Em Paranavaí, noroeste do Paraná, um grupo de 28 pecuaristas que formam a Cooper QI, cooperativa especializada na produção de novilhos precoces, comemora um ano de parceria com uma grande rede de supermercados. As vendas são feitas diretamente para a rede, sem intermediários. Os frigoríficos, que ultimamente vêm sendo acusados por criadores de formação de cartel para ditar regras na formação do preço pago pela arroba ao produtor, aparecem, neste caso, como meros prestadores de serviço, realizando os abates e cortes e sendo remunerados por isso.
Segundo o presidente da cooperativa, Carlos Costa, a decisão de partir para um sistema de vendas diretas surgiu em 2000, quando os preços pagos pelos frigoríficos da região mal cobriam os custos de produção. Com o auxílio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do PR (Emater-PR), formou-se uma aliança mercadológica que serviu para nivelar o grau de tecnificação das fazendas.
Por meio de cursos e ações conjuntas, o grupo partiu para a formação de produtos diferenciados, como novilhos precoces, abatidos com 15 arrobas e camada de gordura de três milímetros, cobertura ideal para preservar a integridade e maciez da carne no congelamento, e novilhos superprecoces, abatidos aos dez meses, com 12 arrobas, produzindo a chamada carne de vitela. “Com um boi de qualidade e a aliança mercadológica em ação, passamos a receber um preço justo”, diz Costa. “Além disso, o rendimento de carcaça já chega a 58% do peso vivo do boi, quando a média do mercado é entre 51% e 54%”, completa. A rentabilidade é 5% maior por arroba em relação aos preços de mercado.
Conforme explica o diretor-comercial da rede compradora, José Noeli, a procura pela carne diferenciada aumentou em 25% desde que a parceria começou. “Existe um grupo de clientes que está disposto a pagar mais pela qualidade”, diz. Supermercados e cooperativa têm dividido o trabalho de divulgação com degustações no local de venda, que visam propor ao consumidor um novo hábito. “A diferença é que a cooperativa não está me vendendo boi e, sim, carne”.
Por causa disso, defende Noeli, produtores ficam mais envolvidos em todo o processo, desde a criação do gado, passando pelo acabamento e abate, até chegar ao supermercado. A parceria começou com pouco mais de 12 toneladas/mês de carne. Atualmente, está em 48 toneladas/mês. “É, sem dúvida, uma inovação que ainda tem um bom espaço para crescer”.
Outro exemplo de bom relacionamento entre todas as partes envolvidas no setor ocorre com a Agropecuária Jacarezinho, na região de Araçatuba, em Valparaíso (SP), e de propriedade de Ian David Hill. Dona de um rebanho de 30 mil cabeças, a agropecuária é associada de uma entidade chamada Grupo Delta G, que congrega mais 27 produtores, somando um total de 180 mil cabeças de gado. “Com esse contingente, conseguimos fazer uma parceria com o frigorífico Marfrig, que paga diferenciado, de acordo com a qualidade da carcaça e com a regularidade de entrega”, explica.
Hill comenta que, no caso da Jacarezinho, a bonificação chega a 5% por arroba acima do preço de mercado. Para ele, a premiação é justa por causa da rigidez do programa de qualidade. “Adotamos o sistema EurapGap, que atende a todas as exigências da União Européia, um dos nossos parceiros comerciais mais exigentes”.
Exceção
Infelizmente, entretanto, os exemplos da Cooper QI e do Grupo Delta G são exceções no cenário atual da pecuária brasileira. O momento é delicado. Pecuaristas, de um lado, e frigoríficos, de outro, protagonizam uma acirrada disputa. A polêmica começou quando um documento, não assinado e atribuído à Associação Brasileira da Indústria dos Exportadores de Carne (Abiec), padronizou, de forma unilateral, conforme dizem os pecuaristas, a tipificação das carcaças. Em resumo, a tabela aplicava depreciações nos preços de carcaças fora de um padrão tido como ideal para exportação. Pelo menos oito frigoríficos exportadores estão sendo acusados de adotar a tabela na hora de pagar os pecuaristas.
Esta prática, para o presidente do Sindicato Rural de Presidente Prudente (SP), principal pólo pecuarista do estado, Sigeyuki Ishii, é formação de cartel. Tanto que, na quarta-feira (16) a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) protocolou uma denúncia contra oito frigoríficos por formação de cartel na Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça.
Os produtores acusam os frigoríficos Frigoalta, Friboi, Bertin, Marfrig, Independência, Mata Boi, Boifran e Brasboi de acertar, entre si, via tabela, as condições de compra dos vários cortes bovinos. Como indício da formação de cartel, a CNA entregou à SDE cópias de cartas enviadas no dia 25 de janeiro pelos oito frigoríficos aos seus escritórios regionais, nas quais comunicam a adoção dessas condições.
