Por Cláudio Silveira Brisolara1 e Simone Yuri Ramos1
A partir de 12 de dezembro começará a vigorar a nova lei de bioterrorismo americana (Bioterrorism Act), que visa reforçar o controle das importações de gêneros alimentícios e bebidas pelos Estados Unidos. Basicamente, a lei afetará todas empresas estrangeiras que exportam esses produtos, através da imposição de registro obrigatório dessas empresas na FDA – Food and Drug Administration e da obrigatoriedade de notificação prévia de cada carga a ser enviada para os EUA.
Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos começaram a criar uma série de novos regulamentos e a implementar medidas de controle, principalmente, no campo do comércio internacional, visando reforçar a segurança e a saúde pública dos norte-americanos. Pode-se citar pelo menos quatro iniciativas nesse sentido: 1) Containers Security Iniciative (CSI), programa proposto pelo governo americano para intensificar a vistoria de contêineres; 2) International Ship and Port facility Security Code (ISPS-Code), acordo multilateral, proposto pelos EUA, que prevê medidas de segurança nos portos que participam no comércio internacional; 3) Customs Trade Partnership Against Terrorism (G-TPAT), programa em elaboração, que visa implantar práticas de segurança para cargas e alimentos; e 4) Bioterrorism Act, que estabelece um conjunto de normas para o controle de importações de gêneros alimentícios e bebidas dos EUA.
A lei de bioterrorismo traz a exigência de registro dos estabelecimentos americanos e estrangeiros, que manufaturam, processam, embalam, distribuem, armazenam ou recebem alimentos para o consumo animal ou humano nos EUA. As empresas estrangeiras terão ainda que ter um agente nos Estados Unidos, pessoa que resida e mantenha negócios nesse País, para responder por qualquer eventualidade. Algumas estimativas dão conta de que a contratação de um agente custará entre US$ 500,00 e US$ 1.000,00 por ano.
Vale a pena destacar que o requerimento de registro é por estabelecimento e não por firma ou empresa, ou seja, cada filial exportadora deve se registrar individualmente. O registro deve ser feito pela Internet, preferencialmente, através do website www.access.fda.gov.
O registro pode também ser feito através de um formulário, que deve ser enviado pelo correio ou fax, ou através de CD-R ou CD-RW, acompanhado de um cópia física da declaração devidamente preenchida e assinada, também através do correio. A FDA processará os pedidos de registro de acordo com a ordem de chegada. Recomenda-se, portanto, o registro eletrônico pela Internet, que além de minimizar as chances de erros no preenchimento, ainda apresenta a vantagem de se obter a confirmação automática, com o recebimento do número de registro da empresa.
As empresas enquadradas nesta legislação são as que produzem, por exemplo, os seguintes tipos de alimentos:
Existem algumas exceções de estabelecimentos, que não precisam se registrar. Elas são:
Existem ainda outras exceções para estabelecimentos internacionais. Uma fábrica estrangeira, que manufatura, processa, embala, ou armazena alimentos é uma exceção se um estabelecimento realizar algum tipo de processamento subseqüente. Contudo, se o processamento for mínimo, como uma simples etiquetagem, ambos estabelecimentos terão que se registrar. Também é previsto o caso de um estabelecimento ser uma exceção, por um lado, e ter a obrigatoriedade de registro, por outro, mas, nesta situação, o registro torna-se obrigatório.
Pode-se exemplificar esta situação com uma propriedade rural que produz laranja (exceção) e que processa sua produção, produzindo suco de laranja (obrigatório) para vender a um distribuidor. Nessa situação, o registro torna-se obrigatório. O estabelecimento só será uma exceção, para fins de registro, se todas as suas atividades estiverem incluídas como exceções.
Resumidamente, as informações requeridas no processo de registro são: nome da fábrica ou estabelecimento, com endereço completo e telefone; mesmas informações da empresa matriz, se a fábrica for uma filial; nome, endereço e telefone do proprietário, operador ou agente encarregado; todos os nomes e marcas comerciais da empresa; nome do agente americano e informações para contato (para empresas estrangeiras); telefone de contato para emergência (para empresas americanas); categoria dos alimentos (conforme classificação do FDA); declaração de que as informações prestadas são verdadeiras, precisas e de que o indivíduo que realizou o registro, se não for o proprietário, operador ou agente encarregado, estava habilitado para efetuá-lo.
As informações disponibilizadas pelas empresas não serão colocadas à disposição do público e pelo registro nada será cobrado. No entanto, se alguma informação obrigatória do registro sofrer alguma alteração, a empresa terá que fazer a atualização dos dados dentro de um prazo não superior a 60 dias, a partir da data em que ocorreu a alteração.
A empresa americana ou estrangeira que não efetuar o registro do seu estabelecimento ou que não manter atualizada suas informações estará infringindo a lei federal e, por conseguinte, estará sujeita a um processo Civil e Criminal. Além disso, a não observância da obrigatoriedade de registro, por uma empresa estrangeira, fará com que os alimentos exportados por esta empresa sejam retidos no porto de entrada.
