Por Fernanda Zanini Mineiro1
Nossos consumidores estão cada vez mais exigentes, querem produtos mais saborosos, saudáveis e baratos. Para atender este mercado, as indústrias utilizam tecnologias, implantam programas de melhoria contínua e exigem de seus fornecedores matéria-prima de melhor qualidade. Quando se trata da cadeia agropecuária, há ainda preocupação dos consumidores quanto a bons tratos com os animais, sistemas produtivos ecologicamente corretos, socialmente justos e, por nossa parte, economicamente viáveis.
Pensando nestes pontos como um conjunto, temos os conceitos básicos das Boas Práticas Agropecuárias (BPA). São ações e conceitos que devem ser aplicados à propriedade rural para chegar a um ponto de equilíbrio entre produção e bem-estar. Ao falar de bem estar, não estamos nos referindo apenas às pessoas, mas aos animais e ao meio ambiente. Boas Práticas Agropecuárias seria a aplicação do “politicamente correto”. E quando se aplica isto, os inúmeros benefícios ao sistema produtivo tornam-se evidentes.
Começando pelo bem-estar dos trabalhadores, quando você tem colaboradores satisfeitos, com o cônjuge empregado e os filhos na escola, ele produz mais, fica mais motivado ao saber que seus direitos são respeitados. O empregado que percebe que a empresa (leia-se empresa pecuária) se preocupa com ele é mais produtivo e fiel, mesmo quando o salário é pouco menor que na outra propriedade. Todos nós já ouvimos aquela frase: “O salário é melhor, mas não compensa sair daqui…” Nos sistemas de qualidade fala-se muito em encantar o cliente, por que não encantar o colaborador?
As empresas pecuárias que levam a sério o bem-estar animal, possuem índices incríveis de produtividade. Os animais engordam mais rápido, há menos gastos com produtos veterinários e se alcança níveis elevados de prenhez. Quando falamos de bem-estar animal, não é deixar o gado solto, sem manejo em piquetes de centenas de hectares.
É, sim, treinar os colaboradores para um manejo racional, com o mínimo de estresse; manter alimentação equilibrada com pastos bem cuidados, suplemento alimentar, assistência veterinária, vacinação correta. Mesmo o abate, deve ser feito de forma racional, humanitária. Nível elevado de estresse no momento do abate pode pôr abaixo todo o trabalho de uma produção voltada à qualidade da carne e do couro.
Não podemos nos esquecer do meio-ambiente, principalmente da água, recurso natural escasso e caro. As leis ambientais devem ser cumpridas, principalmente no que tange às matas ciliares. O desmatamento e o pisoteio do gado podem acabar com nascentes dentro da propriedade. Aos poucos o rio se torna riacho e seca, voltando a nascer quilômetros abaixo, já fora da sua propriedade. Preservando as matas e o ambiente, pode-se diversificar o ganho, montando locais para ecoturismo dentro da propriedade.
Uma boa manutenção do ambiente envolve também ambiente de trabalho. Instalações bem feitas e conservadas geram menores níveis de estresse, menos tempo de trabalho, mais segurança. Tudo isso diminui o custo de manutenção. Imagine a situação: brete velho, tábuas meio quebradas, o gado se debate pelo manejo agressivo e estresse de horas no mangueiro. Mais uma tábua quebra, o gado se machuca (couro perde valor e o animal perde peso pelo estresse, isso se não quebrar uma pata) e o peão que estava pendurado na cerca cai, machucando a perna ou até mesmo quebrando-a. A reforma deste mangueiro sai muito mais barata que a perda temporária de um funcionário, até ele se recuperar; perda de peso e do couro de um animal; e ainda o incômodo de levar o funcionário até um médico.
Por último, e não menos importante, temos o gerenciamento da propriedade. Todos sabemos que a margem de lucro da propriedade está cada dia menor, chegando às vezes, a ser negativa. A ordem do dia é cortar gastos desnecessários, é diminuir os custos de produção. O problema é que a maioria dos proprietários não faz a menor idéia de quanto lhe custa produzir uma arroba.
Se a propriedade não possui controle, não há como saber que gastos cortar sem prejudicar a produção. Um gerenciamento bem feito permite projetar gastos, garantir o pagamento de parte dos custos com venda da produção na BM&F. Permite planejar os investimentos para que ocorram nas melhores épocas. A manutenção de calendários sanitário e produtivo, permite uma melhor organização da propriedade, o que otimiza a utilização de recursos e mão-de-obra.
Pensando em todos estes detalhes, surgiu o Projeto Boas Práticas Agropecuárias, idealizado pela Câmara Setorial Consultiva de Bovinocultura e Bubalinocultura do Estado de Mato Grosso do Sul.
Neste projeto, há um treinamento patrocinado pelo Senar, dos profissionais que atuam como administradores, assessores ou consultores em propriedades por todo o estado. Esta capacitação foi realizada pelo Senar/MS junto com a Embrapa – Gado de Corte, que deram prioridade para os profissionais do interior do estado, inclusive fornecendo ajuda de custo aos municípios para que estes profissionais pudessem participar.
No retorno ao seu município cada profissional capacitado ficou responsável por ser um multiplicador das BPA na sua Região. Estes devem ministrar um curso para os chamados Indutores – pessoas que vão realmente aplicar os princípios das Boas Práticas; tais como proprietários e capatazes.
No curso de Multiplicadores foram debatidos os conceitos de:
– Função Social do Imóvel Rural;
– Gestão Social ;
-Gestão Ambiental;
– Bons tratos e ética na Produção Animal;
– Formação e Manejo das Pastagens;
– Instalações Rurais;
– Manejo Pré-Abate;
– Gerenciamento Rural;
Estes conceitos foram tratados sempre com a visão dos benefícios que trazem à propriedade, inclusive financeiras, e sem esquecer dos detalhes e dificuldades de implantação de cada um deles. Foi passado aos profissionais princípios de aprendizagem de adultos, por uma psicóloga, para que os Multiplicadores pudessem transmitir estes conceitos da melhor forma possível aos Indutores.
Esta é a fase inicial do projeto: difundir o conceito de Boas Práticas Agropecuárias, mostrar a importância da implantação destas idéias dentro de uma propriedade. Utilizando de exemplos como a Fazenda Prata de Lei, produtora de gado de elite no município de Campo Grande, que aplica todos os princípios explicados acima, pode-se provar que com treinamento e paciência é possível ter uma propriedade com bem-estar animal, ecologicamente correta, socialmente justa e economicamente viável.
No ano de 2005 foram formadas seis turmas de Multiplicadores, se espera que estes iniciem o trabalho de difusão do Programa no ano de 2006. Não há datas programadas, mas têm se pensado nos próximos passos deste projeto, como a implantação de um sistema auditável e a criação de um Selo BPA.
O Projeto tem o apoio e patrocínio principalmente dos grupos: Independência, Friboi, Tortuga, Real H, Associação Sul – Matogrossense de produtores de Novilho Precoce, Braspelco e do Programa de Avanços da Pecuária.
Sugiro ler o artigo A economia do manejo correto, por Érika L. Voogd.
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1Médica Veterinária e Multiplicadora da Técnicas de Boas Práticas Agropecuária