Marcos Fava Neves1, Rodrigo Teixeira Bombig2 e Luciano Thomé e Castro3
1. Introdução e Objetivos
A importância e a dimensão da pecuária brasileira é impressionante. Segundo dados da ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadores de Carnes Industrializadas), o Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, a pecuária de corte ocupa 2 de cada 3 hectares empregados em atividades rurais, sendo aproximadamente 2 milhões de propriedades. Estima-se que toda a cadeia (insumos, produção animal, indústria e comércio de carnes e couros) emprega diretamente 7,2 milhões de pessoas e produz um dos principais alimentos da dieta dos brasileiros (que consomem 36 Kg/per capita/ano, ou seja, cerca de 100g por pessoa diariamente).
O Brasil exportou em 2001 cerca de 750 mil toneladas (US$ 1 bilhão) e abate 30 milhões de cabeças anualmente, movimentado perto de R$ 12 bilhões, se somadas as receitas com cortes de carnes, couros, miúdos e outros subprodutos. Passamos de 4% do mercado mundial para algo próximo a 11% em 5 anos, o que representa um ganho extraordinário. O primeiro desafio é o de manter esta participação de mercado.
A demanda por carnes deverá manter um forte ritmo de crescimento nos próximos anos com a manutenção do crescimento demográfico, aumento de renda da população mundial e urbanização. Por outro lado, a produção deve crescer baseada no aumento da produtividade e uso de novas tecnologias. A taxa de crescimento da produção dos países em desenvolvimento será maior que dos desenvolvidos, fazendo com que, até 2020, 61% da produção mundial de carne venha de países em desenvolvimento (Pinazza et al, 2001).
As recentes crises no ambiente natural, tais como a vaca-louca e a febre aftosa, abriram uma janela para o produto carne bovina do Brasil. A proibição de exportação ao Canadá, medida que mereceu críticas até da educada sociedade canadense, acabou por criar uma união interessante dentro desta rede da carne bovina, que poderá trazer como principal conseqüência uma melhor coordenação. Tal como em outras redes/cadeias que coincidentemente começam com a letra C (cana, citrus e café – este último mesmo com a política desajustada de retenção e conseqüente perda de participação de mercado) poderemos, em carne bovina, estar assumindo a liderança mundial.
O Brasil está em uma posição de destaque e com um cenário positivo. Porém, muita coordenação é necessária. O caso do café é clássico. O produto passou por um momento de liderança brasileira, mas depois, por falta de coordenação e por atitudes oportunistas de seus agentes, este espaço foi aberto para competidores internacionais, estruturados em termos de marketing e hoje corremos atrás do prejuízo.
Como membros da academia e cidadãos brasileiros, nosso desejo maior e que a produção seja feita no Brasil para abastecer o mundo, gerando mais empregos, interiorização do desenvolvimento, impostos e saldo na balança comercial, para atingirmos melhor padrão de vida. Não nos importa se esta produção será feita por empresas de capital nacional ou não, mas sim que a produção, a adição de valor e os investimentos sejam feitos em nosso país.
Vejam que pelo número de agentes envolvidos na pecuária, com interesses distintos (empresas de insumos, pecuaristas, frigoríficos e distribuidores) e pela sua dispersão geográfica, torna-se natural esperar que esta seja uma rede de difícil coordenação. Seria interesse de todos estes agentes aumentar as exportações se este fosse colocado como o desafio central? Talvez não.
Os objetivos deste artigo são analisar o consumidor de carne bovina e oportunidades no mercado internacional, os entraves e as vantagens da pecuária nacional (com exemplos de estratégias adotadas por empresas ou grupo de empresas para responder às demandas de mercado). Finalmente, discute-se o futuro da pecuária, mostrando as redes de empresas que deverão se formar num futuro próximo e como as ferramentas do marketing ajudarão a conquistar mais espaço.
2. O Consumo de Carnes
Existem diversos e distintos segmentos (grupos de consumidores). Desde os exigentes e informados sobre os inúmeros tipos de produtos e serviços que lhe são ofertados a cada momento, até os consumidores de baixa renda. No caso de produtos alimentícios existe uma clara tendência dos consumidores procurarem produtos de qualidade em todos os segmentos (preocupação com saúde, nutrição e segurança do alimento) e maior conveniência em alguns segmentos (cortes, preparo rápido, embalagens com porções menores).
