Vale recapitular. Este ano o mercado do boi gordo chegou, provavelmente, ao fundo do poço. Em setembro, nas bandas de São Paulo, o preço médio fechou em R$50,88/@. Foi, com base numa série de preços corrigidos pelo IGP-DI, o valor mais baixo dos últimos 35 anos.
Mas a partir da última semana daquele mesmo mês, o mercado, que vinha frouxo, passou a trabalhar em ambiente firme. O boi “sumiu”. O impacto da redução do volume de animais confinados e semiconfinados finalmente se fez sentir.
Em apenas 20 dias, 19 de setembro a 10 de outubro, a cotação da arroba do boi gordo paulista subiu 18%, saindo de R$50,00 para R$59,00. Na verdade, os aumentos foram generalizados. No Mato Grosso do Sul, ao longo do mesmo período, o boi reagiu 13%. Em Goiás, 17%. Em Minas Gerais, 13%. Somente no extremo Sul do país o mercado não trabalhou em alta, em função da boa disponibilidade de animais terminados em pastagens de inverno.
De toda forma, na maioria das praças pecuárias, os compradores enfrentavam sérias dificuldades na aquisição de matéria-prima, e tudo levava a crer novas valorizações da arroba. Foi então que veio a notícia. Febre aftosa no Mato Grosso do Sul. Bagunçou o coreto.
O Estado é detentor do maior rebanho bovino do Brasil, com cerca de 24 milhões de cabeças. É praticamente o mesmo rebanho da Austrália. Responde por 12% das exportações nacionais de carne bovina, atrás apenas de São Paulo, que só exporta mais justamente porque abate muito gado sul mato-grossense.
Veja só. Ao contrário do que aconteceu em 2004, com casos no Amazonas e no Pará, dessa vez a aftosa atingiu o coração da pecuária nacional.
Após a notificação do primeiro foco, o mercado travou. Boa parte dos frigoríficos, principalmente no Mato Grosso do Sul e Estados vizinhos, interrompeu os abates. Quando as operações foram retomadas, vieram as esperadas quedas de preços. Na verdade, as cotações do boi gordo despencaram no Estado.
Depois começaram os embargos, alimentando a crise. É verdade que a maioria das restrições comerciais concentrou-se sobre o Mato Grosso do Sul. Mas alguns clientes de peso, como a União Européia, chegaram a interromper as compras do Paraná e, pior, de São Paulo.
Daí para a proliferação de projeções fantasiosas e exageradamente alarmistas, foi um pulo. Chegaram a ser publicadas, em jornais de grande circulação, declarações de que a arroba do boi gordo em São Paulo poderia cair para R$ 40,00, e que o prejuízo, somente em exportações de carne bovina, chegaria a US$ 3 bilhões. Um absurdo sem tamanho.
Para tanto, as vendas externas teriam que cair a zero. Isso mesmo, zero! Em outubro as exportações brasileiras de carne bovina somaram US$ 153,90 milhões. Um recuo de 43% na comparação com setembro e de 32% em relação a outubro do ano passado. É verdade que, este mês, deve haver retração ainda mais significativa, pois ao problema da aftosa soma-se a paralisação dos fiscais agropecuários. Mas não é o fim das exportações.
Aliás, o ritmo das vendas externas já vinha esmorecendo, provavelmente em função do dólar baixo e da retração da oferta de animais terminados. Em setembro o desempenho foi “apenas” 6,8% superior ao do mesmo período do ano passado, sendo que, na comparação com agosto, foi apurada uma retração de 17,3%, como pode ser observado na figura 1.
Figura 1. Exportações brasileiras de carne bovina – mil toneladas equivalente carcaça
Aconteceu na entressafra, acentuada pela significativa retração no volume de animais confinados e semiconfinados. A escassez de matéria-prima é tanta que a cotação da arroba se descolou do dólar, mesmo com os embargos à carne brasileira. Veja na figura 2.
