Nos últimos dois anos, segundo pesquisa e estimativa da Scot Consultoria, a pecuária brasileira passou 4,9 milhões de hectares para a agricultura. Essa quantidade de terra foi arrendada para terceiros ou lavrada pelos próprios pecuaristas.
Ao contrário do que se esperava, não houve retração do rebanho nacional, mas sim aumento. Estima-se que em 2003 o rebanho brasileiro tenha aumentado 8 milhões de cabeças, um crescimento de 4,6% em relação ao estimado para 2002. Menos área e maior rebanho permite concluir que houve um aumento da tecnologia.
O aumento tecnológico da pecuária de corte já vinha sendo observado nos últimos anos, apesar de que parece ter sido mais intenso nos últimos dois anos.
A adoção de tecnologia nas fazendas de pecuária tende a seguir os passos expostos na tabela 1. Essa estrutura foi montada pela Scot Consultoria com base na realidade observada em diversas fazendas analisadas nos últimos anos.
Tabela 1: Seqüência comum do processo de intensificação
Ao longo dos anos, a tendência é que as técnicas e conceitos apontados na tabela 1 sejam todas implementadas nas fazendas. Porém, ainda hoje, o produtor tem se mostrado reticente em avançar para o passo 15, a partir de onde se iniciaria os programas de adubações e aumento significativo das lotações das pastagens. Em outras palavras, todos os índices zootécnicos melhoraram, mas falta ainda passar a produzir um maior número de animais na mesma área.
O processo de produção a partir do 15o passo tecnológico envolve melhores condições de manejo do pasto, e do pastejo, e conceitos agrícolas para a manutenção e produção das pastagens. O aumento de lotação também exigirá maior atenção para com a alimentação do rebanho. Com isso, o sistema de produção fica mais complexo, demandando maiores controles por parte dos empresários.
Além da maior complexidade, a intensificação traz uma percepção equivocada com relação aos resultados. Aparentemente, os lucros serão menores.
Na verdade, isso ocorre por uma falha conceitual originada pela tradição de produtores e técnicos analisarem os custos apenas com base em cada indivíduo, ou seja, acostumou-se a calcular custos por animais e por arroba, ao invés de pensar em toda a área. Ambas as análises são importantes.
Observe, em dois casos, as participações dos componentes de custos de produção: uma fazenda com bons índices zootécnicos e baixa lotação e outra fazenda com bons índices zootécnicos e alta lotação.
Para estimar os números, foram utilizados índices reais de produtividade, obtidos em diversas empresas analisadas nos últimos anos. Os valores de insumos, serviços e produtos foram atualizados com preços de mercado do início de 2004.
A comparação foi feita com base em uma área de 2.200 hectares para a produção pecuária. A fazenda, total, contabilizava 2.900 hectares. A atividade da empresa, em ambos os casos, foi a do ciclo completo.
Primeira situação: baixa lotação
Na simulação para a situação de baixa tecnologia foi considerada uma lotação de 0,7 unidades animal (450 kg de peso vivo) por hectare. Alguns indicadores técnicos da empresa de baixa tecnologia estão apresentados na tabela 2.
Observe que os custos operacionais por animal do rebanho ficam em torno de R$205,00/cabeça/ano. Os desembolsos anuais, ou seja, os gastos com despesas, impostos e salários serão próximos de R$130,00 para cada animal do rebanho.
Na figura 1 estão apresentadas as participações dos componentes dos custos operacionais totais.
Trata-se de um valor que deveria anualmente, ou mensalmente, ser provisionado para a futura substituição dos bens de produção. O não provisionamento dos valores das depreciações geralmente leva a empresa a uma situação de sucateamento dos bens disponíveis: tratores, máquinas, instalações, benfeitorias, cercas, etc.
No caso da baixa tecnologia, 36% dos custos operacionais são referentes às depreciações. É o componente de custo mais representativo da empresa. E como é difícil visualizá-lo, caso o produtor não seja organizado nos controles de custos, empresas com baixa tecnologia tendem a sucatear os bens de produção, uma característica que pode ser observada visitando empresas de pecuária.
Vale lembrar que depreciações consistem no provisionamento de recursos para substituição. Equivocadamente, muitos confundem depreciações com as manutenções.
Quando se fala em redução de custos fixos, na verdade imagina-se aumentar a escala de produção e diluir a participação dos custos que não aumentam proporcionalmente à medida que se aumenta a escala de produção. É o caso das depreciações.