Mais prejudicado
De acordo a tabela adotada pelos frigoríficos, um boi de carne macia e de qualidade está sendo desvalorizado. Um dos mais prejudicados, de acordo com Ishii, que também é pecuarista, com 13 mil cabeças em sistema de cria, recria e engorda, é o produtor do novilho precoce. “Na tabela os frigoríficos estabelecem que bois com menos de 16 arrobas devem ser pagos como vaca”, diz. “Isso é absurdo”, protesta.
Ele explica que, embora grande parte desse gado chegue ao abate acima desse peso, fatores como seca durante a engorda faz com que alguns lotes sejam prejudicados. O que não reduz a qualidade e maciez da carne do precoce.
Para o presidente da Federação da Agricultura de SP, Fábio Meirelles, a situação é uma “afronta ao diálogo”. “O produtor vem sofrendo aumento de custos e baixa nos preços. Não pode ser submetido a essa situação”.
Este ano, de acordo a Scot Consultoria, um período de seca no verão prejudicou o acabamento de bois em regiões importantes, que entregaram bois mais leves. “Além de perder renda por produzir um animal com menos rendimento, o produtor ainda recebeu descontos no preço final e isso foi a gota d’água”, diz o consultor Alcides Torres.
A principal entidade representativa dos frigoríficos exportadores, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), exime-se de qualquer responsabilidade em relação à tabela. De acordo com diretor-executivo da entidade, Antônio Jorge Camardelli, a Abiec nada tem a ver com isso. Segundo ele, a entidade tem como objetivo cuidar dos interesses do setor no que tange a negociações de abertura de mercados externos. “Não cabe à Abiec fazer esse tipo de regulamentação”, afirma.
Discutir a cadeia e todos os seus gargalos é, segundo o presidente da Associação Brasileira dos Frigoríficos (Abrafrigo), José João Stival, a única saída para a polêmica sobre a classificação de carcaça no país. De acordo com ele, sua entidade, que representa 90% da carne vendida no mercado interno e 10% do mercado externo, não concorda com a tabela, segundo ele, feita por um grupo de 17 frigoríficos. Ele diz que o Brasil verificou grande crescimento nas exportações, mas os produtores ainda não receberam a contrapartida.
Ele comenta que, em dezembro de 2004, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou uma tabela de classificação de carcaça por meio da Instrução Normativa nº 19. Em função do descontentamento de alguns frigoríficos, a medida foi revogada.
Na opinião do gerente-comercial do Frigorífico Marfrig, Fábio Dias, parcerias como a realizada entre o Grupo Delta G e o próprio frigorífico são importantes, principalmente porque conseguem estabelecer um alto padrão na qualidade do produto e na freqüência das entregas. “O país possui uma cota de apenas cinco mil toneladas de carne isentas de tributos para entrar na Europa. Por todo o restante pagamos altas taxas”, diz. Por isso, “é preciso entregar uma carne com o padrão exigido por aquele mercado”.
Segundo ele, cada pecuarista parceiro do Marfrig possui um esquema de comercialização, que varia de acordo com a qualidade e freqüência das entregas. “Não há como estabelecer uma bonificação-padrão”, diz. Quanto à denúncia da CNA, em que consta o Marfrig, Dias informa que a empresa não se manifesta. Ele diz, porém, que a empresa evita comprar gado fora de padrão e que possui parceiros de alto nível, havendo poucos problemas quanto à chegada de produtos fora de padrão. “Nossos parceiros dificilmente entregam bois abaixo de 16 arrobas, sem boa proteção de gordura”.
Intervenção
De acordo com o coordenador-geral de Pecuária e Culturas Perenes do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa), Eduardo Sampaio, o órgão acredita que “os setores têm de conversar para tentar um entendimento”. Segundo ele, o ideal é que não haja nenhum tipo de intervenção do ministério.
O coordenador acrescenta que isso seria uma medida extrema e que há fóruns adequados para resolver a questão. “Essa discussão está no Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e na Câmara Setorial da Pecuária”, avisa.
Segundo o presidente do Fórum, Antenor Nogueira, “não há conversa enquanto a tabela vigorar”. Há duas semanas, ele deixou de comparecer a uma reunião agendada para discutir a questão. “Não queremos discutir preço, porque quem regula isso é o mercado, mas não vamos conversar enquanto essa tabela, decidida de forma unilateral, estiver vigorando”, argumenta.
Para contrapor a ação dos frigoríficos, a CNA veiculou recomendação para que os pecuaristas diminuíssem a entrega de bois para o “estritamente necessário”, pelo período de 30 dias. Embora diga não discutir preços, o fato é que o preço da arroba do boi interrompeu um período de queda e se estabilizou depois da reunião do dia 18 de fevereiro.
As novas práticas de compra de gado adotadas pelos frigoríficos reduzem ainda mais a capitalização no campo, podendo comprometer a atividade a médio prazo. Segundo Nogueira, para conseguir manter sua capitalização, os criadores estão aumentando o ritmo do abate de fêmeas, o que reduzirá a oferta de bezerros em médio prazo.
Fonte: O Estado de S.Paulo/Suplemento Agrícola (por Ibiapaba Netto), adaptado por Equipe BeefPoint