A sensibilidade ao preço, representa um fator limitante para o potencial de consumo interno, principalmente de carnes com maior valor agregado. Apesar disso, existe uma parcela razoável da população (aproximadamente 25 milhões de pessoas) com padrões de consumo similares aos de consumidores de países desenvolvidos. De acordo com descrições de diferentes autores podem ser listadas as principais características destes consumidores mais exigentes, presentes na União Européia, EUA, Canadá, Japão e parte do consumidor brasileiro com maior renda (Umberger et al, 2000; Medina, 2000; Cocoran et al, 2000; Latvala & Kola, 2000; Kularatne & Storey, 2000; Verbeke & Viane, 2000; Brester & Smith, 2000; Vinholis, 2000; Perosa, 1999; Saab, 1998).
– São sensíveis ao sabor e maciez das carnes e estão dispostos a pagar por isso;
– Explicitam a necessidade de produtos variados, para diversos públicos.
– Podem substituir a carne bovina por outras carnes, sugerindo que as empresas desenvolvam ações específicas para esse segmento.
– Ressaltam a confiança em varejistas e em suas marcas;
– Não colocam o preço como variável de compra mais importante;
– Declaram ter confiança muito maior nas agências fiscalizadoras de seu país comparativamente aos produtos importados;
– Apontam a rastreabilidade como solução para obterem informações sobre sanidade da carne, identificação da fonte de produtos contaminados ou com qualidade inferior, controle de doenças, monitoramento de resíduos e garantia de cumprimento de regulamentações;
– Preferem produtos com identificação do país da origem.
Não se pode esquecer que em todos os mercados também existem os consumidores de menor renda para os quais as características citadas acima perdem um pouco de valor em relação ao preço do produto. A mensagem aqui é que devemos entender de segmentação de mercados, seja no Brasil como nas exportações. Estratégias empresariais envolvem a escolha de segmentos que as empresas desejam atingir com suas ofertas.
Temos visto esforços empresariais e apoio governamental na abertura de novos mercados. Essa busca por novos mercados é importantíssima e deve ser ampliada, para os países do Leste Europeu, China, alguns países do Oriente Médio e Norte da África. Está de parabéns a ABIEC e o trabalho que vem sendo feito com apoio da APEX e do Ministério da Agricultura. É preciso cada vez mais.
A maioria destes novos mercados tem previsão de aumento do consumo de carne, enquanto países tradicionalmente clientes do Brasil, como Europa Ocidental e EUA têm previsão de queda de consumo e estagnação, respectivamente. Mas o Brasil não estará sozinho na luta por espaço nestes novos mercados, por isso mudanças que aumentem a competitividade da cadeia produtiva da carne no Brasil se tornam ainda mais importantes.
3 – Entraves e Oportunidades da Pecuária de Corte Brasileira
Clique aqui para ver um quadro com a síntese dos entraves e oportunidades da pecuária nacional. Os entraves precisam ser resolvidos ou amenizados em ações individuais e coletivas, para que as oportunidades sejam aproveitadas da melhor forma possível.
4. O Futuro do Mercado de Carnes: as Redes em Operação em 2010
Em pesquisa feita em 2000, num exercício de construção de cenários, foram desenhadas quatro redes de empresas que estariam atuando em 2010 (Neves et al 2001). Essas redes se caracterizam por conjuntos de empresas de insumos, de pecuaristas, de frigoríficos e de distribuidores que servirão segmentos de mercado diferentes. Clique aqui para ver o quadro onde são mostradas essas quatro redes e suas características, relacionadas ao valor percebido pelo cliente da carne consumida e o tamanho do mercado (em número de consumidores). Nosso desafio é o da inserção das empresas aqui localizadas em todas as redes que estarão existindo. Afinal, todas podem trazer os desejados dólares que a sociedade brasileira necessita.
5 – Conclusões: A Necessidade da Construção de Redes e do Uso do Marketing
Para que a carne bovina produzida no Brasil mantenha sua participação e mercado e consiga crescer mais é fundamental a compreensão completa do conceito de redes (networks), potencializando as ações coletivas que tragam ganhos a todos os envolvidos, o aporte cada vez maior de tecnologia das empresas de suporte (pesquisa, embalagens, transporte, estocagem, comunicação, seguros, financeiras e outras), uso do setor público como um facilitador, promotor do processo e fiscalizador (com poder punitivo) e finalmente, o exaustivo uso das ferramentas de marketing.