Espera-se, portanto, que o aumento de tecnologia permita essa redução nas participações das depreciações nos custos operacionais.
Segunda situação: alta lotação
Da mesma forma que procedido anteriormente, foi aplicado na mesma empresa os conhecidos índices de produção e demanda de insumos e serviços que se obtém para atividades de ciclo completo; porém, nesse caso, com lotações em torno de 3,0 unidades animal/hectare.
Na tabela 4 estão expostos os indicadores técnicos da empresa com maior aporte tecnológico.
Na figura 2 é possível observar as participações dos componentes de custos operacionais de produção na fazenda.
Significa que os recursos, bens de produção ou ativos estão sendo melhor aproveitados. Produz-se mais pela mesma quantidade de capital imobilizado. Resta saber se é economicamente viável.
Observe que o grande componente de custo de produção, na alta tecnologia, serão os gastos com insumos agrícolas, que incluem corretivos, fertilizantes, sementes e defensivos.
Comparações entre alta e a baixa tecnologia
Na comparação entre as situações de baixa e alta tecnologia, ocorre um fato que geralmente leva produtores e empresários a ficarem descrentes com relação à aplicação de tecnologia em fazendas de pecuária.
Os custos, quando a análise é feita por animais, tendem a aumentar consideravelmente. Na figura 3 estão os custos operacionais e os valores desembolsados (custeio) por cabeça por ano em ambos os casos: alta e baixa tecnologia.
Porém, como geralmente o produtor não acompanha os custos operacionais completos em sua atividade, a comparação acabará sendo feita com base apenas no custeio, ou com base nas despesas anuais – os custos variáveis indiretos e diretos.
Neste caso, o acréscimo é da ordem de 60% nos gastos por animal da alta tecnologia, quando comparado à baixa tecnologia. Os gastos anuais por animal saem da ordem de R$129,50, baixa tecnologia, para cerca de R$207,91, alta tecnologia.
É, principalmente, por este motivo que grande parte dos produtores não apostam no aporte tecnológico em suas fazendas. Acham que os lucros se reduziriam.
E de fato, os custos individuais dos animais, quando produzidos com maior tecnologia, aumentam em relação aos custos de produção com menor aporte tecnológico. Vários são os fatores que provocam o aumento de custos, mas pode-se atribuir a um maior aporte de insumos que serão demandados para a produção.
Por exemplo, aumentando a tecnologia, o produtor optará pelos melhores programas sanitários, conduzidos adequadamente visando evitar que os ganhos em produtividade sejam limitados por um item básico, que representa menos de 3% dos custos operacionais.
Os cuidados com a alimentação serão redobrados. Maior quantidade de animais, por unidade de área, implica em menor possibilidade de seleção de forragem. A tendência natural é a redução do desempenho animal que pode ser revertida com o fornecimento complementar de alimentos.
Outro motivo é a maior necessidade de suplementação no período das secas. Quando se aumenta a produtividade de forragem no verão, ocorre naturalmente o aumento da diferença entre oferta de forragem na época das chuvas e na época das águas. Ou seja, há uma acentuação na curva de estacionalidade, conforme pode ser observado pela esquematização na figura 4.
Aos administradores caberá desenvolver a melhor estratégia de suplementação para cada categoria animal disponível na empresa: vacas, touros, bois em terminação, bois magros, garrotes, primíparas, novilhas, bezerros e bezerras e desmamas.
As estratégias de alimentação envolvem, além da complementação com sal mineralizado comum devidamente selecionado de acordo as exigência, sal com uréia, sal proteinado da seca, sal proteinado de verão, semi-confinamento, confinamento e outras estratégias que sejam tecnicamente viáveis.
Empresas tecnificadas acabam colhendo bons resultados fornecendo sais proteinados, ou concentrados de baixo consumo, durante períodos estratégicos à manutenção da lotação ou preparo de animais para entrar em terminação.
Portanto, um animal em uma empresa tecnificada tende a ter acesso a maiores quantidades de alimentos, sejam concentrados ou sais proteinados. Observe na figura 5 os custos anuais por cabeça com alimentos concentrados e sais mineralizados nas fazendas de alta e baixa tecnologia.
Nas simulações, conforme observado anteriormente, os custos com sais mineralizados e concentrados aumentam de R$56,2 mil para R$337,3 mil ao ano.
Em valores absolutos, o custo da alimentação é o segundo maior aumento nominal ficando atrás apenas do gasto com insumos agrícolas, que garante a produção de volumosos.
