Nos primeiros dias de setembro, o presidente Temer vai participar da cúpula do G20, na China.
Trata-se de uma viagem de imensa relevância, durante a qual o novo governo irá interagir com os líderes das principais economias do mundo. No encontro bilateral com Xi Jinping, Temer terá a oportunidade de inaugurar uma nova fase no relacionamento com a China, país com quem já interagiu diversas vezes e conhece em profundidade.
Creio que chegou a hora de apresentar as bases para construir uma verdadeira parceria estratégica de longo prazo com a China, que é, sem dúvida, o país com maior interesse pelo Brasil e dependência dele.
A China tornou-se o maior importador mundial de commodities e vai precisar do Brasil para atender a sua enorme demanda potencial. Apenas dois produtos —soja em grãos e minério de ferro— já fizeram da China nosso maior parceiro comercial, gerando uma revolução econômica em regiões importantes do Brasil. Ainda que de forma gradual e seletiva, a China começa a se abrir para outras commodities, como algodão, milho, trigo, açúcar e proteínas animais.
A experiência milenar de liderança fez da China um país que sabe estudar e planejar o seu futuro muitas décadas à frente. No Brasil, o planejamento é precário e imediatista, cobrindo meses ou, no máximo, uns poucos anos.
Nas commodities, somos basicamente “comprados” e não sabemos aonde queremos chegar. Nas nossas exportações, quem determina a pauta e a velocidade dos fluxos é a China, e nós temos aceitado o que ela quer sem muita discussão ou planejamento.
Nos investimentos, a China começou a internacionalizar suas empresas estatais, adquirindo terras e empresas originadoras de commodities pelo mundo afora, além de investir pesadamente em infraestrutura. Obviamente o objetivo de longo prazo da China é o controle estratégico das suas cadeias de suprimento.
Uma parceria estratégica de ganha-ganha no longo prazo certamente produziria fluxos de comércio com maior racionalidade e sentido econômico, além de uma pegada de água e energia mais sustentável. Poderíamos organizar adequadamente as cadeias de valor, garantindo a implementação dos investimentos chineses no Brasil e a entrada de produtos com valor adicionado e marca no mercado chinês. O Brasil atrairia os investimentos de que precisa, e a China reduziria os seus riscos geopolíticos e sanitários de suprimento.
Um ótimo exemplo é a questão dos volumes explosivos de exportação de soja e milho para alimentar aves e suínos na China. Se aceitarmos essa lógica passivamente, em breve teremos dificuldades para exportar carnes, pois o papel que a China nos reserva neste momento está no fornecimento de dois componentes da ração animal, e não no valor adicionado dos óleos vegetais e das carnes, em que poderíamos diferenciar produtos e consolidar marcas.
A relação Brasil-China tem sido dominada pelo “pequeno varejo” dos problemas regulatórios diários que impedem o comércio bilateral e a atração de investimentos. Nesse campo, a China sabe posicionar os seus interesses críticos em diferentes momentos e mesas de negociação, navegando com pragmatismo na desorganização estratégica brasileira.
Entendo que a construção de uma parceria estratégica deveria começar com bons cenários prospectivos de oferta e demanda no longo prazo e o entendimento franco dos interesses e restrições de cada parte. Disso nasceria uma agenda bilateral consistente nas áreas de comércio, investimentos, agronegócio, tecnologia, infraestrutura, integração de cadeias produtivas e sustentabilidade, no seu sentido amplo.
Tenho notado que o governo Temer está ciente e engajado nessa direção. É hora de lançar as bases dessa parceria estratégica e jogar com time, coordenação e habilidade.
Por Marcos Sawaya Jank, especialista em questões globais do agronegócio, para a Folha de São Paulo (edição de 20/08/16).