Em uma recente publicação sobre carnes vermelhas e processadas baseada em uma avaliação do "Pooling Project of Prospective Studies of Diet and Câncer", pesquisadores não encontraram associações entre o maior nível de consumo de carnes vermelhas e o câncer renal e observaram uma associação fracamente elevada, não significante, para a ingestão de carnes processadas.
Câncer renal
Os rins são órgãos responsáveis por filtrar dejetos do sangue. Os cânceres nos rins e na pélvis renal estão em sétimo lugar entre os cânceres mais comuns entre os homens dos Estados Unidos e em nono lugar entre os cânceres mais comuns entre as mulheres dos Estados Unidos (1). O câncer renal representa aproximadamente 3,8% de todos os novos casos de cânceres e 2,3% de todas as mortes por câncer entre homens e mulheres dos Estados Unidos (1). Nos Estados Unidos e Europa, essa doença é quase duas vezes tão comum em homens como em mulheres e a idade média no momento do diagnóstico é início dos 60 anos (2,3). Uma tendência crescente nas taxas de incidência e mortalidade foi observada para câncer renal nos últimos 30 anos, com maiores aumentos encontrados entre homens afro-americanos e mulheres afro-americanas (4).
Pesquisas epidemiológicas identificaram alguns importantes fatores de risco para câncer renal. O fumo de cigarros e a obesidade foram estabelecidos como fatores causais de aumento nos riscos de câncer renal; cada um desses fatores pode ser responsável por 20% a 30% de todos os novos casos (2,5,6).
Em 1997, pesquisadores do World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research (WCRF/AICR) concluíram que o consumo de carnes vermelhas é uma possível causa de câncer renal; entretanto, em seu relatório de 2007, eles consideraram que as evidências epidemiológicas disponíveis eram limitadas e não chegaram a conclusões. Também em 2007, pesquisadores (8) publicaram uma meta-análise e os autores concluíram que as carnes vermelhas e as carnes processadas estavam positivamente associadas com o risco de câncer renal. Suas análises, entretanto, foram baseadas em dados de somente seis estudos de caso-controle de carnes vermelhas e quatro estudos de caso-controle de carnes processadas. Em uma recente publicação sobre carnes vermelhas e processadas baseada em uma avaliação do “Pooling Project of Prospective Studies of Diet and Câncer“, pesquisadores (9) analisaram dados primários de 530.469 mulheres e 244.483 homens de 13 coortes internacionais onde 1.478 de casos de câncer renal foram observados. Os pesquisadores não encontraram associações entre o maior nível de consumo de carnes vermelhas e o câncer renal e observaram uma associação fracamente elevada, não significante, para a ingestão de carnes processadas. Além disso, não foi reportada tendência de risco de câncer renal baseado nas categorias de maior consumo de carnes vermelhas e nenhuma associação para cada aumento de duas porções e carnes vermelhas por semana foi observada. Os autores reportaram um aumento de 1% nos riscos de câncer renal para cada duas porções aumentadas de carne processada consumida por semana, mas essa associação não foi estatisticamente significante.
Outros pesquisadores em 2009 (10) conduziram uma ampla avaliação quantitativa da associação entre ingestão de carnes vermelhas e processadas e câncer renal, baseada em todos os dados epidemiológicos disponíveis. Especificamente, os dados reportados no Pooling Project foram combinados com dados de estudos independentes de coorte e caso-controle usando uma meta-análise. A associação sumária para todos os estudos que reportaram resultados para carnes vermelhas foi de 1,12 e a associação sumária baseada em dados de coortes prospectivas foi de 1,02. Cinco estudos foram identificados que simultaneamente ajustaram os dados para fumo, índice de massa corpórea e ingestão total de energia. A associação sumária baseada na análise desses estudos foi de 1,02. Não foi observada associação significante na meta-análise do consumo de carnes processadas, apesar de ter sido observada uma associação significante quando somente dados de estudos de coorte foram analisados. Assim como no caso das carnes vermelhas, a associação foi atenuada entre os cinco estudos que controlaram para potenciais fatores que podem ter influência e podem confundir os resultados (fumo, índice de massa corpórea e ingestão total de energia).
