Ao longo deste ano e 2005, a pecuária de corte vivenciou um cenário de preços do boi gordo historicamente baixos. O indicador Esalq/BM&F boi gordo/SP apresentou as cotações mais baixas em valores nominais desde 2003, justamente em plena safra do boi em 2006, quando registrou R$ 48,25/@ à vista em 24 de maio. Se considerarmos a inflação, a situação é mais grave.
Ao longo deste ano e 2005, a pecuária de corte vivenciou um cenário de preços do boi gordo historicamente baixos. O indicador Esalq/BM&F boi gordo/SP apresentou as cotações mais baixas em valores nominais desde 2003, justamente em plena safra do boi em 2006, quando registrou R$ 48,25/@ à vista em 24 de maio. Se considerarmos a inflação, a situação é mais grave.
Essa conjuntura acabou acompanhando uma queda na taxa no câmbio que, idem, atingiu os menores patamares desde o câmbio flutuante. Resultado da atual política monetária, que trabalha com uma diferença elevada entre os juros brasileiros e norte americanos, e dos crescentes saldos na balança comercial, o dólar registra valores igualmente baixos. Em 5 de maio de 2006, o Bacen cotou o dólar comercial em R$ 2,0579 na compra.
Gráfico 1. Boi gordo x dólar comercial, em reais
Diante do real sobrevalorizado, apesar dos baixos preços na moeda nacional, que é o que importa para o pecuarista, o boi teve preços até acima dos padrões históricos se analisados em dólares. Com os preços em alta a partir do segundo semestre, no dia 18/09 o indicador Esalq/BM&F valia US$ 27,65/@. Desde 2002, os maiores valores ocorrem este ano, nos últimos dias. Veja a evolução dos preços do boi em dólares no gráfico abaixo.
Gráfico 2. Evolução do indicador Esalq/BM&F em dólares
A relação entre preço médio da carne bovina in natura exportada e o preço do boi gordo, em dólares, influencia a lucratividade dos frigoríficos exportadores, podemos assim, estabelecer uma relação de troca para ambos. Nesta análise, a relação é definida pela razão entre o preço médio da tonelada exportada e o indicador Esalq/BM&F em US$/@, denominada em @/tonelada. Em outras palavras, quantas arrobas de boi equivalem à receita exportada de uma tonelada de carne bovina in natura.
Observando dados históricos, em 2005 a média para esta razão foi de 99,53 @/tonelada exportada. Em uma série de janeiro/02 a agosto/06, a pior relação de troca para o exportador, considerando mês a mês, foi em outubro/05, calculada em 87,01 @/tonelada quando o Esalq/BM&F médio foi de US$ 24,59/@ no mês. O máximo valor observado para esta variável ocorreu em outubro/02, quando foi de 121,36.
Os gráficos abaixo apresentam a evolução dos preços médios mensais do boi em US$ e relações de troca resultantes mês a mês. Nos pontos onde houve as médias mais elevadas dos preços do boi em dólares as relações de troca para o exportador apresentaram os valores mais baixos.
Gráfico 3. Relação de troca @/tonelada exportada mês a mês
Isso garantiu o crescimento de 11,80% na receita, mesmo com a queda de 0,33% no volume embarcado nos oito primeiros meses de 2006. Até agosto de 2006 o Brasil embarcou 780.339 toneladas de carne bovina in natura e auferiu receita de US$ 1,92 bilhão, segundo a Secex/MDIC.
O preço médio da carne in natura exportada chegou a US$ 2.636/tonelada em maio neste ano, o maior valor considerando dados a partir de 2002. Aliado aos baixos preços do boi naquele período, os exportadores trabalharam com relação de troca @/tonelada de 117,49 em maio/06 e 120,26 em junho/06, próximos dos valores máximos obtidos em 2002. A média do preço nestes 8 primeiros meses está em US$ 2.468/tonelada, 12,17% acima da média em 2005 e 27,77% acima de 2002, comparando o mesmo período.
Gráfico 5. Preços médios da carne exportada nos 8 primeiros meses de cada ano
Em um exercício matemático avaliando os atuais preços de carne in natura exportada (agosto/06) e os preços futuros do boi gordo na BM&F, a relação de troca @/tonelada é estimada em 88,14, 1,29% acima da mais baixa relação de troca desde 2002, ocorrida em outubro de 2005, 87,01 @/tonelada.
Esse artigo contempla a evolução dos preços do boi gordo e o preço da carne exportada, que não é o único influenciador na formação do preço do boi. É necessário considerar uma série de outros fatores, como consumo interno, renda da população, preços e produção de carne bovina (e de seus substitutos), volume exportado, concentração de mercado, etc.
A relação de troca @/tonelada esteve acima da média do período 2002-06 nos meses de abril, maio, junho e julho. Alcançando valores próximos dos máximos obtidos em 2002, quando o real sofreu uma grande desvalorização no segundo semestre, às vésperas da eleição para presidente. A relação de troca alcançada em junho/06 esteve acima do primeiro semestre de 2004, período de excelente rentabilidade para a indústria exportadora.
Os baixos preços do boi gordo, em reais, desde o início de 2005 desestimularam a produção, criando uma menor oferta de bovinos, que aliada a valorização do real, coloca os frigoríficos numa situação próxima da pior rentabilidade obtida desde 2002, ocorrida no mês de outubro/05, quando a relação de troca foi de 87,01 @/tonelada, 16% abaixo da média do período 2002-06.