Resultados econômicos
Os números, portanto, acabam levando quem os observa a concluir mal os reais benefícios da tecnificação. Na verdade, além da falha em não acompanhar os custos completos, a análise dos custos de produção focando apenas o desempenho individual dificulta a observação dos resultados.
É preciso avaliar o resultado da empresa como um todo. Mesmo sabendo que a tecnologia promove o aumento da produtividade por área, é comum ainda observar análises econômicas sem considerar os ganhos por área.
Afinal, com um boi custando mais caro, é possível que os resultados de uma empresa de alta tecnologia sejam maiores quando comparados aos da de baixa tecnologia?
Pois bem, lembrando que na baixa tecnologia a empresa vende anualmente a média de 677 animais, enquanto que na alta tecnologia a venda passa a ser de 2.967 animais, é de se esperar que o aumento da receita compense o aumento no montante dos custos operacionais de produção na fazenda de alta tecnologia.
Sendo assim, a análise do lucro operacional – que é a diferença da receita total menos os custos operacionais – da empresa permite uma boa análise dos resultados econômicos. Observe na figura 6.
Os valores de vendas dos animais foram lançados usando o mesmo critério dos custos. A simulação levou em consideração os preços de mercado do período inicial de 2004.
Outra análise comum que se faz com relação a resultados é a da rentabilidade. A rentabilidade mede a capacidade do capital total investido em multiplicar o capital. É a relação porcentual entre o lucro operacional e o total imobilizado na atividade. A figura 7 ilustra as rentabilidades em ambos os casos.
Vale lembrar que, em termos de rentabilidade, os valores são baixos em relação às médias históricas quando comparadas às mesmas situações.
Os custos de produção e os valores de venda dos animais foram considerados num período desfavorável à pecuária. São exatamente os maus resultados dos últimos dois anos que favoreceram o avanço da agricultura sobre área de pastagens.
Considerações finais
O produtor conhece e tem adotado as técnicas modernas de mineralização do rebanho. Tanto é que se atribui a melhor mineralização, associadas a programas de suplementação com sal proteinado, a redução na diferença dos preços da arroba do segundo semestre em relação ao primeiro semestre.
Os três primeiros passos tecnológicos, conforme apontado na tabela 1, referem-se ao uso de suplementos mineralizados, outra evidência que o produtor brasileiro está atento à importância de bons programas de mineralização do rebanho.
O aumento considerável nas despesas por animal assusta o produtor, que ainda é desconfiado com relação aos ganhos com a tecnificação da propriedade.
Adubar, planejar programas de suplementação mais ousados e investir em infra-estrutura para manter um maior número de animais na fazenda tem provocado a lentidão no avanço tecnológico a partir do 15o passo, que é caracterizado pelo início das adubações e aumento vertical da produção.
A tendência é que esse avanço se intensifique cada vez mais. Assim como ocorre com toda a tecnologia, ganhará mais quem conseguir tecnificar a empresa mais cedo.
Vale lembrar que a maior dificuldade do processo é o montante de capital demandado, tanto para manter o fluxo de caixa inicial, como para investir na compra dos animais.
Sem aporte externo de capital, a tecnificação é um processo lento. Por isso quanto mais cedo começar, melhor.
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Prezado Maurício:
Parabéns pela ótima simulação de uma pecuária tecnificada. Muito informativa sobre o que pode ser feito para aumentar os lucros, desde que precedidos dos necessários investimentos e amparada por sólidos conhecimentos técnicos ou assessoria competente.
Permito-me sugerir que os estudos compreendam também a descrição do que já é feito e praticado por pecuaristas tecnificados, a exemplo do que constatei na Faz.Corumbiara-Rolim de Moura/RO e na Faz.S.Francisco-Peixoto de Azevedo/MT. Um relato sobre o que se faz nessas propriedades, ou outras de seu conhecimento, daria elementos de convição para complementar a simulação apresentada.
Cumpre sempre avaliar o que deve ser feito, com o que pode ser feito, ao lado do que já se faz. Senão corre-se o risco de se limitar às regras e teorias, que demonstram sem dúvida conhecimento, mas que podem pecar por falta de praticabilidade.
Com relação às curvas de oferta de forragem, a meu ver, devem ser acompanhadas de avaliações do estoque remanescente resultante de um consumo inferior à produção. As adubações de fim de verão podem vir a atenuar a flutuação da oferta, aumentando o estoque disponivel,-de qualidade razoavel-, no inicio do periodo seco e frio.
Cordial abraço de congratulações.