Figura 2. Arroba do boi gordo em SP e dólar comercial multiplicado por 10 – R$
E além da oferta ajustada de animais terminados, o mercado internacional se mostra bastante enxuto, uma vez que os Estados Unidos enfrentam sérias restrições comerciais (reflexos da vaca louca) e a Austrália está no limite de produção. Sem contar que a economia mundial atravessa um período de crescimento acentuado, ou seja, o mundo está realmente precisando de carne.
Essa conjunção de fatores positivos permitiu que, em poucos dias, o mercado voltasse a trabalhar em ambiente firme, como pode ser observado na figura 3. Veja por exemplo que, em São Paulo, no fechamento desta análise, o mercado já havia retornado aos patamares do início de outubro.
Figura 3. Boi gordo em R$/@, a prazo, para descontar o funrural
Os frigoríficos paulistas, que enfrentavam sérias dificuldades de compras, conseguiram alongar as escalas por mais 2 ou 3 dias. Mas tudo indica que, após essa leva de gado vindo no rastro da abertura da fronteira, o mercado deve se acomodar de novo. Ainda não há gado terminado em volume suficiente para sustentar um movimento de baixa.
Em síntese, a aftosa veio, mas o Brasil não acabou. É preciso considerar, no entanto, que não fosse a presença da doença, as cotações da arroba teriam alcançado patamares mais altos. O período de maior potencial de aumento de preços se perdeu no meio da crise.
Além do mais, a imagem do maior exportador mundial ficou desgastada. Os trabalhos para ampliação e conquista de novos mercados foram seriamente prejudicados, sem contar que os “inimigos” da carne brasileira, principalmente na Europa, ganharam de lambuja mais um argumento para sustentar o lobby contra o produto nacional.
Pouco importa de onde vieram os focos. O acontecido deixa claro que é preciso adotar uma postura mais responsável em relação à defesa sanitária. Afinal, mesmo antes dos focos recentes, cerca de 61% do mercado mundial, em termos de valor, estava fechado para as carnes in natura do Brasil por conta da febre aftosa.
De 1995 a 2004, enquanto o rebanho bovino brasileiro cresceu 22%, a produção de carne cresceu 40%, e as exportações 684%, o investimento público em defesa sanitária despencou, em reais, 82%. Parece que existe algo fora de sintonia, ainda mais que o governo federal havia estipulado, como meta, a erradicação total da febre aftosa até o final de 2006. Mas como, se o combate vinha retrocedendo?
É óbvio que o setor produtivo compartilha com o Estado a responsabilidade pelo controle de enfermidades. Mas os números atestam que a imensa maioria dos produtores brasileiros tem cumprido com suas obrigações. Nos últimos 10 anos a média de cobertura vacinal aumentou 48%, alcançando 95% do rebanho, e o número de doses de vacinas aplicadas saltou de 198,82 milhões para 332,79 milhões, um crescimento de 67%.
Ao governo compete garantir que o desleixo, ou a irresponsabilidade de uns poucos, não prejudiquem o bom trabalho desenvolvido pela maioria. Para isso é preciso, entre outras coisas, educar, fiscalizar e punir. Mas sem investimento, não dá.
Detalhe. Além das denúncias de fraude na coleta de amostras de animais paranaenses, chegam informações de que, em assentamentos, as vacinações não estão sendo feitas. Pode?
Estão brincando com coisa séria. Minha avó já dizia que isso nunca dá certo.
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Peço ao ilustre analista que reflita um pouco sobre o seguinte:
1- A quais grupos econômicos ou políticos interessava bagunçar o mercado justamente naquele momento em que a arroba havia valorizado quase 20%?
2- Quais grupos levaram vantagem?
3- Porque os governos federal e do MS fizeram tamanho alarde sobre o problema?
4- Porque tentaram de tudo para tentar provar que uma fazenda bem administrada era culpada e irresponsável?
5- Porque tanto empenho do ministério da agricultura em inventar focos de aftosa no Paraná?
6-Porque governos e mídia escondem o que se passa nos assentamentos de sem terra com bovinos comprados com financiamentos subsidiados a perder de vista?
7-Porque a CNA não saiu correndo para ver o que realmente estava ocorrendo e logo utilizar os veículos de comunicação de massa para esclarecer os pecuaristas e a população?
Atenciosamente,
Luiz R. Villela