Analisar os preços do boi gordo e da carne exportada é um bom indicador, pois acompanha o principal custo do frigorífico (boi gordo) e sua principal fonte de receita (carne in natura exportada). As grandes variações dessa relação de troca são um sinal que o setor precisa de maior coordenação vertical, pois altos e baixos, como observados no gráfico 3, desestimulam investimentos de longo prazo, tanto na produção como na indústria. O momento atual é de dificuldades para a indústria, causado pelos momentos de preços baixos (no passado recente) vivenciados pelo pecuarista.
0 Comments
Boa análise.
Essa matéria foi boa demais.
Parabéns.
Jerry.
Caros Miguel e Otavio,
Parabéns pelo artigo. Alguém precisava mostrar para os pecuaristas que os grandes frigoríficos, que na verdade vendem até 70% de sua produção para fora, a relação de troca que realmente importa a eles. Agora, imagine se adicionarmos a esta relação de troca que usa apenas a carne, todos os demais subprodutos do boi.
Excelente análise que vocês elaboraram, meus parabéns. Porém, o que falta ao pecuarista é se informar melhor e utilizar os meios acessíveis (BM&F) para fechar contratos e vender o gado para os frigoríficos com segurança e respaldo maiores.
Matéria muito boa e consistente. Somente observo que o que é um dos custos para a indústria deveria ser renda para os produtores. Deveria, mas não é!
Isto mereceria uma análise com igual detalhamento. Vamos aguardar.
Parabéns pela análise .Eu li os comentários de alguns colegas acima e já tem gente com dó dos frigoríficos. Temos que complementar que os frigoríficos já haviam travado o seu preço na BM&F, e compravam boi a menos de R$ 50,00/@ tendo vendido a preços em dólar equivalentes a R$ 70 a @ , já haviam descontado através de ACC (adiantamento de contrato de cambio) e aplicavam o dinheiro no mercado.
Além disso, receberam financiamento do BNDES a juros subsidiados para usar contra o pecuarista, além de poderem emitir debêntures no mercado financeiro a juros CDI como o Friboi fez, arrecadando 500 milhões de dólares, também para usar contra o pecuarista. Dinheiro este usado para fazer confinamentos próprios ou pontes e estradas para ampliar a pressão sobre o produtor (Bertin).
Ao contrário disso, se os frigoríficos tivessem aproveitado esta época de preços baixos e os recursos financeiros para fazer parcerias honestas com os produtores o mercado estaria melhor e mais seguro para todos. Lembrem-se que a crise atual é de escassez de produto e não de aumento da demanda (o consumo continua caindo ), portanto “mataram a galinha dos ovos de ouro “.
Aguardo comentários de todos.
Carlos Henrique Ribeiro do Prado, pecuarista sofrido de Goiânia.
Acho que a visão do frigorífico é míope pois não vêem os pecuaristas como parceiros e agem como predadores. Agora que a produção de boi vai cair e os preços subirão, vão chorar, ou pior, quebrar e dar mais prejuízo aos pecuaristas?
Parabéns, Dr. Miguel e Dr. Otávio, pela coragem de publicar matéria que contraria interesse dos detentores do oligopólio internacional de comercialização da carne. Por esse trabalho de pesquisa fica claro que aqueles que dominam a parte lucrativa da cadeia da carne (exportador – importador e distribuidor estrangeiro) tem margem tão ampla que podem superar, facilmente, o preço histórico da arroba em dólares, para garantir a continuidade da produção.
Como já manifestei ao BeefPoint, acho que seriam grandes passos a constatação do valor real da arroba pago pelo importador estrangeiro (e não o valor de fechamento do câmbio), e a constatação do valor real da carne recebido pelo pequeno produtor rural (considerando-se classificação, preço, pesagem, frete e risco de crédito). Saudações.
Parabéns, pela excelente análise.
Sem dúvida o gráfico número 3 é um triste “cardiograma” de nossa tão promissora pecuária.
Tomara que o Adib Jatene não tenha acesso, pois é um caso de UTI.
Abraços
Senhores,
Vivenciamos 5 ou 6 anos com preços do boi estáveis e em algumas regiões em declínio, com os custos subindo ao sabor da inflação (que existe mesmo).
Este ano, com a subida que aconteceu (lembremos do ciclo pecuário em torno de 5 ou 6 anos, abate de matrizes, poucos bezerros, falta de boi gordo), enquanto o exportador quase dobrou seu preço de venda no exterior, a correção ao produtor não foi a mesma, no máximo 40 %.
No entanto, nosso grande formador de preços ainda é o mercado interno, responsável por 75% a 80% do consumo de toda a produção. O poder aquisitivo da população de baixa renda vem melhorando tìmidamente, o que não pode refletir numa alta significativa do consumo, ao contrário percebe-se menor consumo per capita de carne bovina, substituidada principalmente pelo frango.
Ainda somos um país de 5% ricos e 5% médios e 90% pobres.
As donas de casa reduzem a quantidade de carne bovina no carrinho do mercado.
Só teremos uma pecuária estável quando este país tiver mais equanimidade na distribuição da renda, é coisa macro.
Abraço.