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Ah, se fosse verdade… Dados do IBGE e a produção de etanol no Brasil

As importações de gasolina em 2011 e 2012 custaram ao Brasil US$ 4,5 bilhões, o que representa ao redor de 20% da renda bruta da cana-de-açúcar. Por muito menos que isso o governo poderia ter ajudado a garantir a cana necessária para zerar as importações de gasolina. André M. Nassar é Diretor-geral e Marcelo M. R. Moreira é pesquisador do ICONE.

Por André M. Nassar e Marcelo M. R. Moreira (ICONE)*

A presidenta Dilma Rousseff parece relutar em aumentar a mistura de etanol anidro na gasolina para 25% (hoje está em 20%). E reluta ainda mais em aumentar o preço da gasolina para reduzir as perdas da Petrobrás com as crescentes importações do combustível. Se depender das estatísticas recém-lançadas do IBGE de produção de cana-de-açúcar, matéria-prima para a produção de etanol anidro e hidratado, a mistura nunca deveria ter sido reduzida a 20% e, ainda por cima, o Brasil exportaria gasolina em 2013! É uma pena que quem errou tenha sido o IBGE. Quem dera estivesse correto…

O IBGE divulga anualmente a pesquisa Produção Agrícola Municipal (PAM), que traz os dados de produção, área plantada e colhida e produtividade das lavouras permanentes e temporárias. Para os que querem explicar as mudanças espaciais da produção agrícola no Brasil, a PAM é muito importante, porque é a única pesquisa oficial que traz dados desagregados por municípios. A PAM de 2011 foi lançada no final do ano passado. De acordo com a pesquisa, a produtividade mediada cana-de-açúcar no País foi de 76,4 toneladas por hectare.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), igualmente um órgão do governo federal, também faz um acompanhamento próprio do andamento da produção. É natural que os dados das duas entidades sejam comparados. O levantamento da Conab informa-nos que a produtividade média do País nesse mesmo ano foi de 67 t/ha. Entre IBGE e Conab existe uma diferença de 9,4 t/ha.

A moagem de cana-de-açúcar utilizada para produção de açúcar e etanol (anidro e hidratado) na safra 2011-2012 (ou seja, feita com a cana produzida em 2011) foi de 558,7milhões de toneladas. Se a produtividade da cana-de-açúcar tivesse, de fato, sido a informada pelo IBGE, a moagem teria atingido 638,7 milhões de toneladas, 80 milhões a mais. O IBGE ainda não divulgou a PAM de 2012, mas, admitindo que a mesma imprecisão terá ocorrido nesse ano, a moagem IBGE na safra 2012-13 será de 666,8 milhões de toneladas, e não os 582,6 milhões de toneladas esperados pelo mercado. Lembrando que a safra 2012-13 ainda está em curso e termina agora em abril.

Mas o que isso tem que ver com o mercado de combustível? Numa interpretação radical, o IBGE praticamente teria salvado a Petrobrás e liberado a presidenta Dilma de ter de tomar mais uma decisão entre as tantas que abarrotam sua mesa de trabalho.

Dos 558,7 milhões de toneladas moídas de cana na safra 2011-12 foram produzidos 35,9 milhões de toneladas de açúcar, 8,6 bilhões e 14,1 bilhões de litros de anidro e hidratado. Do total produzido de etanol, 7,9 bilhões e 11,5 bilhões de litros de anidro e hidratado, respectivamente, foram consumidos no Brasil. A estimativa para 2012-13 aponta 36,9 milhões de toneladas (açúcar), 9,2 bilhões e 14 bilhões de litros (anidro e hidratado) de produção e consumo de etanol de 8 bilhões e 12 bilhões de litros. Lembrando que o consumo de hidratado já chegou a 16,7 bilhões de litros.

Em 2011 o Brasil consumiu 36,8 bilhões de litros de gasolina C (22% de mistura com anidro) e teve de importar 2,2 bilhões de litros de gasolina A (sem etanol). Em 2012 o consumo foi de 40,5 bilhões de litros (com 20% de mistura de anidro), com importação de 3,6 bilhões de litros.

Se tivéssemos moído 1,3 bilhão de toneladas de cana (soma de 2011 e 2012), em vez de 1,14 milhão, estaríamos em situação completamente diferente da vivida atualmente. Os 164 milhões de toneladas de diferença, se convertidos integralmente para etanol, teriam produzido 13,1 bilhões de litros a mais acumulados nos dois anos, 33% mais que a produção real! Vale lembrar que teria sido perfeitamente possível moer esse volume adicional de cana porque o setor tem capacidade instalada para isso.

Admitindo que toda a cana a mais fosse para a produção de etanol, esses 13,1 bilhões de litros teriam ido integralmente para o mercado de combustível. E admitindo que o consumo total de veículos leves em 2011 e 2012 fosse o mesmo do observado, a maior oferta de etanol só mudaria a participação deste e da gasolina no consumo total.

Nesse sentido, o consumo de gasolina C (misturada com anidro), fruto da maior oferta de etanol, teria sido de 32,7 bilhões e 37,4 bilhões de litros (2011 e 2012), ou seja, 7,2 bilhões de litros menor. A redução do consumo de gasolina é menor que o crescimento do consumo de etanol porque o veículo rodando com este consome mais combustível por quilômetro rodado. Essa redução já leva em conta também 25% de mistura de anidro na gasolina em 2011 e 2012.

Um consumo de gasolina C 7,2 bilhões de litros menor significa 5,7 bilhões de litros a menos de gasolina A (sem anidro). Pasmem: as importações acumuladas de gasolina A em 2011 e 2012 foram de 5,8 bilhões de litros. Isso significa que, dada a retomada na produção de etanol esperada para a safra 2013-14, é bem provável que o Brasil voltasse a ser exportador da gasolina A, como foi até 2009.

Este artigo, obviamente, não se trata de uma ironia ao IBGE. O instituto deve revisar seus dados em algum momento no futuro. Além disso, o debate sobre as estatísticas de produção agrícola é antigo e tanto o IBGE quanto a Conab são questionados a todo momento sobre isso.

O importante é entender que o mercado de combustível não seria motivo de preocupação da presidenta Dilma se a produção de cana tivesse seguido o ritmo de crescimento esperado. Bastava a produtividade da cana em 2011 ter sido igual à de 2010 e grande parte dos problemas não existiriam.

As importações de gasolina em 2011 e 2012 custaram ao Brasil US$ 4,5 bilhões, o que representa ao redor de 20% da renda bruta da cana-de-açúcar. Por muito menos que isso o governo poderia ter ajudado a garantir a cana necessária para zerar as importações de gasolina. Sem dúvida, uma alocação bem ineficiente de recursos.

André M. Nassar é Diretor-geral e Marcelo M. R. Moreira é pesquisador do ICONE.

1 Comment

  1. Celso de Almeida Gaudencio disse:

    Cuidado por analogia. As estatísticas não separam gado de corte para abate das vacas de leite, gerando muita confusão.

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