (ed.) 1994. Walker´s Bats of the World. The Johns Hopkins University Press, Baltimore. 287 p.
PEDRO, 1998. Morcegos na área urbana. Biológico, São Paulo, 60 (2): 101-102.
SANCHES, A.W.D.; LANGOHR, I.M.; STIGGER, A.L.; BARROS, C.S.L. Doenças do sistema nervoso central em bovinos no Sul do Brasil. Pesq. Vet. Bras., 20 (3):113-18, 2000.
TUPINAMBÁ VALENTE, F.A. & SIQUEIRA AMARAL, L.B. Ocorrência de moléstia nos rebanhos bovinos do Estado de São Paulo no triênio 1965/1967 – Raiva nas Regiões de Sorocaba, Presidente Prudente, Araçatuba e São José do Rio Preto. O Biológico, 38 (1): 25-9, 1972.
TUTTLE, M. D. 1979. Bats – Order Chiroptera. Pp. 47-76 in Wild animals of North America. (ALLEN, T. B.; SCOTT, S. L., eds.). National Geographic Society, Washington.
WILKINSON, G. S. 1988. Social organization and behavior. In: Natural history of vampire bats (GREENHAL, A. M.; SCHMIDT, U., eds.). Florida, CRC Press, 246 p.
Bibliografia consultada
Raiva bovina representa prejuízos aos produtores – Ivanete Kotait – Boletim Técnico Merial – Dezembro 2000.
A raiva bovina e o papel dos morcegos hematófagos – Luzia H. Queiroz da Silva & Wagner A. Pedro – informativo Fundepec Noroeste – Ano 1 No. 5 – outubro/novembro, 1996.
Texto sobre morcegos – Suplemento Agrícola do Jornal o Estado de São Paulo de 24.04.2002.
_________________________
Por Luzia Helena Queiroz da Silva1 e Wagner André Pedro2
1. Laboratório de Raiva; 2. Laboratório de Chiroptera – Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal – Curso de Medicina Veterinária – UNESP – Araçatuba