O podcast Agrifatto Cast discutiu sobre as possíveis consequências para o mercado pecuário e agrícola da invasão da Ucrânia pela Rússia. Ao sair a notícia da invasão, as commodities em Chicago explodiram e isso sugere um efeito sobre o mercado do boi gordo.
Quais os possíveis impactos sobre os preços do boi gordo?
A primeira coisa que todo mundo pensa é na demanda por carne bovina. Em outubro ou novembro do ano passado, a Rússia aumentou a cota de tarifa de importação zerada, uma estratégia russa para, em teoria, estimular a compra de carne bovina brasileira, inclusive o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) acompanhou isso, mas a realidade é que desde 2012 a Rússia compra muito menos carne bovina.
O país já foi o principal comprador de carne bovina do Brasil, mas hoje compra muito menos. Isso porque o russo está comendo menos carne. O consumo per capita de carne bovina na Rússia caiu em torno de 30% nos últimos 10 anos e, consequentemente, as importações também caíram. Hoje, a Rússia é o sétimo ou oitavo maior comprador de carne bovina do Brasil, com um volume de 3 a 6 mil toneladas por mês, o que, em proporção, significa 0,5% a 1% da nossa produção total de carne bovina. Assim, em teoria, se a Rússia parar de comprar carne bovina do Brasil, não teremos um impacto tão grande, pelo menos do ponto de vista fundamental.
Existe um cenário em que a Rússia precise comprar muito mais carne bovina do Brasil por deixar de importar de outros países? A questão é que a demanda por carne no país está menor devido ao menor consumo. Assim, a tendência de estímulo à demanda e a mais importações é pequena.
Em 2021, o Brasil exportou cerca de 1,5% de carne bovina à Rússia. Nosso mercado hoje está pequeno, pois o consumidor brasileiro está fragilizado, mas o impacto é pequeno, bem menor do que da China, por exemplo, que compra 50% da carne. Ainda assim, pode ter um impacto, ainda que pequeno.
Outro impacto possível é talvez sobre a demanda europeia, pois há efeitos continentais lá, não somente localizados na região do conflito. Provavelmente, a Europa não vai cessar as importações, mas pode ter um impacto negativo. As exportações podem cair um pouco. Mas claro que isso é apenas um chute, pois o conflito acabou de começar e não se sabe quanto vai durar, quais países serão atingidos, quais terão que se envolver.
Hoje, a União Europeia (UE) compra em torno de 58 mil a 60 mil toneladas de carne bovina por ano do Brasil. Isso representa de 2,5% a 3% das exportações de carne bovina do Brasil. Assim, no lado da demanda, o impacto pode vir de Rússia, Ucrânia e UE.
Com relação às commodities, já houve registro de alta. A Rússia tem reservas de petróleo e ouro. Essas duas commodities explodiram na madrugada em que o conflito foi anunciado. Isso causa um efeito buffer (amortecedor). A Rússia também fornece 40% do gás natural consumido na UE. Inclusive, até recentemente tem um gasoduto entre a Alemanha e a Rússia que estava sendo construído para aumentar o fornecimento de gás natural russo para a Alemanha. Por enquanto, a Alemanha afirmou que não vai ativar esse gasoduto por conta do conflito.
Surge então o medo de que falte commodity. A Rússia é exposta a commodities. O país tem reserva e isso acaba valorizando o que eles têm em reserva e amortecendo o impacto. Quando o mercado abriu ontem pela manhã, a Rússia estava caindo quase 50%.
Os efeitos devem recair sobre as commodities cujas reservas são intangíveis, que não podem ser renovadas, como gás natural, petróleo e ouro.
Além disso, os efeitos também devem recair sobre fertilizantes. A Rússia é o segundo maior produtor mundial de nitrogenados e potássio, quarto maior produtor mundial de fosfatados. Cerca de 28,5% do volume total de fertilizantes potássicos que o Brasil consome via importação vem da Rússia. Além disso, 21% dos nitrogenados e 15% dos fosfatados também vem da Rússia.
Assim, todo esse movimento que vem ocorrendo de recuo nos preços da ureia com a queda do gás natural nas bolsas na Europa e o recuo do dólar provavelmente será invertido. Por outro lado, existe o movimento de alta das commodities que ajuda a relação de troca. Se o produtor estiver pensando em fazer uma fixação olhando a questão dos fertilizantes, é interessante o momento. Por outro lado, mesmo fazendo a fixação a gente corre o risco de interrupção de cadeia de suprimento. Os portos de mar de Azov e mar Negro no leste europeu, na fronteira entre a Europa e a Rússia, já estão praticamente com as operações paradas. Não se sabe também como vão ficar as operações dos parques industriais. Assim, o risco de desabastecimento devido ao agravamento ou duração da situação não pode ser descartado.
Isso afeta muito a pecuária em um ano em que já há dificuldade com a qualidade das pastagens. Isso porque o pecuarista acaba vendo o fertilizante como um grande trunfo, sendo que quem faz fertilização é visto como exceção.
Além dos fertilizantes, a Rússia e a Ucrânia tem seus destaques no comércio de trigo. Excluindo-se a UE, que é a maior produtora e exportadora mundial de trigo, a Rússia é a maior produtora e exportadora individual de trigo. A Ucrânia está na quinta posição. Quanto ao milho, a Ucrânia é a quinta maior produtora e quarta maior exportadora mundial. E justamente a região da fronteira, onde está em conflito, é onde está a maior parte da região produtora, tanto da Ucrânia quanto da Rússia. Apesar das incertezas, em curto prazo a previsão é de preços em alta para commodities.
Também deve-se considerar que esse cenário aumenta o medo no mercado. Isso teve um impacto no câmbio. O dólar estava se desvalorizando com relação ao Real, mas com a notícia da invasão já subiu em torno de 1,5%. Isso impacta principalmente no boi China, que pode romper a barreira dos R$ 355, chegando a R$ 360 justamente por conta dessa apreciação do dólar frente ao Real. A China já paga o maior valor pelo produto e pode haver uma apreciação do boi China por causa do câmbio.
Em resumo, trigo e soja alcançaram a máxima dos 9 anos e meio com o anúncio do conflito. A soja subiu 4,6% em Chicago e o trigo, 5,7%. Moscou lançou essa invasão em escala máxima na Ucrânia, os portos foram fechados pelos militares, a Rússia suspendeu os movimentos de navio dentro do mar de Azov, o petróleo subiu mais de US$ 97 o barril em Nova York. Nesse contexto, é difícil antecipar todas as consequências nessa ação. As exportações que partem do mar Negro estão suspensas, afetando a logística, o que deve levar a aumento de preços.
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Fonte: Agrifatto.