Estudos epidemiológicos elucidaram alguns fatores chave responsáveis por aumentar os riscos de carcinogênese renal; entretanto, o consumo de carnes não é um dos fatores responsáveis. Coletivamente, os resultados de estudos de coorte e caso-controle sobre o consumo de carnes vermelhas e processadas são inconsistentes, já que, enquanto muitas associações são em direção positiva, vários estudos observaram decréscimos nos riscos para câncer renal. Apesar de as associações sumárias baseadas nas meta-análises terem sido positivas, todas foram fracas em magnitude a maioria não foi estatisticamente significante, e as associações foram próximas a um valor zero entre estudos que ajustaram para fumo, índice de massa corpórea e ingestão total de energia (10). Além disso, não foram reportados padrões ou tendências consistentes de maiores riscos com maiores níveis de ingestão de carnes vermelhas ou processadas em estudos individuais. Em suma, as evidências epidemiológicas baseadas em um número substancial de estudos não apoia uma relação independente entre consumo de carnes vermelhas ou processadas e o câncer renal.
Câncer de bexiga
A bexiga é um órgão oco que é responsável por armazenar a urina, que a recebe dos rins através de tubos chamados ureteres. A bexiga é composta de várias camadas celulares e a maioria dos cânceres de bexiga consiste de carcinomas de células transicionais, que começa nas células da camada interna da bexiga. O câncer de bexiga é mais comum entre homens do que entre mulheres e é mais frequentemente diagnosticado entre caucasianos do que em afro-americanos (1). O fumo é, talvez, o fator de risco mais bem estabelecido para câncer de bexiga e as pessoas que fumam têm aproximadamente duas vezes mais riscos de desenvolver essa doença. Como os carcinógenos dietéticos podem ser excretados através da urina, esse local de câncer parece ser um candidato viável para a atribuição de alimentos ou compostos alimentares no desenvolvimento da doença. Apesar disso, estudos epidemiológicos não revelaram nenhum fator dietético responsável por aumentar os riscos de câncer de bexiga.
Alguns importantes estudos de coorte avaliaram a relação entre o consumo de carnes e o câncer de bexiga. Em um estudo de 2009 de uma coorte sueca de mulheres, os pesquisadores (11) não observaram associações entre o consumo de carnes vermelhas e processadas e o câncer de bexiga. Os autores concluíram que seus resultados não apoiavam a hipótese de que a carne vermelha/processada está associada com o desenvolvimento de câncer de bexiga. Em um estudo de coorte nos Estados Unidos de 2007, pesquisadores (12) reportaram associações fracamente elevadas, mas não significantes, entre a ingestão de carnes vermelhas e processadas e o câncer de bexiga. Além disso, os autores não observaram tendências significantes de maior risco com maiores níveis de consumo. Em uma análise combinada do Estudo de Acompanhamento de Profissionais de Saúde (HPFS) e do Estudo de Saúde dos Enfermeiros (NHS), associações inversas não significantes foram reportadas para carnes vermelhas, hambúrguer e hot-dogs, nenhuma associação foi reportada para carnes processadas e uma associação positiva estatisticamente significante foi observada para o maior nível de ingestão de bacon (13).
Associações de estudos de caso-controle foram inconsistentes. Um maior risco marginalmente significante foi reportado para carnes vermelhas e um aumento significante de 60% no risco foi reportado para carne processada em um estudo de caso-controle canadense (14). Outros pesquisadores (15), em 2000, observaram um aumento significante de 60% no risco entre os maiores consumidores de carnes vermelhas em um estudo conduzido na Itália. Em contraste, outro estudo, de 2004 (16) observou reduções não significantes nos riscos para carne bovina, suína, presunto e linguica, e outros pesquisadores no mesmo ano (17) reportaram associações inversas não significantes para maiores níveis de ingestão de carnes processadas e nitrosamina pré-formada. Em um estudo caso-controle recentemente publicado conduzido na Espanha, uma razão de chances (odds ratio) não significante de 0,8 foi reportada para ingestão de carnes vermelhas e uma razão de chances não significante de 1,2 foi reportada para a ingestão de carne processada.
Alguns grandes estudos prospectivos de coorte e vários estudos de caso-controle de ingestão de carnes vermelhas e processadas e câncer de bexiga foram publicados facilitando a ampla avaliação da literatura epidemiológica. Os resultados dos estudos de coorte foram de forma geral nulos, com associações não significantes de 1,0 (ou próximo a 1,0) e alguns riscos relativos em direções positivas e inversas. As descobertas dos estudos de caso-controle foram mais variáveis, com associações positivas e inversas sendo reportadas. Em suma, as evidências epidemiológicas não apoiam uma associação independente entre ingestão de carnes vermelhas e carnes processadas e o desenvolvimento de câncer de bexiga.
Referências bibliográficas
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Esse artigo traz uma tradução adaptada do relatório feito pelo pesquisador Dominik D. Alexander, PhD, MSPH, epidemiologista sênior da Health Sciences Practice, Exponent, Inc., sumarizando as atuais evidências epidemiológicas relacionadas ao consumo de carnes vermelhas e carnes processadas e o câncer, publicado no site www.beefresearch.org.