Além do registro dos estabelecimentos, a lei de bioterrorismo traz outra exigência para as empresas estrangeiras, trata-se da notificação prévia (Prior Notice) sobre todas as remessas de gêneros alimentícios para os EUA. A maioria das informações requeridas já são normalmente informadas pelos importadores à alfândega americana (Customs and Border Protection – CBP), mas, a partir de 12 de dezembro, as informações deverão ser enviadas previamente pelo exportador para a FDA e para o CBP. O intuito desta obrigação é permitir a análise das informações antes da carga chegar aos EUA, para que a FDA determine quais as cargas devem ser inspecionadas na entrada.
A notificação prévia deve ser recebida e confirmada pela FDA no máximo 5 dias antes da chegada da carga à fronteira americana. No entanto, o envio deve ser superior a 2 horas antes da chegada, por via terrestre; 4 horas antes, por via aérea ou ferroviária; e 8 horas antes, quando por via marítima ou fluvial. Entregas por correspondência internacional devem ter a notificação enviada antes da remessa dos alimentos, pois a confirmação de recebimento da notificação deve acompanhar a mercadoria.
São objetos dessa obrigação todas as remessas de alimentos que se destinam ao consumo, estocagem ou comercialização/distribuição nos EUA. Ficam excluídos os alimentos levados por um indivíduo e não destinados à comercialização; alimentos que serão re-exportados, sem que eles saiam das dependências do porto de entrada; produtos de carnes (industrializados ou não), incluindo de aves, e produtos derivados de ovos, que estão sob a regulamentação exclusiva do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA); e alimentos elaborados por um indivíduo em sua residência particular, ou seja sem finalidade comercial.
Algumas das informações que devem estar presentes na notificação prévia são as seguintes:
A não apresentação de uma notificação prévia correta para um carregamento acarretará na recusa da carga, ficando esta retida no porto de chegada ou em local seguro indicado pelo CBP. Até que informações adicionais sejam enviadas, para regularizar as exigências da legislação, a carga não será liberada para ingressar na alfândega americana e nem será entregue ao importador ou consignatário. Não é preciso mencionar que o Governo americano não cobrirá o custo resultante dos atrasos na liberação das cargas e que estes deverão ser suportados pelas empresas envolvidas na exportação.
A FDA reconhece que existem muitas questões que ainda não estão determinadas no âmbito da norma e será necessário esperar o seu início para analisar como essas questões poderão ser enquadradas à legislação. Ressalta-se que comentários e sugestões poderão ser encaminhados para a FDA, pois em 2004, a legislação sofrerá uma revisão para promover melhorias. Os comentários podem ser encaminhados eletronicamente pela Internet (www.fda.gov/dockets/ecomments).
Esse conjunto de medidas imposto pela nova lei de bioterrorismo não parece ser tão complicado de ser cumprido, mas com certeza irá burocratizar ainda mais as exportações. Alguns acreditam que as medidas servirão como barreiras técnicas protecionistas, mas, contudo, a legislação não fere as disposições gerais de comércio da Organização Mundial de Comércio (OMC), pois esta admite a imposição de restrições ao comércio, quando há risco de ataque e ameaças à saúde pública. A princípio, o objetivo da legislação é legítimo, segurança, mas é necessário esperar a entrada em vigor das medidas para avaliar a condução prática do Governo norte-americano. No Brasil, o INMETRO é órgão responsável pela análise de denúncias de barreiras técnicas, assim, havendo algum sinal de desvio do objetivo legítimo da legislação, esse órgão deve ser informado.
A forma de aplicação prática da nova lei é que preocupa o empresariado brasileiro, pois é conferido à FDA o direito de apreender cargas, se houver “informações ou evidências dignas de crédito” de que há algum risco naquele produto. Mesmo com normas específicas que tentarão agilizar a liberação dos produtos perecíveis retidos, a retenção de cargas trará prejuízos aos exportadores. Para mitigar esse risco, algumas empresas estão buscando coberturas adicionais nas apólices de seguro das cargas.
Acredita-se que não existirão grandes dificuldades para as empresas se enquadrarem à legislação, principalmente as maiores e mais ágeis. Exportadores menores, talvez, tenham um pouco mais de dificuldade, mas se todos os procedimentos forem cumpridos, a liberação da carga seguirá o curso normal, sem maiores problemas.
Muitos analistas estão apostando numa redução de 5% a 15% nas exportações para os EUA e a FDA prevê que haverá uma alteração de cerca de 16% no número de fornecedores estrangeiros. Deve-se esperar a entrada em vigor das novas medidas para se avaliar melhor o impacto delas nas exportações brasileira. No entanto, se há riscos de redução de exportações para as empresas menos ágeis, há também oportunidades de crescimento de comércio para as empresas que saírem na frente e demonstrarem maior capacidade de adaptação à legislação. As empresas brasileiras devem se preparar adequadamente para atender as novas exigências, pois, assim, há a oportunidade de assumir o espaço (share) das empresas que não as atenderem prontamente.
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1Cláudio Silveira Brisolara e 1Simone Yuri Ramos são Assessores Técnicos do Departamento Econômico da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo