Desde 2020, algumas das principais empresas de alimentos do mundo anunciaram metas próprias de redução de emissões de poluentes e de eliminação do desmatamento de suas cadeias, ainda que permitido por legislações nacionais. A série de compromissos cresceu nas últimas semanas, mas o sucesso dessas iniciativas depende de uma postura comum dos vários integrantes das cadeias sobre como lidar com a pressão que a demanda crescente por alimentos exerce sobre ecossistemas. Para além das metas, é preciso adesão a elas.
A onda mais recente de novos compromissos vem do setor de carnes, que é apontado como o principal vetor de desmatamento e emissões na indústria de alimentos e tem o domínio de companhias brasileiras. Na última quinta-feira, a Minerva, maior exportadora de carne da América Latina, se propôs a rastrear todo o gado que abate no continente até 2030, ano em que pretende eliminar o desmate ilegal na cadeia. Das grandes empresas do segmento, ela foi, porém, a única a não se comprometer com o fim do desmatamento legal.
No segmento de carnes, a primeira a anunciar publicamente suas metas foi a Marfrig. No ano passado, a empresa informou que prevê rastrear todo o gado que abate para que, até 2025, nenhuma cabeça comprada na Amazônia esteja relacionada a desmatamento, ainda que ocorrido de forma legal depois de 2009. Mais recentemente, a empresa se propôs a zerar o desmatamento legal em toda a cadeia até 2030, mas está definindo o ano-base (a partir de quando o desmatamento legal não deveria mais ter ocorrido).
Líder global em carnes, a JBS anunciou, em março, o mesmo objetivo, de zerar todo tipo de desmatamento, mesmo dentro da lei, mas com um prazo cinco anos maior, até 2035. E, reconhecendo também que ainda há desmate ilegal em sua cadeia, comprometeu-se com a eliminação do problema até 2025 na Amazônia e até 2030 nos outros biomas. Já a BRF, dona da Sadia e Perdigão, ainda está elaborando seu compromisso.
Os planos das indústrias de carnes estabelecem também metas de neutralização das emissões de carbono. A mais ambiciosa é a da Minerva, que pretende atingir esse objetivo até 2035, cinco anos antes da JBS. A Marfrig ainda não definiu sua meta de emissões, mas informou ter a “ambição” de neutralizá-las até 2050, podendo antecipar para até 2035. Já a BRF não tem meta para emissões totais, mas para redução da pegada de carbono da produção (escopos 1 e do 2 do protocolo internacional GHG de contabilização de emissões), que é de 20% até 2030 – o cálculo considera 2019 como ano-base.
Responsáveis por mais de 20% das emissões de gases estufa, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a agropecuária e o desmatamento são elementos centrais na crise climática – e, no caso dos frigoríficos, o problema não se restringe às compras feitas diretamente pelos frigoríficos. Para esses grupos, o maior desafio será, aliás, diminuir as emissões relacionadas aos seus fornecedores (escopo 3). Nem Minerva nem JBS estabeleceram meta específica para esse escopo, já que ainda precisam rastrear toda a cadeia e mensurar seu nível de emissões. A Marfrig, por sua vez, comprometeu-se com redução das emissões do escopo 3 em 35% até 2035.
A soja é igualmente central nos esforços ambientais: a cadeia do grão é, entre os produtos agropecuários, o terceiro maior vetor de desmatamento no mundo, atrás de gado e palma, segundo o World Resources Institute (WRI). Os compromissos das empresas do segmento variam em prazos que chegam até 2030, mas nem todas têm metas definidas. Das “ABCD” – as tradings ADM, Bunge, Cargill e Louis-Dreyfus Company, que comercializam mais da metade da soja no mundo -, a única que não divulga meta para desmatamento é a LDC.
Do quarteto, a de prazo mais curto é Bunge, que se comprometeu a zerar qualquer tipo de desmatamento até 2025. A empresa, que já vem aplicando algumas medidas mesmo contra quem desmata legalmente, mas não se encaixa em suas políticas, excluiu 37 fornecedores no Brasil em 2020, além das exclusões por praticas ilegais.
ADM e Cargill preveem zerar o desmatamento em suas cadeias de produção até 2030 – o desmate legal ainda será tolerado até lá. No caso da Cargill, o prazo foi definido após ela deixar de alcançar esse mesmo compromisso estabelecido para 2020. A chinesa Cofco, outra grande no segmento, não tem meta para acabar com o desmatamento legal na cadeia, mas quer chegar a 2023 com todo o fornecimento direto de soja rastreado.
As tradings não anunciaram, porém, metas para emissões de carbono nas lavouras. A única que se propõe a atuar nas emissões relacionadas aos seus fornecedores (no escopo 3) é a Cargill, que quer reduzir a intensidade dessas emissões em 30% entre 2017 e 2030.
Apesar do ineditismo das metas, as indústrias de soja e de carnes enfrentam múltiplas pressões. Entre as organizações sociais, relatórios críticos às empresas se multiplicam, como os da ONG Mighty Earth, que avalia o desempenho de cada uma das maiores empresas. Em 2020, a organização avaliou os desempenhos das tradings de soja e viu diferenças entre as empresas, mas ressaltou que nenhuma obteve pontuação “digna de elogio”.
No exterior, a tolerância com empresas que ainda não eliminaram o desmate ilegal está cada vez menor. O Reino Unido, por exemplo, vai adotar uma lei para interromper imediatamente a importação de produtos ligados à prática, enquanto a União Europeia discute regras para barrar produtos associados ao desmatamento, e ainda pode dificultar a entrada de itens com alta pegada de carbono. No Brasil, entretanto, muitos representantes de agricultores e pecuaristas ainda resistem a eliminar a prática e consideram as restrições “abusivas” (ver texto Entre produtores, desmate zero ainda é tema controverso).
Independentemente da discordância dos produtores, a pressão do mercado consumidor só cresce, o que tem levado grandes varejistas e indústrias de alimentos a adotar critérios para desassociar os produtos nas gôndolas de qualquer tipo de desmate. GPA e Carrefour, por exemplo, criaram políticas que preveem excluir fornecedores associados ao desmate, ainda que legal. E, como alertou na semana passada a Mighty Earth, as varejistas têm sido pressionadas para endurecer seus controles para além dos produtos oriundos da Amazônia brasileira.
Fonte: Valor Econômico.