É preciso também entender o papel do marketing no negócio de carnes. Marketing da carne NÃO É a propaganda da carne. É mais que isto. O marketing mostra às empresas da rede, através da pesquisa de marketing, que os consumidores (aqui vistos como todos os agentes, ou seja, o produtor rural é um consumidor da indústria de insumos, e assim sucessivamente) são variados em relação a preferências, motivos para compra, gostos e outros. Analisar o comportamento de compra dos consumidores também é fundamental para a empresa melhor satisfazer suas necessidades. Ainda, inovações em produtos e serviços são fundamentais para o sucesso de longo prazo das empresas, e o marketing ajuda a gerá-las, pois pesquisa e disponibiliza para estas a informação sobre o que demanda o mercado consumidor. Hoje o ciclo de vida dos produtos é mais curto, agravando a necessidade de inovações.
As ações com relação a preços, tais como precificar novos produtos, adaptar preços com as mudanças no ambiente e na concorrência e as ações ligadas à distribuição, ou seja, que tipo de lojas irão vender os produtos da empresa, que contratos serão estabelecidos e que funções estes agentes de distribuição (atacado, varejo, revendas, cooperativas) deverão desempenhar são também determinadas pelo marketing. Toda a ação de marketing pode ser planejada em conjunto, através do chamado planejamento estratégico de marketing, onde também ferramentas de análise do ambiente e da concorrência estão disponíveis para uso.
Do mesmo modo que foi definido o marketing para uso por uma empresa, para uso por um país (por exemplo, a carne brasileira) são necessários alguns ajustes e principalmente coordenação e interesses comuns. Nada como o depoimento de Ademerval Garcia, presidente da Abecitrus – (Associação dos Exportadores de Citrus): “exportação é de interesse do Governo e do País… quem precisa de dólar é o Governo… empresário não tem interesse em exportar, e sim em vender onde for melhor para ele, onde pagar mais e der menos trabalho” (Garcia, 2001 p. 117).
Lendo esta declaração percebemos a importância do trabalho conjunto entre o setor público e privado (notadamente os frigoríficos) no que tange as exportações. Estas interessam ao país e podem não interessar aos frigoríficos, num comportamento racional de seus executivos.
Portanto, um bom plano de marketing internacional, potencializando ações conjuntas e deixando liberdade para que os agentes exportadores tomem suas estratégias individuais é fundamental para que possamos atingir a posição de fornecedor mundial de carne bovina. Este plano deve envolver um profundo conhecimento do mercado externo e de seus segmentos de consumidores, foco de atuação, ajuste de produtos (sanidade, sabor, tipos), política de preços, entendimento e presença na distribuição e finalmente, uma política de comunicações (promoção, propaganda, relações publicas) bem feita.
Devemos lembrar que a comunicação é a ultima parte. Não adianta a propaganda se o produto não é o desejado, se o preço não está ajustado e pior ainda, se este não se encontra no ponto de venda. A hora é de união e trabalho conjunto. Precisa haver motivação e retorno para todos os envolvidos.
7. Referências Bibliográficas
ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadores de Carnes Industrializadas) – diversos.
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Perosa, J.M.Y.1999. Coordenação no sistema agroalimentar da carne bovina. Tese de doutorado apresentada à Universidade Estadual Paulista, Araraquara,190 pp.
Pinazza, L.A.; Alimandro, R. & Wedekin, I. 2001. (Org.); Agenda para a Competitividade do Agribusiness Brasileiro – Rio de Janeiro: FGV; São Paulo: ABAG, 2001. 288 p.
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Zylbersztajn D. & Neves, M.F. (coordenadores), 2000 – Economia e Gestão dos Negócios Agroalimentares – Editora Pioneira, 367 p.
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1 Professor de Marketing e Coordenador do Curso de Administração da FEA/USP, Campus de Ribeirão Preto, Pesquisador do PENSA. www.usp.br/fearp/fava
2Acadêmico de Administração de Empresas e Pesquisador do PENSA – Programa de Agribusiness da USP.
3Acadêmico de Administração de Empresas e Pesquisador do PENSA – Programa de Agribusiness da USP.