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A reforma da PAC, o Brasil e a crise

Em princípios de julho ouvimos a boa notícia de que a Europa estaria se preparando para revisar sua Política Agrícola Comunitária (PAC).

Para que se compreenda a PAC e o que sua reforma pode representar para o Brasil é necessário regressar ao ponto de partida do mercado comum europeu.

Em 1962, o objetivo inicial da Comunidade Européia era criar um mercado comum protegido do mercado externo. Ao longo dos anos, a política comunitária acabou por desconectar os preços dos produtos agrícolas europeus dos preços do mercado mundial. Para que o sistema funcionasse, tornou-se necessário taxar as importações e subsidiar as exportações para que os preços europeus e mundiais fossem nivelados.

Hoje, a PAC representa cerca de 43 bilhões de euros, devorando cerca de 40% do orçamento total da União Européia.

Em 1992, uma reforma foi iniciada objetivando a redução dos preços mínimos garantidos aos produtos agrícolas, o que foi compensado pelo aumento dos subsídios diretos para que a renda dos agricultores fosse mantida. O problema é que muitos desses subsídios são proporcionais, ainda que indiretamente, à produção, ou seja, o agricultor que produz mais ganha mais. Este tipo de subsídio encaixa-se em uma lógica produtivista que por 40 anos dominou a política agrícola européia.

Projeto de reforma

Foi justamente contra essa lógica produtivista, que cada vez mais tem sido associada à insegurança alimentar, à poluição e à destruição do meio ambiente, que surgiu o projeto de reforma do austríaco Franz Fischler, Comissário Europeu da Agricultura. As propostas desta reforma são:

– reorientar os subsídios, privilegiando mais a qualidade do que a quantidade. Desta forma, as ajudas diretas aos agricultores seriam desvinculadas da produtividade de cada propriedade;
– a redução dos preços mínimos garantidos (começando pelos cereais);
– e a redução global dos subsídios diretos em 3% ao ano de 2004 até 2010. Esse dinheiro economizado seria aplicado em projetos de proteção ao meio ambiente e desenvolvimento rural.

Quando a Comissão Européia votou em Berlim em 1999 a chamada Agenda 2000, que estabelecia o orçamento agrícola da Europa de 2000 até 2006, previu-se uma ligeira revisão a meio caminho, mas não uma reforma da amplitude proposta por Fischler.

Contra e a favor

Países como Alemanha, Reino Unido, Suécia e Holanda, que contribuem significativamente para o orçamento da União Européia, mas que recebem apenas uma pequena parte dos subsídios, defendem o projeto de reforma. Entre os opositores estão os principais países beneficiários da política atual, com a França na linha de frente, seguida por Irlanda, Itália, Grécia, Espanha e Portugal.

Os argumentos destes países que se opõem à reforma são basicamentes os mesmos, principalmente de que a reforma faria desaparecer grande parte dos agricultores que não sobreveviriam sem os subsídios.

É no entanto um francês que tem as melhores respostas à estes argumentos, Jean Glavany, deputado socialista e ex-ministro da Agricultura do governo Jospin, que critica a postura conservadora e demagógica do governo atual.

Glavany declara que desligando os subsídios da produção, os principais beneficiários seriam os pequenos agricultores, que hoje desaparecem porque não produzem o suficiente para se manterem. Diz ainda que em vez de subsídios a Europa deveria se preocupar mais com mecanismos eficientes para regular a produção e o mercado.

A discussão do projeto de Fischler deve continuar durante uma reunião em Nyborg na Dinamarca no início deste mês de setembro.

Música para os ouvidos

Mesmo que as reformas não tenham sido ainda aprovadas, a notícia de que elas seriam discutidas foi música para os ouvidos da Organização Mundial do Comércio e do Ministério da Agricultura do Brasil.

Para a OMC, a reforma seria um passo positivo para o avanço da liberalização do comércio europeu, segundo a agenda adotada em Doha no ano passado.

Para o Brasil, novas oportunidades poderão surgir desta reforma. A extensificação da produção agrícola européia implicará em uma maior necessidade de importação, tanto por questões de abastecimento como por regulagem de estoques e preços. Isso pode levar a UE a aumentar ou criar novas cotas de importação de produtos agrícolas.

Em uma época onde o Brasil, o Mercosul e a América Latina parecem atravessar uma tempestade, a reforma de Franz Fischler e as novas possibilidades de diálogo na OMC trazem esperanças à um dos setores onde somos mais fortes: a Agricultura.

Mensagem

Na revista l’Express da semana passada, o excelente artigo de Jacques Attali resume o que pode acontecer (ou está acontecendo) conosco:

“A melhor maneira de se ajudar a América Latina a sair da crise não é correr para lhe conceder empréstimos no último minuto, mas de permitir-lhe exportar carne e automóveis e parar de lhe comprar maconha e cocaína. Fechando a esses países as portas para seus produtos honestos, os forçamos a produzir o que eles sabem poder vender pelos circuitos da economia criminosa, da qual os países do Norte são as primeiras vítimas. Tudo está ligado: fabricando-se miséria não somente provocamos violência como também produzimos narcotraficantes. E a droga destruirá o Ocidente muito mais eficazmente do que o terrorismo”.

Uma mensagem que bem poderia ser lida por George Bush. Curiosamente, na mesma edição da L’Express, um artigo falava sobre o tráfico de animais silvestres vindos do Brasil…

Aí está mais um motivo para lutarmos pelos nossos interesses frente à OMC, à Alca e à União Européia, pois o comércio ainda é a nossa melhor saída para a pobreza e a violência.

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